Como ficam as reformas no Brasil?
Depois do Fórum Econômico Mundial de Davos, o presidente Jair Bolsonaro precisa organizar as reformas econômicas no país, em especial a da Previdência. O programa debate aprovação dela junto ao novo Congresso e seus possíveis entraves. Os convidados desta semana são Bruno Carazza, economista e analista político, Xico Graziano, professor do MBA da Fundação Getúlio Vargas, e Sérgio Valle, economista-chefe da MB Associados.
Presidentes Brasileiros em Davos
Algumas comparações entre os discursos dos últimos presidentes brasileiros no Fórum Econômico Mundial, em Davos.
Publicado originalmente no @BrunoCarazza em 23/01/2019 e 24/01/2019
Seguem alguns números comparando as performances dos presidentes brasileiros no palco do Fórum Econômico Mundial, em Davos (Suíça):
Quanto ao tempo do discurso, excluindo sessão de perguntas:
Quanto ao número de palavras:
Quanto ao número de caracteres:
Obviamente que "tamanho não é documento": o impacto de um discurso não necessariamente tem a ver com a sua extensão. Para isso, é preciso fazer uma análise do seu conteúdo e também da repercussão.
Observação geral: todos os discursos foram proferidos em português (até o poliglota FHC) e todos foram lidos (nem Lula, o de melhor oratória, arriscou falar de improviso).
Todos os discursos falam em respeito a contratos, melhoria do clima de negócios, redução da burocracia e equilíbrio de contas públicas. Ter que ouvir todos os presidentes nos últimos 20 anos falando a mesma coisa é um grande atestado de nossa incompetência enquanto país.
É sintomático tb q o tema da corrupção só tenha sido tocado por Lula (2003) e por Bolsonaro (2019) - 2 presidentes eleitos prometendo o novo. Lula foi mais específico propondo ações, mas sabemos o final da história. Bolsonaro não foi além de exibir Moro como cartão de visitas.
FHC (1998): no último ano do primeiro mandato, FHC já tinha resultados a apresentar: fim da inflação e crescimento do PIB. Mas Brasil enfrentava a crise asiática, então sinalizou com ajuste fiscal (tinha reforma da previdência no Congresso) e privatizações. Tentou transmitir otimismo quanto ao clima de negócios: produtividade, Toda Criança na Escola, redução de tarifas à importação, aumento do investimento estrangeiro, investimentos em infraestrutura (via privatizações e concessões). Não falou de meio-ambiente.
Lula (2003): primeiro evento internacional de Lula. Começa citando visita ao Fórum Social Mundial (Porto Alegre). Aliás, o discurso cuidadosamente equilibra economia e social: é uma versão da Carta ao Povo Brasileiro para os gringos, inclusive não se afirmando de esquerda. Na sua estreia em Davos, Lula tenta se colocar como estadista, propondo uma nova ordem mundial: fundo internacional contra a fome, livre comércio com reciprocidade, regulação sobre evasão de divisas e lavagem de dinheiro, valorização da ONU e uma nova agenda global de desenvimento.
Lula (2007): em início de segundo mandato, se sente à vontade para alardear resultados: bolsa família, luz para todos, pronaf, microcrédito, crescimento, emprego, inflação sob controle, aumento das reservas, quitação da dívida com FMI e Clube de Paris. Comemora a guinada à esquerda na Am do Sul e defende a integração sul-sul. Conclama por acordo na Rodada Doha da OMC e elogia criação do G-20. Como ainda não havia pré-sal, alardeia o biodiesel como a grande contribuição brasileira para o mundo. Anuncia programas que acabariam se tornando escândalos de corrupção no seu governo e no de Dilma: PAC, infraestrutura na América do Sul (cita estrada no Peru), política de desoneração tributária de setores específicos, investimentos em infraestrutura urbana (MCMV).
Dilma (2014): Tendo recusado visitar Davos no início do gov, Dilma só aparece no ano em que buscou a reeleição. Destaca que o Brasil estava se tornando um país com pop de classe média, e isso estaria na origem nos protestos de 2013: maior demanda por inclusão e direitos. É enfática em três temas: controle da inflação, equilíbrio das contas públicas e respeito aos contratos. Não era sem razão: seu barco já estava fazendo água nessas 3 vertentes. Anuncia controle das finanças de estados e muns e o uso de bancos públicos - fracassou em ambos. Usa como trunfos para atrair invests programas que entraram na mira da Lava Jato: pré-sal, PAC, Minha Casa Minha Vida e obras para Copa e Olimpíadas. Destaca a redução voluntária das emissões CO2 no Acordo do Clima. É a 1a a defender explicitamente o agronegócio.
Temer (2018): seu mote foi "o Brasil está de volta". Seu discurso gira em torno de 5 eixos: responsabilidade (teto de gatos, controle da inflação), diálogo (acertos com o Congresso), eficiência (reformas trabalhista e do ensino médio), racionalidade (privatizações, nova lei das estatais, reforma do pré-sal) e abertura (acordo de Paris sobre o clima, adesão à OCDE). Ferido de morte por Joesley e em ano de eleição, só promete a reforma da Previdência - e não cumpre. Tb defende agronegócio.
Bolsonaro (2019): Como Lula 2003, começa regozijando-se pela vitória e anunciando um novo tempo. Agenda econômica com redução de impostos, simplificação de normas, privatização, equilíbrio fiscal e abertura comercial. Meta de estar entre os 50 melhores para fazer negócios. Tenta fazer média com espírito de Davos ao defender meio ambiente e da globalização (embora não use o termo). Mas discurso é incompatível com suas falas de campanha e com discursos de alguns ministros. Deixa aflorar uma pauta conservadora nos costumes que não combina com o clima em Davos: família, "verdadeiros" direitos humanos, direito à vida, "Deus acima de tudo" e política de segurança para atrair turistas.
Davos: Passagem de Ida e Volta
O Brasil despencou no ranking do Fórum Econômico Mundial
Publicado originalmente no jornal Valor Econômico em 21/01/2019
Ao longo desta semana, as atenções estarão voltadas para a visita de Jair Bolsonaro a Davos, no encontro anual do Fórum Econômico Mundial. Será o batismo internacional do novo presidente brasileiro, diante de uma plateia de chefes de Estado e representantes de mais de 100 países, além de CEOs das 1.000 maiores companhias globais.
O Brasil é uma das maiores economias do mundo e tem um papel de relevo na geopolítica latino-americana, além de protagonismo no G-20 e entre os BRICS. Durante a campanha, contudo, Bolsonaro embarcou na onda populista, conservadora e nacionalista que varre a Europa e os EUA. Será, portanto, interessante observar como Bolsonaro traduzirá esse discurso para a elite econômica mundial, reunida num encontro que tem, como um de seus princípios, “aprimorar o diálogo entre governos, empresas e sociedade civil em prol do crescimento global inclusivo e sustentável”. Aliás, o tema deste ano é “Globalização 4.0 – Adaptando a Arquitetura Global na Era da 4ª Revolução Industrial”.
Por mais paradoxal que seja, no entanto, o maior desafio da ida de Bolsonaro a Davos será convencer o mundo sobre o que ele fará na sua volta ao Brasil. Afinal, segundo a métrica do próprio Fórum Econômico Mundial, a situação brasileira se deteriora rapidamente frente a seus parceiros e concorrentes internacionais.
De acordo com o Índice Global de Competitividade, indicador construído pelo instituto que organiza o encontro de Davos com base em estatísticas oficiais e em entrevistas com os mais poderosos CEOs do mundo, o Brasil despencou da 48ª posição em 2013 – seu melhor desempenho – para o 80º lugar em 2018 (ver gráfico abaixo). Em apenas 5 anos, fomos ultrapassados por 32 países, incluindo, sem demérito, o Tajiquistão e a Albânia.
As explicações para termos sido o país que mais perdeu posições no ranking no último quinquênio estão na nossa própria incompetência e também no mérito da concorrência. Enquanto nos afundamos numa crise fiscal e política que nos lançou numa das maiores recessões da história, países como Índia, Botswana e Colômbia implementaram importantes reformas que tornaram suas economias mais abertas e melhoraram o ambiente de negócios.
O indicador do Fórum Econômico Mundial, composto por 12 dimensões, revela que o mau desempenho brasileiro é observável tanto em nível macro quanto microeconômico. A irresponsabilidade fiscal da famigerada Nova Matriz Econômica, com o abandono da política de geração de superávits primários, nos custou 62 posições no item “ambiente macroeconômico” – nosso pilar mais fraco atualmente.
Por outro lado, a paralisia dos sucessivos governos em implementar uma ampla reforma microeconômica para impulsionar a produtividade explica nossos resultados ruins quanto à eficiência nos mercados de bens e de trabalho. Para completar, a turbulência política dos últimos anos – com Operação Lava Jato, impeachment e várias denúncias enfraquecendo o governo Temer – levou o Brasil a perder várias posições no quesito “instituições”.
No final do ano passado, o Fórum Econômico Mundial lançou uma nova versão do seu ranking, buscando refletir as novas demandas geradas pela 4ª Revolução Industrial.
Nesse índice 4.0, como vem sendo chamado, o Brasil melhora um pouco sua colocação: salta da 80ª para a 72ª colocação. Nossas mazelas, porém, continuam em evidência, tanto em termos de instabilidade macroeconômica quanto ao fraco dinamismo dos mercados.
No seu retorno ao Brasil, Bolsonaro terá diante de si a abertura do ano legislativo. Passada a festa da posse e o frisson das nomeações de primeiro e segundo escalão, é hora de governar. E para colocar as finanças em ordem e destravar as amarras do investimento e da inovação, o novo governo precisará enfrentar poderosos interesses cartoriais e corporativos que dificultam a aprovação de reformas. Sem elas, continuaremos condenados às posições mais baixas dos rankings internacionais.