Saiba, ponto por ponto, o que está em jogo no projeto que regulamentará o lobby no Brasil

Por Bruno Carazza.

 

Há mais de trinta anos tramitam no Congresso propostas para regular o lobby no Brasil. Depois de tantos escândalos relacionados à defesa de interesses privados junto ao governo, na maioria das vezes descambando para a corrupção, parece que agora a coisa vai andar. Na Câmara, o PL nº 1.202/2007 foi colocado em regime de urgência e, a confiar em declarações recentes do ministro Wagner Rosário, da Controladoria-Geral da União, o governo parece também comprometido a regulamentar a atividade.

Como sempre acontece quando se trata de regulação, o sucesso ou fracasso da iniciativa reside nos detalhes. A depender de como a matéria será tratada, podemos ter ganhos significativos em termos de transparência e controle social sobre a atividade ou, pelo contrário, apenas a legitimação de práticas como tráfico de influência, advocacia administrativa e corrupção – todas previstas no Código Penal.

A seguir apresento um comparativo, ponto por ponto, entre o texto original do PL nº 1.202/2007, de autoria do deputado Carlos Zaratinni (PT/SP) e do substitutivo proposto pela ex-deputada Cristiane Brasil (PTB/RJ), aprovado na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. Como vocês podem ver, há diferenças significativas entre eles que são capazes de afetar totalmente o resultado final da regulação.

1. Quanto à definição da atividade, abrangência e caracterização da atividade:

Assunto

PL nº 1.202/2007 – Original

Substitutivo Cristiane Brasil (CCJ)

Definição da lei

Art. 1º. Esta Lei disciplina a atividade de “lobby” e a atuação dos grupos de pressão ou de interesse e assemelhados no âmbito dos órgãos e entidades da Administração Pública Federal, e dá outras providências. Art. 1º Esta Lei disciplina a atividade de representação de interesses exercida por agentes de relações institucionais e governamentais em processos de decisão política no âmbito dos órgãos e entidades do Poder Público Federal.

 

Definição da atividade

Art. 2º. Para os fins do disposto nesta lei, considera-se:

VI – “lobby” ou pressão, o esforço deliberado para influenciar a decisão administrativa ou legislativa em determinado sentido, favorável à entidade representativa de grupo de interesse, ou de alguém atuando em defesa de interesse próprio ou de terceiros, ou em sentido contrário ao interesse de terceiros;

Art. 3º Para os fins desta Lei, considera-se:

V – atividade de representação de interesses: a atuação em defesa de argumentos e posições favoráveis ao interesse dos representados em processos de decisão política, bem como o acompanhamento dos processos de decisão política para fins de registro, análise ou divulgação aos representados.

Definição do agente

Art. 2º. Para os fins do disposto nesta lei, considera-se:

VII – lobista ou agente de grupo de interesse, o indivíduo, profissional liberal ou não, a empresa, a associação ou entidade não-governamental de qualquer natureza que atue por meio de pressão dirigida a agente público, seu cônjuge ou companheiro ou sobre qualquer de seus parentes, colaterais ou afins até o segundo grau, com o objetivo de lograr a tomada de decisão administrativa ou legislativa favorável ao grupo de interesse que representa, ou contrária ao interesse de terceiros, quando conveniente ao grupo de interesse que representa;

 

Art. 3º Para os fins desta Lei, considera-se:

IV – agentes de relações institucionais e governamentais: os que exerçam atividade de representação de interesses perante tomadores de decisão;

Definição de grupo de interesse ou pressão

Art. 2º. Para os fins do disposto nesta lei, considera-se:

III – entidade representativa de grupo de interesse, toda e qualquer pessoa jurídica, constituída segundo as leis do País, qualquer que seja a sua natureza, que seja dirigida por um indivíduo ou grupo de indivíduos, subordinados ou não a instâncias colegiadas, que tenham interesse na adoção de determinada decisão administrativa;

Art. 3º Para os fins desta Lei, considera-se:

II – grupo de pressão: qualquer grupo de pessoas físicas ou jurídicas, públicas ou privadas, reunidas, de fato ou de direito, com objetivos e interesses comuns no resultado de processo de decisão política;

Alvo da atividade

Art. 2º. Para os fins do disposto nesta lei, considera-se:

II – órgão público decisor, a unidade da Administração Pública Federal, de qualquer nível, que seja chefiada por indivíduo dotado de capacidade de decisão autônoma;

VIII – dirigente responsável, o indivíduo que tem, ao seu encargo, adotar decisão em nome de órgão ou entidade da Administração Pública direta e indireta, que possa ser influenciada pela atuação de grupo de interesse ou seus agentes.

Art. 3º Para os fins desta Lei, considera-se:

III – tomador de decisão: a autoridade pública ou colegiado competente para conduzir, relatar, votar, concluir ou decidir processo de decisão política;

Objetivo da atividade

Art. 2º. Para os fins do disposto nesta lei, considera-se:

I – decisão administrativa toda e qualquer deliberação de agente público que envolva: a) a proposição, consideração, elaboração, edição, promulgação, adoção, alteração ou rescisão de um regulamento ou norma de caráter administrativo; b) a realização de despesa pública ou a sua modificação; c) a formulação, o desenvolvimento ou a modificação de uma linha de atuação ou diretriz de política, ou a sua aprovação ou rejeição; d) a revisão, a reavaliação, a aprovação ou a rejeição de um ato administrativo; e) a aposição de veto ou sanção a projeto de lei ou a ato legislativo equivalente; f) a indicação ou escolha ou a designação ou nomeação de um indivíduo para exercer cargo, emprego ou função pública, no âmbito do respectivo órgão ou poder responsável pela decisão;

Art. 3º Para os fins desta Lei, considera-se:

I – processo de decisão política: o conjunto de atos e procedimentos do Poder Público que visem a sugerir, criar, modificar, interpretar, implementar, fiscalizar ou revogar norma jurídica;

 

Art. 1º. …

§ 2º Esta lei não se aplica:

I – às relações comerciais entre agentes econômicos e órgãos da Administração Pública que visam à compra e venda de bens ou serviços pelo Estado;

II – às relações entre particulares e o Poder Público que não tenham por finalidade sugerir, criar, modificar, interpretar, implementar, fiscalizar ou revogar norma jurídica;

III – à prática de atos em processos judiciais ou em processos ou procedimentos administrativos que exijam atuação preventiva de advogado, nos termos da Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994.

 

Art. 3º. …

Parágrafo único. Quando não envolver atividade privativa de advogado, a defesa de interesse individual ou coletivo no curso de processo de decisão política, mesmo quando exercida por profissional da advocacia constituído nos termos da Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994, observará o disposto nesta Lei.

Análise: Eu não gosto de eufemismos. Chamar lobby de “relações institucionais e governamentais” e lobista de “agente de relações institucionais e governamentais” não vai melhorar, como num passe de mágica, a reputação de quem exerce essa atividade. Precisamos chamar as coisas pelo nome que realmente as representa. Sendo assim, fico com a terminologia do projeto original.

No entanto, o substitutivo tem seus méritos, pois sua redação é superior em muitos pontos: i) “Poder Público Federal” é mais abrangente do que o “Administração Pública Federal” do texto original (que poderia induzir ao entendimento de que a nova lei se aplicaria só ao Poder Executivo, o que não é verdade); ii) a definição da atividade (art. 3º, V) é mais objetiva do que a confusão da redação inicial e iii) sua descrição do alvo da atividade de lobbying é muito mais amplo (art. 3º, III).

Quanto à definição do lobista, um ponto interessante do projeto original (art. 2º, VII) é estender a sua atuação não apenas ao agente público, mas também a cônjuge ou parentes, como costuma acontecer.

No que se refere à definição de grupo de interesse, ambos os textos procuraram ser bem abrangentes, e eu ficaria com um misto entre eles: como no projeto original, eu utilizaria “grupo de interesse” no lugar de “grupo de pressão” (na literatura, o primeiro conceito é mais amplo que o segundo) e tomaria, do substitutivo, a sua elegante caracterização: “qualquer grupo de pessoas físicas ou jurídicas, públicas ou privadas, reunidas, de fato ou de direito, com objetivos e interesses comuns no resultado de processo de decisão política”.

Quanto ao objetivo da atividade de lobby, a expressão “decisão política” do substitutivo é mais ampla, e por isso melhor, do que a “decisão administrativa” do texto-base. Feita essa adaptação, eu prefiro o detalhismo do projeto original, pois aplica-se não apenas à atuação legislativa, mas também orçamentária (como a liberação de verbas), o desenvolvimento de políticas públicas e até mesmo a indicação de autoridades. Para tornar a definição ainda mais abrangente, configurando uma lista exemplificativa – e não exaustiva –, eu acrescentaria um pequeno ajuste:

“Art. 2º. Para os fins do disposto nesta lei, considera-se:

I – decisão política toda e qualquer deliberação de agente público que envolva atividades como: (…)”

Por fim, são muito ruins as vedações previstas no art. 1º, § 2º, do substitutivo da ex-deputada Cristiane Brasil. Pressionar para que o Estado compra determinado equipamento ou produto é lobby – foi isso o que os fabricantes dos caças vendidos ao governo brasileiro fizeram durante o governo Lula, só para ficar em um exemplo. Da mesma forma, não se podem deixar de fora gestões feitas por agentes privados que orbitem fora da esfera legislativa, inclusive quanto à tramitação de projetos judiciais ou administrativos. Quanto a este último ponto, vemos claramente uma intenção corporativa das instituições que representam a classe dos lobistas em demarcar território em relação aos advogados – um lobby a favor dos lobistas, portanto.

O ministro da CGU, Wagner Rosário, com o presidente Bolsonaro em evento em Santiago do Chile em 23/03/2019. Foto: Marcos Corrêa/PR

2. Credenciamento, prestação de contas e fiscalização:

Assunto

PL nº 1.202/2007 – Original

Substitutivo Cristiane Brasil (CCJ)

Credenciamento/cadastro

Art. 3º. As pessoas físicas e jurídicas que exercerem, no âmbito da Administração Pública Federal, atividades tendentes a influenciar a tomada de decisão administrativa ou legislativa deverão cadastrar-se perante os órgãos responsáveis pelo controle de sua atuação, ao qual caberá o seu credenciamento.

§ 1º No âmbito do Poder Executivo, caberá à Controladoria-Geral da União promover o credenciamento de entidades de “lobby”.

Art. 7º Os agentes de relações institucionais e governamentais poderão requerer seu cadastro perante os órgãos competentes dos Poderes Executivo e Legislativo, na forma do regulamento ou do regimento interno das Casas Legislativas, conforme o caso.

Quem deve se credenciar/cadastrar

§ 2º Aplica-se o disposto no caput deste artigo, em igualdade de condições, às pessoas jurídicas de direito privado e às pessoas jurídicas de direito público, e aos representantes de Ministérios e órgãos ou entidades da administração federal direta e indireta, bem assim às entidades de classe de grau superior, de empregados e empregadores, autarquias profissionais e outras instituições de âmbito nacional da sociedade civil no exercício de atividades destinadas à defesa de interesses junto aos órgãos do Poder Legislativo ou à prestação de esclarecimentos específicos junto a esses órgãos e respectivos dirigentes responsáveis. Art. 1º. …

§ 1º Podem exercer atividade de agente de relações institucionais e governamentais:

I – entidades representativas de interesse coletivo ou de setores econômicos e sociais; e

II – pessoas físicas e jurídicas, públicas e privadas, inclusive instituições e órgãos públicos.

Requisitos

§ 3º Cada órgão ou entidade poderá indicar até dois representantes, sendo um titular e um suplente, cabendo ao titular a responsabilidade perante o órgão ou entidade em que atue por todas as informações ou opiniões prestadas ou emitidas pela entidade representada quando solicitadas.

Não dispõe sobre este tema.

Vedações

§ 5º Serão indeferidos a indicação e o cadastramento como representantes de indivíduos que tenham, nos doze meses anteriores ao requerimento, exercido cargo público efetivo ou em comissão em cujo exercício tenham participado, direta ou indiretamente, da produção da proposição legislativa objeto de sua intervenção profissional. Art. 11. O exercício da atividade de representação de interesse deve observar o disposto na Lei nº 12.813, de 16 de maio de 2013, no que se refere ao conflito de interesse envolvendo ocupantes de cargo ou emprego no âmbito do Poder Executivo Federal.

§ 1º Caso o agente de relações institucionais e governamentais ocupe cargo de provimento efetivo, deverá estar no gozo da licença a que se refere os artigos 91 e 92 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, no mesmo prazo estabelecido na lei a que se refere o caput para descaracterização de conflito de interesse.

§ 2º A quem tenha exercido mandato de chefe do Poder Executivo é vedado o exercício da atividade de representação de interesses nos quatro anos subsequentes ao término do mandato.

Apresentação pública

§ 6º Caberá ao órgão competente, na forma do regulamento, expedir credenciais, que deverão ser renovadas anualmente, a fim de que os representantes indicados possam ter acesso às dependências dos órgãos públicos, excluídas as privativas dos respectivos membros ou autoridades superiores.

§ 7º Os credenciados, sempre que se dirigirem a agente público, declinarão a entidade que representam ou a cujo serviço estejam atuando.

Não dispõe sobre este tema.

Capacitação

§ 8º É obrigatória a participação dos representantes referidos no § 3º, no prazo de cento e oitenta dias a contar do deferimento do registro, às suas expensas, em curso de formação específico, do qual constarão como conteúdos mínimos as normas constitucionais e regimentais aplicáveis ao relacionamento com o Poder Público, noções de ética e de métodos de prestação de contas.

Não dispõe sobre este tema.

Prestação de contas

Art. 7º. As pessoas credenciadas para o exercício de atividades de “lobby” deverão encaminhar ao Tribunal de Contas da União, até o dia 31 de dezembro de cada ano, declaração discriminando suas atividades, natureza das matérias de seu interesse e quaisquer gastos realizados no último exercício relativos à sua atuação junto a órgãos da Administração Pública Federal, em especial pagamentos a pessoas físicas ou jurídicas, a qualquer título, cujo valor ultrapasse 1.000 Unidades Fiscais de Referência – UFIR.

§ 1º Constarão da declaração a indicação do contratante e demais interessados nos serviços, as proposições cuja aprovação ou rejeição seja intentado ou a matéria cuja discussão seja desejada.

§ 2º Em se tratando de pessoas jurídicas prestadoras de serviço ou entidades sem fins lucrativos de caráter associativo, serão fornecidos dados sobre a sua constituição, sócios ou titulares, número de filiados, quando couber, e a relação de pessoas físicas que lhes prestam serviços com ou sem vínculo empregatício, e as respectivas fontes de receita, discriminando toda e qualquer doação ou legado recebido no exercício cujo valor ultrapasse 1.000 UFIR.

§ 3º As despesas efetuadas pelo declarante como publicidade, elaboração de textos, publicação de livros, contratação de consultoria, realização de eventos, inclusive sociais, e outras atividades tendentes a influir no processo legislativo, ainda que realizadas fora da sede do Congresso Nacional, deverão constar de sua declaração, acompanhadas do respectivo relatório de auditoria contábil firmado por empresa especializada ou profissional habilitado.

§ 4º O Tribunal de Contas da União divulgará relatório dos elementos referidos neste artigo até o dia 31 de março do exercício seguinte.

§ 5º A omissão de informações, a tentativa de omitir ou ocultar dados ou confundir importará a cassação do credenciamento, ou a constatação de qualquer irregularidade ou omissão nas informações prestadas, acarretará a pena de advertência e, em caso de reincidência, a cassação do credenciamento, sem prejuízo, quando for o caso, do encaminhamento das peças e elementos pertinentes ao Ministério Público para as providências cabíveis.

§ 6º Constatada a ocorrência de abuso de poder econômico, será a documentação encaminhada ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica para apuração e repressão da ocorrência, nos termos da Lei nº 4.137, de 10 de setembro de 1962.

§ 7º As pessoas referidas neste artigo deverão preservar, pelo período de cinco anos após a apresentação da prestação de contas, todos os documentos comprobatórios da realização das despesas referidas no § 3º e disponibilizá-las, sempre que solicitado, ao Tribunal de Contas da União.

Não dispõe sobre este tema.

Fiscalização da atividade

Art. 8º. A qualquer momento as pessoas físicas e jurídicas credenciadas para o exercício de atividades de “lobby” poderão ser convocadas pelos Presidentes das Casas do Poder Legislativo, pelo Ministro de Estado do Controle e Transparência e pelo Presidente do Tribunal de Contas da União, para prestar esclarecimento sobre a sua atuação ou meios empregados em suas atividades.

Não dispõe sobre este tema.

Análise: É neste ponto que aparecem as diferenças mais graves entre o PL proposto originalmente e o substitutivo capitaneado pela ex-deputada Cristiane Brasil. Aqui encontram-se os maiores danos que a regulação do lobby pode causar em termos de transparência e controle social e externo.

Na sua essência, temos aqui dois modelos distintos. No PL original, trabalha-se com credenciamento prévio junto aos Poderes Executivo e Legislativo, publicização da vinculação do lobista a determinado grupo de interesses, prestação de contas anual perante o TCU, capacitação obrigatória e fiscalização da atividade por parte da CGU, TCU, Câmara e Senado. No caso do substitutivo, o credenciamento é facultativo, não se exige publicização, não há prestação de contas e a fiscalização não é disciplinada – ficaria a cargo da regulamentação infralegal no Poder Executivo ou nos regimentos internos da Câmara e do Senado.

É preciso destacar, no entanto, que a proposta original não é perfeita. Não vejo razão na limitação de apenas dois representantes serem cadastrados, assim como as vedações à atividade de lobista estão melhor detalhadas no substitutivo: no caso de lobby exercido por servidores públicos, são exigidos atendimento à legislação sobre conflito de interesses e a necessidade de licença. No que se refere à famosa “porta giratória” entre o serviço público e o privado, eu sugeriria combinar as regras dos dois projetos: quatro anos para titular do Poder Executivo e 12 meses para demais ocupantes de cargos públicos.

Entre todos os pontos, eu considero o relatório de prestação de contas essencial para o controle social. Por meio dele será possível saber quem defende o interesse de quem no Congresso e junto ao Poder Executivo, e com que meios. Para mim, esse deveria ser o objetivo principal de uma legislação sobre lobby. Transparência é o melhor instrumento para sabermos como funcionam as engrenagens do poder, que são tão obscuras no Brasil.

3. O que se pode e o que não se pode fazer no lobby:

Assunto

PL nº 1.202/2007 – Original

Substitutivo Cristiane Brasil (CCJ)

Princípios e atividades de lobby

Não trata deste tema.

Art. 2º A representação de interesses nos processos de decisão política disciplinada nesta Lei é atividade legítima que visa contribuir para o equilíbrio do ambiente normativo e regulatório do País, sendo orientada pelos seguintes princípios:

I – legalidade;

II – ética;

III – transparência;

IV – interesse público;

V – direito de petição;

VI – isonomia.

 

Art. 5º Aos agentes de relações institucionais e governamentais é facultado, no exercício de suas atividades:

I – avaliar riscos econômicos, sociais, institucionais ou operacionais;

II – monitorar atividade legislativa ou normativa;

III – enviar argumentos, dados e informações para subsidiar a tomada de decisão política;

IV – alertar os órgãos competentes para eventuais vícios de constitucionalidade, juridicidade, técnica legislativa ou redação identificados em proposições em tramitação;

V – comunicar, defender ou articular interesses de seus representados na esfera privada, observados o interesse público e as regras de conduta e ética, boa fé e moralidade estabelecidas por suas entidades representativas.

Direito de ser ouvido em audiência pública

Art. 5º. As pessoas físicas e jurídicas credenciadas para o exercício de atividades de “lobby” poderão solicitar aos órgãos da Administração Pública Federal dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário a sua participação em audiência pública, quando estiverem em fase de elaboração ou discussão assuntos relacionados a sua área de atuação. Art. 6º Os agentes de relações institucionais e governamentais poderão ser ouvidos pelos tomadores de decisão a convite ou mediante solicitação, em audiência forma específica ou como expositores em reuniões de audiência pública.

§ 1º A solicitação de reunião dirigida a tomador de decisão por agentes de relações institucionais e governamentais poderá ser formalizada pelos agentes de relações institucionais e governamentais por escrito, devendo a solicitação informar a pessoa física ou jurídica, grupo de pressão ou interesse que representam, o assunto a ser tratado e o nome dos que estarão presentes.

§ 2º Uma vez atendida a solicitação a que se refere o § 1º, deverá ser disponibilizada pela autoridade pública para efeito de transparência e publicidade.

Direito de apresentar informações

Art. 3º. …

§ 4º Os representantes fornecerão aos dirigentes responsáveis subsídios de caráter técnico, documental, informativo e instrutivo.

Art. 8º. …

§ 1º É ainda assegurado aos agentes de relações institucionais e governamentais cadastrados o direito de apresentar aos tomadores de decisão:

I – análises de impacto de proposição legislativa ou regulatória com o intuito de mitigar riscos econômicos, sociais, institucionais ou operacionais;

II – estudos, notas técnicas, pareceres e similares, com vistas à instrução do processo decisório;

III – sugestões de emendas, substitutivos, requerimentos e demais documentos no âmbito do processo legislativo ou regulatório;

IV – sugestão de requerimento de realização ou de participação em audiências públicas.

Direito de acesso

Não trata deste tema.

Art. 8º São garantidas aos agentes de relações institucionais e governamentais cadastrados as prerrogativas necessárias para a realização das atividades a que se refere o art. 5º, caput, I a V, bem como o acesso às dependências dos órgãos e entidades do Poder Público e às autoridades públicas durante o horário do expediente, respeitadas as regras de funcionamento de cada órgão ou entidade e demais restrições estabelecidas em lei ou regulamento.

Lobby x Participação técnica ou cidadã

Art. 10. Não se aplica o disposto nesta Lei a indivíduos que atuem sem pagamento ou remuneração por qualquer pessoa física ou jurídica e em caráter esporádico e com o propósito de influenciar o processo legislativo em seu interesse pessoal, ou que se limitem a acompanhar sessões de discussão e deliberação no âmbito do Poder Legislativo, ou em órgãos colegiados do Poder Executivo ou Judiciário, ou a quem for convidado, em razão de sua atuação profissional, prestígio ou notoriedade para expressar opinião ou prestar esclarecimentos em audiência pública diante de Comissão ou do Plenário, mediante convite público de dirigente responsável. Art. 4º Não se considera representação de interesses para os fins desta Lei:

I – a manifestação em defesa de determinado argumento ou posição exercida por pessoas físicas em nome próprio ou por grupos de pressão, em caráter eventual e sem remuneração;

II – o acompanhamento, como exercício de cidadania, de sessões ou reuniões de órgãos ou entidades públicos, ainda que realizadas no âmbito de processo de decisão política;

III – o comparecimento a sessão ou reunião de órgão ou entidade pública, para expressar opinião técnica ou prestar esclarecimentos solicitados por autoridade pública, desde que o convidado não esteja participando de processo de decisão política na qualidade de representante de interesse;

IV – o envio de informações ou documentos a tomadores de decisão em resposta ou cumprimento de solicitação ou determinação dessas autoridades;

V – a solicitação de informações, nos termos da lei, com vistas a subsidiar ou instruir ação judicial ou requerimento administrativo, ou com vistas ao exercício de direito legalmente previsto.

Lobby x Corrupção

Art. 9º. Constitui ato de improbidade, sujeito às penas do art. 12, I da Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, a percepção, por servidor público ou agente político, de qualquer vantagem, doação, benefício, cortesia ou presente com valor econômico que possa afetar o equilíbrio e a isenção no seu julgamento, ou que caracterize suborno ou aliciamento, concedido por pessoa física ou jurídica que exerça atividade destinada a influenciar a tomada de decisão administrativa ou legislativa.

§ 1º. Até que Resolução do Tribunal de Contas da União fixe o valor econômico a ser considerado para os fins do disposto no caput, será considerado para tanto o valor correspondente a 500 Unidades Fiscais de Referência – UFIR.

§ 2º. A infração ao disposto neste artigo acarretará a aplicação da pena de demissão a bem do serviço público, prevista no art. 132, inciso IV, da Lei nº 8.112, de 1990.

 

Art. 2º. Para os fins do disposto nesta lei, considera-se:

IV – recompensa, toda e qualquer importância, em espécie ou sob a forma de bens, recebida ou que possa ser recebida por um agente público, seu cônjuge ou companheiro ou quaisquer de seus parentes, colaterais ou afins até o segundo grau de entidade representativa de grupo de interesse, ou de alguém atuando em defesa de interesse;

V – presente, todo e qualquer bem ou serviço, ou vantagem de valor estimável ou inestimável, que possa ser recebido por um agente público, seu cônjuge ou companheiro ou qualquer de seus parentes, colaterais ou afins até o segundo grau, de entidade representativa de grupo de interesse, ou de alguém atuando em defesa de interesse;

 

Art. 9º. Constitui ato de improbidade, sujeito às cominações referidas no art. 12, I, da Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, sem prejuízo das demais sanções penais, civis e administrativas cabíveis, o recebimento, por tomador de decisão ou pessoa em seu nome ou a ele vinculada, de qualquer vantagem, doação, benefício, cortesia ou presente de valor superior ao máximo admitido em regulamento, oferecido por agente de relações institucionais ou governamentais com o fim de influenciar a tomada de decisão administrativa ou legislativa.

§ 1º. O disposto no caput deste artigo aplica-se também ao agente de relações institucionais e governamentais que oferecer a vantagem, doação, benefício, cortesia ou presente, induzir à prática do ato de improbidade pelo tomador de decisão ou para ele concorrer de qualquer forma direta ou indireta.

Vedações

Art. 4º É vedado às pessoas físicas e jurídicas credenciadas para o exercício de atividades de “lobby” provocar ou influenciar a apresentação de proposição legislativa com o propósito de vir a ser contratado para influenciar sua aprovação ou rejeição no âmbito do Poder Legislativo.

 

Parágrafo único . A infração ao disposto no caput acarretará a cassação do credenciamento, sem prejuízo da apuração da responsabilidade criminal, na forma da Lei.

Art. 10. Será negado ou suspenso, conforme o caso, o cadastro do agente de relações institucionais e governamentais que:

I – for condenado por ato de corrupção, tráfico de influência, concussão, advocacia administrativa ou improbidade administrativa, enquanto durarem os efeitos da condenação;

II – provocar, direta ou indiretamente, o tomador de decisão com o objetivo de ser contratado, por terceiro interessado, para influenciar no seu resultado;

III – prejudicar ou perturbar reunião, sessão ou audiência de interesse público, na forma do regulamento ou regimento interno das Casas Legislativas.

Parágrafo único. A infração ao disposto nos incisos II e III acarretará a suspensão do cadastro do agente de relações institucionais e governamentais pelo prazo de até três anos.

Análise: Se o principal defeito do substitutivo da ex-deputada Cristiane Brasil estava nas questões relativas a transparência e controle externo e social, é na descrição da atividade de lobby que se localizam as suas principais virtudes. Em geral, a redação é clara e abrangente.

No entanto, existem dois dispositivos que são totalmente dispensáveis: o art. 2º, que apresenta princípios para o exercício da atividade, todos eles já previstos na Constituição, e o art. 5º, que enumera diversas dimensões do lobby que já estão contempladas em outros pontos do projeto, mais especificamente nos artigos 6º e 8º.

Com exceção desses dois pontos, o substitutivo é bom ao discriminar a mecânica das solicitações de reuniões e audiências públicas (art. 6º) e a apresentação de informações aos legisladores e tomadores de decisão (art. 8º). É neste aspecto que se situa a função nobre da atividade de lobby: levar subsídios para a tomada de decisões dos agentes públicos. O substitutivo também faz uma boa diferenciação entre o lobby e a participação de técnicos ou cidadãos interessados ou convidados a contribuir na elaboração da norma ou política pública.

No que se refere à diferenciação entre lobby e práticas como tráfico de influência e corrupção, eu também faria um mix entre o projeto original e o substitutivo: utilizaria a redação mais detalhada do texto do deputado Carlos Zaratinni, com a precisa observação do substitutivo de que as penalidades também se aplicam ao lobista que lhes deu causa. O substitutivo também é mais detalhista no que se refere à suspensão ou cassação do registro de quem foi condenado por corrupção e crimes afins, assim como quem se comporta de modo antiético.

4. Condições iguais de acesso:

Assunto

PL nº 1.202/2007 – Original

Substitutivo Cristiane Brasil (CCJ)

Em audiências públicas

Art. 5º. …

§ 1º Na hipótese de haver defensores e opositores relativamente à matéria objeto de exame, o órgão promotor da audiência pública procederá de forma que possibilite a audiência das diversas correntes de opinião, observado o número máximo de seis expositores, dando-se preferência a pessoas físicas e jurídicas credenciadas para o exercício de atividades de “lobby” e, em caso de haver mais de três entidades opositoras ou defensoras que solicitem a sua participação em audiência, a sua seleção deverá ser feita mediante sorteio entre todos os solicitantes.

§ 2º Na hipótese de serem convidadas para participar de audiência pública pessoas físicas ou jurídicas domiciliadas fora do Distrito Federal, os convites deverão ser expedidos, no mínimo, cinco dias úteis antes da sua realização.

Não trata deste tema.

Tramitação legislativa

Art. 6º. É defeso à autoridade responsável pela elaboração ou relatoria de proposta de ato legislativo ou ato normativo em curso de elaboração ou discussão em órgão do Poder Executivo ou Legislativo apresentar Relatório ou voto diante de grupo de trabalho, comissão ou em Plenário sem que, tendo consultado ou atendido pessoa física ou jurídica credenciada para o exercício de atividades de “lobby”, haja propiciado igual oportunidade à parte contrária ao interesse atendido ou prejudicado pela matéria em exame.

Parágrafo único. A consulta referida no caput ocorrerá, preferencialmente, em audiência conjunta, cabendo à autoridade responsável pela mesma definir quanto à sua conveniência e oportunidade.

Art. 8º. …

§ 2º As contribuições oferecidas pelos agentes de relações institucionais e governamentais nos termos do § 1º não vinculam os tomadores de decisão e sua utilização será sempre discricionária por parte dos órgãos, entidades e dos membros do Poder Legislativo e Executivo.

Análise: Aqui está mais uma diferença significativa entre as duas versões do PL nº 1.202/2007. O projeto original do deputado Carlos Zaratinni tem uma preocupação em oferecer condições mais equilibradas de acesso entre duas partes contrárias na tramitação legislativa, tanto nas audiências públicas (o que é factível), quanto na redação de votos e relatórios (o que é um pouco mais complicado). No substitutivo há apenas uma orientação (óbvia, por sinal). de que a apresentação de subsídios a agentes públicos não vincula as suas decisões. Apesar de considerar um pouco quixotesca essa questão, a busca por paridade de armas na tramitação legislativa e administrativa deve ser um objetivo constante num ambiente democrático – e por isso recomendo a adoção do texto original.

Conclusão:

Se houver um real comprometimento do governo (especialmente da CGU, que parece estar comandando esse processo no âmbito do Poder Executivo) e dos parlamentares, podemos finalmente aprovar uma boa legislação para regular o lobby no Brasil, compatível com as melhores experiências internacionais. Para isso, recomendaria fazer um mix entre a boa técnica de redação legislativa e a amplitude do substitutivo da ex-deputada Cristiane Brasil (especialmente no que diz respeito ao exercício da atividade de lobby) e os institutos visando o credenciamento prévio, a prestação de contas, a fiscalização e a igualdade de armas do projeto original do deputado Carlos Zaratinni. E, claro, não perder de vista que lobby é lobby, e não “relação governamental e institucional”.