CNN Live: Entenda como estão as negociações com servidores que ameaçam fazer greve

Especialista do assunto da Fundação Dom Cabral, Bruno Carazza, explica que esses funcionários públicos estão mirando como salário o teto do funcionalismo público. Por exemplo, o reajuste que a PF quer para seus servidores prevê que um delegado ganhe cerca de R$ 40 mil, mesmo salário que ganha um ministro do STF.

13/01/2022

Para economistas ouvidos pela analista de economia da CNN Priscila Yazbek, o principal problema é que não há espaço no teto de gastos, uma discussão que foi levada durante todo o ano passado, em meio à tramitação da PEC dos precatórios no Congresso, que abre espaço ao Auxílio Brasil no orçamento.

Os servidores federais já ganham bem mais que os empregados da iniciativa privada, como já mostraram diversos estudos, e existe desigualdade salarial dentro do próprio funcionalismo publico federal.

Especialista do assunto da Fundação Dom Cabral, Bruno Carazza, explica que esses funcionários públicos estão mirando como salário o teto do funcionalismo público. Por exemplo, o reajuste que a PF quer para seus servidores prevê que um delegado ganhe cerca de R$ 40 mil, mesmo salário que ganha um ministro do STF.

Mas, ainda assim, o especialista ouvido pela analista da CNN diz que ainda tem dúvidas se o reajuste será aprovado, porque quase todas as decisões de Bolsonaro recentes têm sido tomadas no sentido de fragilização da responsabilidade fiscal.

Outro fator é que são categorias que conseguem fazer pressão muito grande, travar a máquina pública, o que torna ainda mais incerto o futuro dessa questão.

Acesse: https://www.cnnbrasil.com.br/business/servidores-prometem-greve-para-terca-18-entenda-em-que-pe-estao-as-negociacoes/


A elite e seu próprio umbigo

Pressão por reajuste de servidores evidencia distorções

Por Bruno Carazza. Publicado originalmente no jornal Valor Econômico em 27/12/2021.

 

Jair Bolsonaro abriu a caixa de Pandora. Ao decidir conceder um reajuste salarial para policiais federais, despertou a inveja, a cobiça e o ciúme das demais carreiras do topo do serviço público brasileiro. Imediatamente, auditores da Receita entregaram seus cargos comissionados, assim como associações de servidores anunciam para janeiro uma paralização dos trabalhos.

Existem inúmeras razões para se pagar bem os empregados do Estado. Altos salários atraem bons profissionais, o que em tese melhora a qualidade dos serviços prestados. Um corpo técnico bem remunerado, também na teoria, é menos propenso a ser capturado pelos interesses do setor privado ou por políticos poderosos, protegendo as políticas públicas dos vícios do patrimonialismo, do lobby ou da corrupção pura e simples.

No Brasil, porém, bons princípios são sempre distorcidos pelo corporativismo e utilizados para justificar o injustificável.

O economista Roberto Macedo foi um dos primeiros a mergulhar nos dados e a comparar, com rigor estatístico, as diferenças salariais entre o setor público e privado no Brasil. Coletando informações de centenas de milhares de trabalhadores de companhias estatais e particulares em 1981, e controlando os testes econométricos segundo setor da economia, gênero, idade, escolaridade, ocupação e anos de experiência dos trabalhadores, o professor da USP constatou que os empregados nas estatais ganhavam quase o quádruplo do que os do setor privado, e que uma parcela expressiva dessa diferença (entre 26% e 83%, a depender da ponderação) não era explicada pelos perfis distintos da mão-de-obra entre os dois segmentos. Havia, portanto, um robusto prêmio salarial pago aos empregados públicos simplesmente porque eles eram... empregados públicos.

Desde o trabalho pioneiro de Macedo, dezenas de pesquisas vêm reforçando a mesma constatação: servidores do Estado ganham mais do que trabalhadores do setor privado, mesmo descontando as características pessoais (sobretudo de escolaridade e experiência de trabalho) entre eles. Esses resultados não levam em conta, ainda, o mais generoso dos benefícios indiretos: a estabilidade no emprego. Isso, como o velho comercial dizia, “não tem preço”.

Mas há servidores e servidores. Aqueles que estão na ponta do atendimento ao cidadão, como professores da educação básica ou técnicos de enfermagem nos centros de saúde, recebem, em média, menos do que seus pares do setor privado. Mas quando se avança para os cargos burocráticos de mais alto nível, a desigualdade muda de direção.

Jair Bolsonaro durante visita a grupo de Policiais Rodoviários Federais. Foto: Carolina Antunes/PR

Advogados da União, fiscais da Receita, gestores governamentais, auditores do Tesouro e da CGU, diplomatas, analistas do Banco Central, pesquisadores do Ipea e policiais federais constituem a elite do Poder Executivo Federal.

Esses servidores, logo após aprovados em concurso, já começam a receber entre R$ 19.197,06 (no caso das carreiras do ciclo de gestão) e R$ 21.020,09 (fiscais e advogados públicos). Os delegados da Polícia Federal, que pressionam Bolsonaro por aumento, têm remuneração inicial de R$ 23.692,24.

Esses vencimentos, para o começo de profissão, são muito superiores a seus equivalentes no setor privado. Apenas em termos de comparação, um advogado júnior num dos maiores escritórios de São Paulo ganha em torno de R$ 6.000 mensais, assim como um gerente de auditoria numa das “big four” (Deloitte, E&Y, KPMG e PwC) recebe em torno de R$ 8.000 por mês, segundo o site Glassdoor.

Além de começarem ganhando muito bem, as trajetórias profissionais na nata do Poder Executivo federal são curtas. Em tese, um gestor ou auditor de finanças e controle chega ao topo em 13 anos – e para chegar até lá não há um processo rigoroso de avaliação de desempenho. Assim, em pouco tempo estão recebendo entre R$ 27.300 (técnicos do Bacen, do Tesouro e da CGU) e R$ 30.900 por mês (os delegados da PF).

Mas desde que se estabeleceu que o teto do funcionalismo é a remuneração dos ministros do STF (R$ 39.300,00), essa passou a ser a meta da elite do funcionalismo.

As carreiras com maior poder de pressão tentam chegar lá por meio de novos penduricalhos. Os auditores da Receita que acabaram de entregar os cargos e realizam “operação padrão” pleiteiam que seja ampliado o seu “bônus de eficiência e produtividade” – o nome é uma ironia, pois se trata de um extra de R$ 3 mil mensais que hoje é distribuído igualmente a todos (inclusive aposentados!). A vida dos advogados da União é ainda melhor: depois que conseguiram contrabandear um dispositivo no Código de Processo Civil, eles vêm recebendo um adicional (os famosos “honorários de sucumbência”) que passou de R$ 10 mil mensais em 2021 (também estendido aos inativos).

Como os salários no Brasil são irredutíveis, só há duas formas de trazer esses rendimentos para próximo da realidade.

Para os servidores atuais, não há muito o que ser feito: apenas resistir aos pleitos de reajuste, e deixar que a inflação corroa seu valor real até que eles se equiparem aos níveis de cargos com igual nível de qualificação e responsabilidade observados no setor privado. É o que vinha sendo feito desde a adoção do teto de gastos, até Bolsonaro passar a desrespeitá-lo sistematicamente.

Para o futuro, há uma agenda de reformulação importante a ser implantada: racionalização dos cargos, com a unificação de atribuições e competências, redução dos vencimentos de entrada para níveis compatíveis com postos semelhantes no setor privado, alongamento das carreiras, adoção de avaliação de desempenho periódica, reestruturação remuneratória (com uma parte fixa, porém baixa, e outra variável de acordo com as metas cumpridas) e a regulamentação da demissão por insuficiência de resultados.

No mito narrado por Hesíodo, após ver que todo tipo de mal estava saindo do jarro que lhe foi confiado por Zeus, Pandora se apressou em tentar fechá-lo para minimizar os danos. Mas já era tarde demais; só havia restado a Esperança. Se o efeito cascata do aumento para a elite do funcionalismo se comprovar, nem ela resistirá.


Não existem mocinhos e bandidos

Votação sobre o Carf ilustra o jogo de interesses no Congresso

Por Bruno Carazza. Publicado originalmente no jornal Valor Econômico em 20/04/2020.

 

Reducionismos são muito perigosos, principalmente em tempos de crise. Por trás de expressões bonitas como “interesse público”, “bem comum”, “proteção social”, “eficiência e produtividade” podem estar escondidas perigosas armadilhas. Em meio à comoção coletiva e com o noticiário dominado pelo mono assunto da covid-19, é preciso atenção redobrada. Os oportunistas estão à espreita.

Outro risco é acreditar em estereótipos e rotulagens. Frequentemente caímos no conto do mocinho versus bandido, do bem contra o mal. Relações sociais em geral são desiguais, e a maioria dos países busca aprovar legislações para evitar abusos contra o lado mais frágil, como empregados, tomadores de empréstimos e locatários. Quando erramos a mão na tentativa de regular a vida em sociedade, ocorrem distorções com consequências severas – imóveis vazios num país de enorme déficit habitacional, crédito caro e escasso, 40 milhões de trabalhadores informais. Mas isso é assunto para outras colunas.

O pior dos mundos acontece quando grupos de interesses muito bem articulados se valem de simplificações maliciosas e de um falso discurso de boas intenções para impor grandes prejuízos para a sociedade. A história aconteceu nas últimas semanas, e quando percebemos o leite já havia sido derramado.

Em outubro de 2019, muito antes de um simples vírus colocar de joelhos toda a humanidade, o governo Bolsonaro editou a Medida Provisória nº 899, que tinha por objetivo estabelecer as condições para que a União e seus devedores pudessem sentar na mesma mesa e encontrar uma solução consensual para seus litígios. A iniciativa, proposta pelos ministros Paulo Guedes (sob cujas asas está a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional) e André Luiz de Almeida Mendonça (titular da Advocacia-Geral da União), visava aumentar a probabilidade de recuperar os créditos da dívida ativa da União.

De acordo com os números apresentados na Exposição de Motivos encaminhada ao Congresso, o governo tem uma carteira de quase R$ 3 trilhões de reais de dívida questionada na Justiça, além de outros R$ 600 milhões em disputa administrativa, no âmbito do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, o Carf (guarde esse nome). Como boa parte desse crédito é de difícil recuperação – pois até que o processo judicial seja encerrado, as empresas já faliram, ou os devedores deram o seu jeito de desviarem o patrimônio -, a proposta era estimular uma solução negociada entre as partes, em que o devedor pague a dívida imediatamente, mesmo que com um desconto. Ao propor a MP, o governo seguia a velha máxima de que “um mau acordo é melhor do que uma boa demanda”. Cabia, porém, regular essa transação, revestindo-a de legalidade e dos devidos controles para evitar casos de corrupção e outros crimes contra a Administração.

Quando se trata de assuntos envolvendo tributação, os interessados ficam de olho. Durante a tramitação, os parlamentares fizeram 220 sugestões para “aprimorar” o texto. Duas delas merecem atenção. A emenda nº 9, de autoria do deputado Heitor Freire (PSL/CE), pretendia acabar com o voto de desempate do representante do Fisco nos processos do Carf que estabelecem o crédito tributário e o seu valor. Já a emenda nº 162, apresentada por seu colega Gilberto Nascimento (PSC/SP), buscava regular o pagamento do Bônus de Eficiência e Produtividade aos auditores e analistas fiscais da Receita Federal.

Nenhuma dessas duas sugestões foi acatada pelo relator da MP, o deputado Marco Bertaiolli (PSD/SP). Mas quando a matéria foi à votação, no dia 18/03, todos os olhos já estavam voltados para o coronavírus. Foi aí que o deputado Hildo Rocha (MDB/MA) propôs ressucitá-las, e o plenário da Câmara aprovou a sugestão sem qualquer resistência.

O líder do governo na Câmara, major Vitor Hugo (PSL/GO). Foto: Luis Macedo/Câmara dos Deputados

Com o Senado já realizando votações virtuais, a questão foi resolvida em uma única seção, no dia 24/03. Após ser alertado pelos senadores Fabiano Contarato (Rede/ES), Carlos Viana (PSD/MG), Chico Rodrigues (DEM/RR) e Alessandro Vieira (Cidadania/SE) que os dois dispositivos incluídos pela Câmara traziam matérias estranhas à MP original, e por determinação constitucional não poderiam ser aprovados, o presidente em exercício da Casa, Antonio Anastasia (PSD/MG), colocou as questões em discussão. O bônus da Receita caiu, mas a mudança no critério de decisão do Carf não.

Bolsonaro teve a oportunidade de vetar o dispositivo do Carf. Dizem até que Sergio Moro se mostrou preocupado com os danos sobre a corrupção e as investigações ainda em curso da Operação Lava Jato, mas a Lei nº 13.988 foi sancionada integralmente pelo presidente no último dia 14.

Essa história maçante sobre tramitação legislativa ilustra bem como se arruína um país com movimentos sutis. Sob argumentos nobres como a proteção do contribuinte, o princípio do “in dubio pro reu” (na dúvida, a favor do réu) e a necessidade de conter a voracidade do Fisco brasileiro, aumentou-se ainda mais o risco de corrupção. Se antes da mudança a Operação Zelotes já apresentava fortes evidências de beneficiamento indevido de grandes empresas nos julgamentos do Carf, não é difícil imaginar o que acontecerá com o voto de desempate agora contando a favor dos devedores.

Não há dúvidas de que o modelo tributário brasileiro precisa ser completamente revisto. A legislação é caótica, há muita margem para a interpretação do Fisco e o modelo ibérico de decisões administrativas passíveis de questionamento na primeira instância da Justiça traz insegurança e ineficiência. Mudanças sorrateiras feitas na legislação, porém, não têm o propósito de reformá-lo, e sim dar ainda mais poder para quem dispõe de grandes escritórios de advocacia e redes de lobistas para pagar menos impostos.

A história talvez também teria sido diferente se os órgãos de representação dos fiscais da Receita Federal tivessem utilizado sua pressão no Congresso Nacional para defender o interesse da sociedade e não para defender um penduricalho de até 80% nos seus já elevados salários.

De boas intenções, o Congresso está cheio. Mas, no inferno, quem reside é a maioria da população brasileira.