O ano de 2014 começou com uma significativa alteração na forma como a Câmara Municipal de Belo Horizonte conduz os debates parlamentares. No dia 03 de janeiro foi promulgada a Resolução nº 2.072, que altera o Regimento Interno, o conjunto de regras determinam o passo a passo da tramitação e da discussão dos projetos de lei.
Fazendo uma analogia com os jogos infantis de tabuleiro, o Regimento é como o manual que apresenta as regras que dirão o que acontecerá com o projeto de lei (o peão de cada jogador) desde a sua propositura (o ponto de partida) até sua aprovação em lei (o ponto de chegada), na medida em que avança pelas diversas comissões (as “casas” do jogo). Durante esse trajeto, o projeto de lei poderá ter sua tramitação acelerada (“avance duas casas”) ou prejudicada (“passe a vez”, “volte uma casa” ou o temido “volte ao ponto de início”) que são determinados justamente pelas regras do Regimento Interno.
Dada a sua importância para a condução dos trabalhos na Câmara, a modificação do Regimento Interno tem grandes repercussões sobre o jogo político travado naquela Casa. E por isso o Movimento Nossa BH decidiu realizar uma análise mais criteriosa sobre as repercussões da recente Resolução nº 2.072/2014, principalmente pela carência de debate público sobre o seu teor.
As recentes mudanças do Regimento Interno foram implementadas em tempo recorde, tendo sido aprovadas pela Mesa Diretora da Câmara, pela Constituição de Legislação e Justiça e pelo Plenário em poucos dias, entre 20/12/2013 (uma sexta-feira) e a sessão extraordinária de 26/12/2013, em plena semana do Natal.
Como seria de se esperar de um projeto proposto e aprovado no apagar das luzes do ano – uma lamentável prática do Poder Legislativo brasileiro -, as alterações do Regimento Interno presentes na Resolução nº 2.072/2014, de maneira geral, prejudicam o equilíbrio de forças entre maiorias e minorias, restringem o espaço de debate público e prejudicam a boa tramitação dos projetos.
No que se refere ao equilíbrio de forças, a ampliação do número de membro das comissões (de 3 para 5) e o fim das vedações de que membros da Mesa Diretora possam fazer parte de comissões temáticas e de que um mesmo vereador possa ser membro titular de mais de uma comissão (previstas nos novos arts. 47, 50 e 51) abrem a possibilidade de que os partidos com maioria na Casa ou da coligação governista possam exercer um maior poder sobre a tramitação dos projetos. A lógica é simples: aumentando-se o número dos votantes, aumenta-se o peso de quem é maioria, tornando mais difícil para a minoria exercer seu salutar papel de contraponto, suscitando o contraditório nos debates.
Colaboram para a supressão do espaço para o debate parlamentar as mudanças nos arts. 79 e 81 do Regimento. Com as novas regras, os projetos de lei podem seguir sua tramitação caso o relator ou a própria comissão não deliberarem a respeito no prazo regimental (que, faça-se justiça, foi apropriadamente ampliado de 10 para 15 dias úteis). Essas mudanças trazem riscos muito grandes para o debate público, pois no caso de projetos polêmicos e de grande impacto sobre a coletividade, a situação (seja ela de qual coloração partidária for) poderá indicar um relator com a expressa determinação de não apresentar seu parecer, que assim não será votado pela comissão no prazo. Como as novas regras preveem que nesse caso o projeto será considerado “abstenção” da Comissão, sua tramitação seguirá adiante sem nenhum debate ou possibilidade de obstrução pela minoria.
Outra mudança preocupante foi a revogação do art. 63, que previa a possibilidade de o líder da bancada indicar substituto nas reuniões em que os membros efetivos e suplentes não estejam presentes. Sem essa trava, há significativo risco de que reuniões de comissão para debater assuntos importantes sejam marcadas “na calada da noite”, de forma a impedir a presença de vereadores de partidos contrários quando seus representantes não puderem participar da reunião.
Na mesma direção, as revogações dos incisos II e III do art. 53 garantem uma sobrevida a projetos que já tenham sido declarados inconstitucionais ou tenham seu mérito rejeitado pelas comissões. Nas regras anteriores, nessas situações os pareceres tinham caráter conclusivo, e eram submetidos diretamente ao Plenário. Com as mudanças atuais, sua tramitação pode continuar como se nada houvesse acontecido, contando com o transcorrer do tempo para arrefecer as resistências técnicas ou populares a projetos inconstitucionais ou de manifesta falta de interesse público.
Com relação à tramitação dos projetos, as novas regras regimentais induzem a proliferação de projetos de teor idêntico, prejudicando sua análise pelos técnicos da Câmara e seu acompanhamento pelos cidadãos e movimentos sociais. Vão nessa direção o novo art. 99, que dificulta a aglutinação da tramitação de projetos que tratem de assuntos semelhantes ou pertinentes, e o novo art. 95, que dispensa os relatores de explicitarem a relação de prejudicialidade entre os dispositivos aprovados e reprovados dos projetos, “jogando a bola” para a comissão ou o plenário. Essas medidas aumentam o risco de termos aprovadas leis contraditórias, o que certamente gerará dúvidas e, eventualmente, questionamentos judiciais – comprometendo a segurança jurídica em nosso município.
Como ponto positivo, há que se louvar a nova redação para o art. 104, que suprime o arquivamento automático de projetos ao final da legislatura – garantindo que bons projetos que não tiveram oportunidade de ser votados possam continuar em pauta, possibilitando que a população possa continuar lutando por eles. Com a nova regra, não haverá mais a necessidade de se começar todo o processo legislativo do início, com a propositura de um novo projeto de lei com o mesmo teor na nova legislatura.
Apesar de alguns limitados avanços, a conclusão é que o novo Regimento Interno da Câmara Municipal de Belo Horizonte restringe o espaço de debate público em suas comissões, prejudica a boa tramitação dos projetos e amplia ainda mais o poder das maiorias naquela Casa de representação popular.