No último capítulo do aclamadíssimo livro Por que as Nações Fracassam?, os autores Daron Acemoglu (MIT) e James Robinson (Harvard) citam a ascensão do Partido dos Trabalhadores ao poder no Brasil como um exemplo de evolução democrática, prenunciando o rompimento de um ciclo secular de concentração de poder e riqueza no país. Um partido com forte base em movimentos sociais e com razoável experiência em administrações municipais e estaduais estaria pronto para implantar as reformas necessárias para romper nossa tradição de extrativismo pelas elites política e econômica.

O livro de Acemoglu & Robinson foi publicado em 2012, quando o Brasil ainda dotava de grande prestígio no exterior. Desde então, uma espiral de crise política e econômica, combinada com um grande escândalo de corrupção, jogou por terra essa imagem positiva do país.

Este post tem a pretensão de apresentar uma explicação parcial para o fato de que Acemoglu & Robinson foram precipitados em atribuir ao PT essa capacidade de romper o círculo vicioso de concentração de poder e concentração de renda que impera no Brasil há séculos.

Meu argumento é que o PT não foi capaz de cumprir essa missão porque, para chegar e se manter no poder, tornou-se um partido como outro qualquer – disposto a tudo para receber mais dinheiro e, assim, financiar campanhas milionárias para vencer as eleições. Esse comportamento está na origem de seu fracasso como um partido reformador, tal qual Acemoglu & Robinson, bem como milhões de partidários e simpatizantes, esperavam dele. Reconheço que não se trata de um argumento original, mas demonstrar isto com números de arrecadação de campanha talvez seja.

Comparando o volume das doações de campanha nas últimas eleições, podemos verificar como o PT se tornou, a cada eleição, uma máquina de arrecadação de recursos junto ao setor privado para dar inveja ao PMDB e ao PSDB – partidos sempre apontados pelos petistas como “aliados do grande capital”.

Evolução dos 3

O gráfico acima demonstra como o PT arrecadou bem menos que o PMDB e o PSDB em 1998. A partir de 2002, quando se tornou uma alternativa viável de poder, passou a atrair recursos num patamar e num ritmo semelhante a seus principais concorrentes na arena política.

Mas a semelhança do comportamento do PT com o PMDB e o PSDB não reside apenas na capacidade de atrair mais dinheiro para suas campanhas. O perfil do financiamento privado do partido também foi alterado significativamente. Como em geral acontece com os partidos localizados mais à esquerda no espectro político, o PT tem uma grande base de filiados, militantes e simpatizantes que contribuem diretamente para manter o partido e financiar sua participação nas eleições. Sendo assim, seria de se esperar que as doações provenientes de pessoas físicas tivessem uma grande participação sobre o total arrecadado pelo partido. O gráfico a seguir, porém, mostra que, ao longo do tempo, as contribuições feitas por indivíduos vêm assumindo importância cada vez menor nas doações feitas ao PT.

PF sobre Total

O gráfico acima mostra que, depois de atingir um pico nas eleições de 1998, quando quase 70% da arrecadação do PT veio de doações de pessoas físicas, o perfil de arrecadação do PT vem mudando à medida que crescem as contribuições recebidas de empresas. Tomando as eleições de 2014, percebemos que o percentual de recursos provenientes de indivíduos no PT foi, inclusive, menor do que o observado no PMDB e no PSDB! Em outras palavras, o PT deixou de depender da ajuda de seus militantes e simpatizantes para pagar suas contas de campanha, uma vez que passou a receber grandes volumes de recursos provenientes de empresas – assim como geralmente acontece com os maiores partidos de centro ou de direita perante os quais o PT pretende se diferenciar.

Outra mudança radical no perfil de financiamento de campanhas do PT está justamente nas doações provenientes de pessoas jurídicas. Nos gráficos abaixo demonstramos o percentual de doadores localizados em cada faixa de valor de doações. Tomando as eleições de 1994, percebe-se que havia uma grande concentração no grupo de empresas que fizeram pequenas doações (no máximo R$ 10.000 por doador), o que destoava do perfil de PMDB e PSDB, com predominância de contribuições de valores muito maiores. Em 2014, porém, nota-se uma distribuição muito semelhante entre a arrecadação do PT e do PMDB e do PSDB, com a prevalência do grupo de pessoas jurídicas que doaram mais de R$ 100 mil para o partido.

Distribuição Percentual do Número de Pessoas Jurídicas que Contribuíram para as Campanhas do PMDB, PSDB e PT por Faixa de Valor de Doação

(Doações Totais, Exceto para Candidatos a Deputados Estaduais)

PJ 1994

PJ 2002

PJ 2014

Notem como, nos gráficos acima, o conjunto de colunas do PT foi tornando-se mais “achatado”, moldando-se às mesmas características do PMDB e do PSDB enquanto se passou das eleições de 1994 para 2002 (quando Lula vence as eleições presidenciais pela primeira vez) até chegar à campanha de 2014.

No próximo conjunto de gráficos, investigamos de onde vem o dinheiro utilizado pelos partidos de acordo com o valor das doações. Ampliando o foco para abarcar as doações de pessoas físicas e jurídicas, verificamos que o PT vem migrando de uma dependência equilibrada entre doações baixas (abaixo de R$ 10 mil por doador), médias (entre R$ 10 mil e R$ 500 mil por doador) e altas (acima de R$ 500 mil por doador) para um modelo concentrado majoritariamente nas altas doações (acima de R$ 500 mil por doador), tal qual o PMDB e o PSDB. Os gráficos abaixo mostram como isto se deu ao longo da história do PT rumo à Presidência da República:

Percentual de Arrecadação dos Partidos Segundo Faixa de Doações – PMDB, PSDB e PT

(Doações Totais, Exceto para Candidatos a Deputados Estaduais)

De onde vem 1994

De onde vem 2002

De onde vem 2014

Os números apresentados neste artigo demonstram como o PT, num período de 20 anos em que alcançou a Presidência da República por 4 vezes seguidas, tornou-se um partido com perfil de arrecadação semelhante ao de seu rival PSDB e de seu aliado (!?) PMDB. Na sua trajetória rumo à hegemonia na política nacional, o PT passou a depender cada vez menos de seus filiados e simpatizantes e cada vez mais de doações milionárias de grandes empresas para financiar suas campanhas – tal como fazem seus principais concorrentes.

Acredito que o modo de financiar suas campanhas está na raiz de uma política econômica que se mostrou bastante equivocada – vide os volumosos benefícios fiscais e empréstimos do BNDES concedidos nos últimos anos – e dos escândalos de corrupção que ganharam as manchetes dos jornais recentemente. Todos eles tinham como principais beneficiários justamente grandes doadores de campanha.

Acredito também que só iremos romper esse ciclo vicioso de extrativismo político e econômico que propõem Acemoglu & Robinson quando nossas instituições forem capazes de coibir partidos de governarem mirando seus financiadores de campanha, e não seus eleitores.



 

Nota 1: Os gráficos acima foram elaborados por mim a partir dos dados oficiais do Tribunal Superior Eleitoral. O TSE permite a consulta na sua página na internet de informações desagregadas sobre doações de campanha de todas as eleições a partir de 2002. Para as disputas de 1994 e 1998, utilizo aqui os dados compilados pela equipe do cientista político David Samuels (University of Minnesota), que me forneceu os dados em resposta a um simples email, sem a intermediação de conhecidos em comum, autoridades governamentais ou celebridades acadêmicas, sem pedir nada em troca, apenas com um desejo de “boa sorte em sua pesquisa”. A ele meu muito obrigado, pelos dados e pelo exemplo notável – principalmente para quem conhece o meio acadêmico brasileiro.

Nota 2: Todos os dados foram corrigidos pela inflação medida pelo IPCA.

Nota 3: Como essas análises são reflexões ainda preliminares sobre achados da pesquisa de tese (veja as explicações aqui), seus comentários, críticas e sugestões são muito bem vindos, pois certamente vão contribuir para melhorar a qualidade da pesquisa.

 


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