Histórico de futuro ministro dá pistas sobre sua gestão

Por Bruno Carazza. Publicado originalmente no jornal Valor Econômico em 05/12/2022.

 

Exatamente vinte anos atrás, Fernando Haddad vivia a expectativa de ser convidado para integrar a equipe de Lula. O convite, contudo, demorou a chegar.

Foi só em 26/06/2003, transcorrida quase a metade do primeiro ano do governo, que o Diário Oficial da União trouxe a nomeação de Fernando Haddad para o cargo de assessor especial de Guido Mantega, então ministro do Planejamento. Desde então, ninguém teve uma ascensão tão rápida na hierarquia do PT e, principalmente, na confiança de Lula.

Ministro da Educação (2005-2012) e prefeito de São Paulo (2013-2016), nem mesmo três derrotas eleitorais significativas – na busca pela reeleição no governo paulistano em 2016, substituindo Lula na disputa presidencial em 2018 e recentemente, quando candidatou-se a governador de São Paulo – abalaram seu prestígio junto a Lula. Cotado para o ministério da Fazenda, tudo indica que o presidente confiará a Haddad a condução da economia brasileira a partir de primeiro de janeiro.

Como é natural em todo processo de transição, há muita especulação a respeito da capacidade técnica e política de Fernando Haddad para ocupar o poderoso gabinete localizado no 5º andar do prédio P da Esplanada dos Ministérios. Suas ações e opiniões emitidas nesses últimos anos, entretanto, deveriam servir de guia para conter a ansiedade.

Para aqueles que criticam sua visão estatista, Haddad sempre argumenta que esteve à frente da lei que regulamentou as Parcerias Público-Privadas (PPPs) e do Programa Universidade para Todos (Prouni), duas iniciativas que privilegiam o setor privado na execução de políticas públicas. Os críticos, contudo, rebatem argumentando que as PPPs nunca foram uma prioridade nos governos petistas, enquanto os resultados positivos do Prouni vieram à custa de uma renúncia fiscal bilionária para grandes grupos educacionais.

Ainda na Educação, Haddad reformulou o Fundeb, concedendo mais recursos da União para Estados e municípios aplicarem na educação. Caso seja nomeado ministro da Fazenda, deverá sentar-se no outro lado da mesa de negociações, defendendo o Tesouro Nacional das pressões dos entes subnacionais por mais transferências federais.

Por falar nisso, tendo comandado um dos maiores orçamentos do país entre 2013 e 2016, o compromisso de Fernando Haddad com a responsabilidade fiscal pode ser avaliado a partir dos balanços da prefeitura de São Paulo.

Haddad administrou as contas públicas com parcimônia, reduzindo o peso da dívida pública de 196,9% da receita corrente líquida em 2012 para 182,3% em 2015. No último ano de sua gestão, beneficiou-se da renegociação dos débitos do município com a União e, assim, conseguiu reduzir o passivo de R$ 73,1 bilhões para R$ 27,7 bilhões.

Durante os quatro anos de seu governo, a folha de pagamentos do pessoal ativo manteve-se em níveis bastante confortáveis em relação aos limites da Lei de Responsabilidade Fiscal – no máximo, fechou em 37,1% da receita em 2016, bem abaixo da meta prudencial de 54%.

O ponto negativo, porém, esteve nas despesas com aposentadorias e pensões. Durante seu mandato, houve um crescimento real de 38,3% com os inativos. Embora a situação exigisse uma reforma da previdência ambiciosa, Haddad evitou comprar briga com o funcionalismo e enviou à Câmara uma proposta que alterava as regras apenas para os futuros servidores, que se aposentariam somente dali a três décadas.

Fernando Haddad e Lula em evento na campanha para o governo de São Paulo. Foto: Ricardo Stuckert/PT.

Sem ocupar cargos públicos desde que foi derrotado na tentativa de reeleição em 2016, Haddad voltou a exercer seu ofício de professor universitário. Entre 04/05/2019 e 08/01/2021, manteve uma coluna semanal no jornal Folha de S.Paulo. Trata-se de uma boa fonte de informações sobre o pensamento econômico do eventual futuro ministro da Economia.

No campo fiscal, Haddad destaca a importância de não se negligenciar a trajetória da dívida pública. Porém, chama a atenção para os papéis da receita e da despesa pública em três dimensões: seu efeito multiplicador sobre o crescimento, o impacto sobre a distribuição de renda e o potencial de transformar a estrutura produtiva do país (coluna de 19/06/2020).

Pelo lado tributário, porém, Haddad se coloca a favor da revisão da tributação indireta sobre o consumo, com a adoção de um Imposto sobre Valor Adicional dual (federal e estadual), assim como a reforma da tributação sobre a renda e a riqueza (31/07/2020). O ex-prefeito também já defendeu a adoção de um ITR progressivo para propriedades rurais desmatadas ou improdutivas (08/06/2019).

Apesar de crítico das desonerações fiscais adotadas por Dilma Rousseff para estimular a economia (coluna de 12/10/2019), Haddad louva a diretriz adotada por Lula de apoiar as empresas de capital nacional, com o BNDES à frente (25/01/2020).

Tema recorrente nas entrevistas da campanha eleitoral de 2018, a reforma bancária é citada por Haddad como uma das ferramentas para estimular a concorrência, abaixar o spread e, assim, estimular o crédito e o crescimento econômico (01/06/2019). Como a regulação bancária é matéria de competência do Banco Central, agora independente, resta saber como o futuro ministro pretende tirar essas ideias do papel. A autonomia do Bacen, aliás, já foi por ele rotulada como uma medida para agradar o lobby da Febraban (30/10/2020).

Apesar de ser rotulado como “o mais tucano dos petistas”, não foram poucas as vezes que Fernando Haddad se revelou um membro fiel do PT. É famosa a história em que cedeu à ordem de Dilma Rousseff para não reajustar as tarifas do transporte público em São Paulo para não pressionar a inflação em 2013.

As candidaturas à Presidência em 2018 e ao governo estadual paulista neste ano também são apontadas como um atestado de sua disposição colocar-se a serviço das decisões superiores do PT (e de Lula) sempre que convocado.

Caso Lula escolha mesmo Fernando Haddad para o Ministério da Fazenda, estará privilegiando um aliado leal, criativo na busca de novas medidas de políticas públicas e com um histórico gestão fiscal prudente, mas pouco ambicioso na aprovação de reformas.

Como diria o slogan do primeiro turno das eleições de 2018, “Haddad é Lula e Lula é Haddad”.