A decisão do STF sobre o monopólio dos correios, que comecei a discutir algumas postagens abaixo, revela o quanto os conceitos jurídicos e econômicos podem ser distintos diante da realidade concreta.

Antes de começar a analisar os argumentos utilizados pelo STF, devo ressaltar que o Tribunal ainda não divulgou o inteiro teor de sua decisão. As conclusões abaixo baseiam-se tão somente nos resumos publicados ao longo do Informativos nº 392, 409, 510 e 554, publicados semanalmente pelo STF.

O placar da decisão foi de 5 votos pela improcedência da ADPF – ou seja, pela manutenção da exclusividade dos Correios na prestação do serviço postal – (Ministros Eros Grau, Joaquim Barbosa, Cezar Peluso, Ellen Gracie e Cármen Lúcia), 4 votos pela improcedência parcial (com fundamentos diversos, Ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Celso de Mello e Carlos Britto) e um voto pela procedência total – ou seja, pelo fim do monopólio estatal (Ministro Marco Aurélio, relator).

Vamos aos argumentos do voto vencedor.

Para o Ministro Eros Grau, o serviço postal constitui um serviço público e não uma atividade econômica em sentido estrito. Essa terminologia é utilizada em Direito Econômico e Administrativo para distinguir as atividades em que o Estado atua como empresário (“atividade econômica em sentido estrito”), daquelas em que o Estado presta um serviço buscando cumprir uma finalidade pública, sob o regime de privilégio (“serviço público”).

Na atividade econômica em sentido estrito, o Estado produz um bem ou serviço em regime de concorrência (potencial ou efetiva) com o setor privado. É o que acontece no setor bancário, por exemplo, em que Caixa Econômica e Banco do Brasil concorrem com os demais bancos privados.
Já na prestação de serviço público, o Estado provê uma necessidade pública por meio de sua atuação direta ou licitando concessões ou permissões para o setor privado. Os casos mais comuns são os de transporte público municipal e de gás canalizado, previstos inclusive constitucionalmente.

Qual a grande consequência dessa distinção que aparentemente é apenas teórica? O Ministro Eros Grau considera que os serviços postais são um serviço público; logo, a União tem o privilégio de explorá-lo com exclusividade. Isso significa que as empresas privadas só poderiam prestar esse serviço se a União fizesse uma licitação concedendo sua exploração para as vencedoras. Como não o fez, na prática a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos tem o monopólio dos serviços postais.

Embora a leitura dos informativos não permita identificar ainda com precisão qual o alcance dessa decisão do STF, já é possível adiantar que, a nosso ver, o Supremo distanciou-se da realidade econômica. A proliferação de empresas de serviços de entrega e distribuição observada no mercado nas últimas duas décadas revela que esse mercado é amplamente competitivo. Aliás, os Correios já atuam em concorrência com as empresas privadas e, dada sua capilaridade no território nacional e sua tecnologia, lidera o mercado.

Também não há nenhum argumento aparente que justifique que a exploração de todo o serviço tenha que ser exercida pela União em regime de monopólio. De um lado, o argumento da segurança nacional (que parece ter inspirado a Lei nº 6.538/1978) perdeu validade com o fim do regime militar e o direito constitucional à privacidade. De outro, o atendimento a pessoas carentes e que vivem nos rincões do país, que poderia ser desprezado pelas empresas privadas, poderia muito bem continuar sendo exercido pelos Correios, como já acontece hoje.

A competência da União na “manutenção do serviço postal” (CF, art. 21, X) poderia ser melhor alcançada com a concorrência entre os Correios e as empresas privadas sendo regulada por uma Agência de Serviços Postais, por exemplo. Como acontece no setor bancário, em que bancos públicos e privados disputam o mercado, sendo supervisionados pelo Banco Central.

Em síntese, não há motivos aparentes para entender porque o STF considerou que os serviços postais são um serviço público, e não uma atividade econômica em sentido estrito. Caso optasse pela segunda classificação, o Supremo teria dado um grande passo para referendar a concorrência nesse mercado tão relevante.

Pelo visto, prevaleceu a ideologia do Estado superpoderoso. Ideologia, aliás, que está evidente no seguinte trecho do voto do Ministro Eros Grau, que foi citado nos informativos nº 392 e 554: “haver-se-ia de exigir um Estado forte e apto a garantir a todos uma existência digna, sendo incompatível com a Constituição a proposta de substituição do Estado pela sociedade civil”.

Nada contra a visão de que o Estado deve ser forte para garantir a todos uma existência digna. Mas daí a concluir que isso deve ser conseguido por meio do monopólio estatal na entrega de correspondência vai uma grande distância.

Vamos esperar a publicação do inteiro teor das discussões do STF para verificar se há outros argumentos que justificam a manutenção do monopólio postal.

Se houve alguma novidade, prometo uma nova postagem. Até a próxima.