Medida Provisória nº 922/2020 amplia consideravelmente a possibilidade de contratação temporária no serviço público

Por Bruno Carazza

 

Como todos sabem, no serviço público brasileiro a regra é a contratação por concurso (CF, art. 37, II). Em casos especiais, previstos em lei, a Constituição admite exceções, desde que para “atender a necessidade temporária de excepcional interesse público” (CF, art. 37, IX).

A norma que trata da contratação temporária é a Lei nº 8.745/1993, que originalmente listava poucas situações em que o concurso poderia ser dispensado: calamidades públicas, epidemias, censos demográficos do IBGE, contratação de professores substitutos/visitantes nas universidades públicas e obras e serviços de engenharia realizadas excepcionalmente pelas Forças Armadas.

Ao longo do tempo, os sucessivos governos (de Itamar a Temer) ampliaram o rol de possibilidades de contratação temporária: demarcação territorial, registro de patentes, fiscalização agropecuária, vigilância da Amazônia, serviços de tecnologia da informação, construção e reforma de presídios, crises ambientais, programa Mais Médicos, etc.

A Medida Provisória editada hoje por Bolsonaro estende ainda mais a liberdade do Executivo para realizar contratações temporárias, incluindo:

i) projetos industriais ou de engenharia;

ii) atividades que não sejam técnicas em projetos de cooperação internacional; 

iii) atendimento de demandas pelo aumento do volume de trabalho em qualquer órgão público;

iv) necessidade de redução de processos e de trabalho acumulado em anos anteriores;

v) desempenho de atividades que se tornarão obsoletas no curto e no médio prazo;

vi) atividades preventivas em caso de riscos ambientais, humanitários e de saúde pública;

vii) atendimento humanitário a imigrantes; e

viii) pesquisa e desenvolvimento de produtos e serviços em geral.

Além de criar novas hipóteses de contratação, a MP também flexibiliza seu procedimento em diversos pontos, a saber:

a) Elimina a exigência de ampla divulgação dos editais dos processos seletivos (hoje é necessária inclusive a publicação no Diário Oficial);

b) Dispensa o processo seletivo nos casos de emergência humanitária e situações de iminente risco à sociedade;

c) Amplia as possibilidades de contratação com base apenas nos critérios de “notória capacidade técnica”, mediante apenas a análise do currículo do interessado;

d) Estende os prazos de duração dos contratos temporários em muitos casos (variando de 6 meses a 4 anos), bem como a possibilidade de prorrogação do vínculo – que dependendo da atividade poderá chegar até a 8 anos.

Outra grande novidade da Medida Provisória é a possibilidade de recontratação de servidores aposentados para desempenhar atividades específicas (relacionadas às suas antigas atribuições) ou até mesmo gerais. Nesse caso, o aposentado recontratado, além da aposentadoria, receberá um adicional por produtividade (podendo exercer seu trabalho até mesmo à distância) ou por jornada de trabalho, num limite de até 35% do salário da ativa, além de diárias (se necessárias viagens a trabalho) e vales transporte e alimentação.

O ministro Paulo Guedes e o presidente Bolsonaro no Palácio do Planalto, em 06/05/2019. Foto: Isac Nóbrega/PR.

 

MINHA ANÁLISE PRELIMINAR DA MP 922/2020:

1. Pela amplitude das hipóteses de contratação temporária, não resta dúvida de que a MP é o primeiro passo da reforma administrativa de Paulo Guedes;

2. O cenário de realização de novos concursos torna-se bastante sombrio para os próximos anos, pois de um lado o governo poderá contratar temporários para uma ampla gama de serviços e, de outro, existe um exército de servidores aposentados que, aposentados, estarão disponíveis para continuar executando o trabalho que exerciam antes de pendurar as chuteiras;

3. A possibilidade de recontratação de aposentados é claramente um agrado à categoria dos servidores públicos, pois suaviza as perdas decorrentes da reforma da previdência e, assim, reduz resistência às outras etapas da reforma administrativa.

4. A MP é excessivamente vaga nas suas hipóteses, o que poderá levar a muitos questionamentos judiciais com acusações de burla ao mandamento constitucional de realização de concurso público.

5. Apesar da boa intenção de introduzir métricas de produtividade e de pagamento por tarefas, o governo ainda não explicou como pretende fazer isso na prática.

6. E o que é mais grave para mim: A frouxidão dos critérios de dispensa do processo seletivo e a possibilidade de contratação por “notória capacidade técnica” aumentam o risco de favorecimento pessoal e indicações políticas, abrindo o caminho para novos casos de corrupção.

Segue a íntegra da MP: planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato

Para concluir, esta é a redação da Lei nº 8.745 já com as novas alterações: planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS


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