O fundo eleitoral precisa de mais dinheiro público?
Congresso aprovou aumento de R$ 1,8 bilhão no valor do fundo
A comissão do Congresso responsável pelo Orçamento aprovou um relatório preliminar que aumenta de R$ 2 bilhões para R$ 3,8 bilhões o fundo eleitoral em 2020. Essa alta de R$ 1,8 bilhão no montante implica em cortes em saúde, educação e infraestrutura.
A medida teve apoio de 13 partidos: PP, MDB, PTB, PT, PSL, PL, PSD, PSB, Republicanos, PSDB, PDT, DEM e Solidariedade. Eles representam 430 dos 513 deputados e 62 dos 81 senadores. Podemos, Cidadania, PSOL e Novo foram contra o aumento.
Bruno Carazza, analista político, professor do Ibmec e autor de “Dinheiro, Eleições e Poder - As Engrenagens do Sistema Político Brasileiro” (Cia. das Letras), discute o financiamento de campanhas no Brasil e explica o fundo eleitoral.
Ouça o episódio:
A crise de representação dos partidos políticos
Renata Lo Prete recebe Marco Aurélio Nogueira, cientista político e professor da Unesp, Leandro Machado, cientista político e cofundador do movimento de renovação Agora, e Bruno Carazza, professor do Ibmec e autor do livro "Dinheiro, Eleições e Poder". Eles tratam da questão a partir da tentativa do presidente Jair Bolsonaro de tomar o PSL de Luciano Bivar. O programa aborda ainda a definição do TSE em aceitar ou não assinaturas eletrônicas para a criação do novo partido do presidente.
Do limão à limonada
Crise do PSL deveria fomentar debate sobre sistema político
Por Bruno Carazza. Publicado originalmente no jornal Valor Econômico em 21/10/2019.
Nas duas últimas semanas só se falou sobre a crise no PSL. Enquanto os membros do partido se digladiam diante das câmaras de TV e nas redes sociais, o público se delicia a cada áudio vazado ou treta no Twitter. Em tempos de recuperação econômica claudicante e sem novidades partindo do governo (há meses Paulo Guedes anuncia suas reformas tributária, administrativa e do pacto federativo, e até agora nada...), o barraco no partido do presidente dá o que falar.
Na origem da disputa está o controle sobre centenas de milhões de reais que serão destinados ao PSL pelos fundos eleitoral e partidário. Embora a vitória de Bolsonaro e a boa renovação no Congresso tenham levado muitos a acreditarem no surgimento de uma nova política, a cada dia fica mais claro que dinheiro, eleições e poder continuam a ser as engrenagens que movem o sistema político brasileiro.
Existem cinco caminhos principais para ser bem-sucedido eleitoralmente no Brasil hoje em dia: i) ter proximidade com os caciques partidários, ii) ser rico, iii) possuir conexões com doadores bilionários, iv) ter rebanhos cativos de eleitores (como os evangélicos), ou v) ser uma celebridade. São poucos os deputados hoje que não se enquadram em pelo menos um desses grupos.
Uma campanha vitoriosa para deputado federal em 2018 custou, em média, R$ 1,1 milhão. Veja abaixo quanto arrecadou cada um (clique em "Tela Cheia" na barra inferior para abrir a tela e interagir com o gráfico, filtrando por partido ou Estado):
A importância do dinheiro público como fonte de recursos é impressionante: 77,5% de todos os gastos dos deputados eleitos foram pagos com dinheiro distribuído pelos partidos. Dos 513 membros da Câmara, 354 receberam pelo menos R$ 500 mil de seus partidos no ano passado – e é para ter uma fatia ainda maior nesse quinhão que os parlamentares brigam atualmente, seja em conjunto (para aumentar o valor do fundo eleitoral) ou entre si, como atesta a guerra no PSL.
Mas existem outras formas de se chegar a Brasília. Na atual legislatura, 93 deputados gastaram mais de R$ 100 mil do próprio bolso para custear sua campanha – Paula Belmonte (Cidadania/DF) chegou a torrar R$ 2,4 milhões na eleição.
Para quem não é rico, contar com a simpatia de quem tem alguns milhões para investir na política ajuda bastante. Como as empresas foram proibidas de doar, em 2018 muitos empresários abriram suas carteiras para doar como pessoas físicas: os donos dos grupos Cosan, União Química, Riachuelo, Localiza, Iguatemi/Oi, Positivo e MRV/CNN despejaram milhões de reais no último pleito.
Os principais beneficiados pelos dez maiores doadores em 2018 foram o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM/RJ) – que recebeu R$ 700 mil – e o ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni (DEM/RS), com R$ 600 mil. Além deles, estrelas da renovação política dificilmente teriam conseguido um lugar ao sol sem um “empurrãozinho” desses bilionários. É o caso, por exemplo, de dois expoentes do Partido Novo: Tiago Mitraud e Lucas Gonzalez (ambos de Minas Gerais) receberam, respectivamente, R$ 285 mil e R$ 265 mil desse grupo.
Diante de tantas evidências que atestam que o dinheiro ainda continua sendo muito importante para um candidato ser eleito no Brasil, a ponto de os partidos se engalfinharem para saber quem vai controlá-lo, o que podemos fazer para melhorar o nosso sistema eleitoral e partidário? Acredito que existam medidas corajosas a serem tomadas em quatro direções, e a boa notícia é que para todas elas existem projetos interessantes em tramitação no Congresso.
No mundo todo, os países resolvem o problema do custo das campanhas para o Legislativo seguindo dois modelos clássicos: ou restringem o campo da disputa, adotando o voto distrital, ou fazem com que os eleitores votem no partido, e não no candidato (a chamada “lista fechada”). O PL nº 9.212/2017, do senador José Serra (PSDB/SP), ao instituir o voto distrital misto, determina que metade dos deputados seja eleita por um modelo, e os demais pelo outro. Essa proposta já foi aprovada pelo Senado e atualmente encontra-se na CCJ da Câmara, pronta para votação. Está a poucos passos de ser definitivamente aprovada, portanto.
Do ponto de vista do financiamento eleitoral, o ideal seria pulverizar as fontes de recursos para as campanhas. Dessa forma, os candidatos teriam que ir atrás de um número maior de doadores para financiar suas campanhas, aproximando-se dos eleitores, e não dos cofres públicos, de bilionários ou da sua própria conta bancária.
No que diz respeito ao autofinanciamento de campanhas, neste ano o Congresso deu um importante passo e estabeleceu que os candidatos só podem financiar 10% do seu limite de gastos com recursos próprios. Para completar o quadro, poderíamos fazer alguns ajustes no PL nº 73/2019, do deputado Rodrigo Agostinho (PSB/SP), abolindo o fundo eleitoral e estendendo o limite de 10% do teto de gastos também para as doações de pessoas físicas.
Uma medida complementar, com grande potencial de sanear o sistema partidário brasileiro, é o PL nº 4.896/2019 – uma iniciativa de 26 deputados de vários partidos (PSB, PV, PDT, Cidadania, PTB, PSDB, PROS e PSL). A ideia é impor limites de duração de mandatos de dirigentes, a realização de prévias nos partidos e ainda submetê-los à Lei de Acesso à Informação, além de outras medidas para fortalecer a democracia dentro dos principais atores do jogo político.
Por fim, depois de tantas evidências de mau uso de recursos nas eleições, são válidas as propostas do ministro Sergio Moro para aumentar a rigidez das punições pelo uso de caixa dois (PL nº 881/2019) e também para atribuir à Justiça comum a competência de processar crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e afins praticados durante as campanhas, contornando as limitações estruturais da Justiça Eleitoral (PLP nº 38/2019).
Crises como a do PSL, para além de virarem circo, deveriam ser encaradas como oportunidades para aperfeiçoamentos do nosso sistema político. Precisamos fazer uma limonada com esses limões.
Veta, presidente!
Projeto patrocinado por Rodrigo Maia enfraquece democracia
Com a exceção de Jair Bolsonaro, nenhum político brasileiro se beneficiou tanto da avalanche antissistema gerada pela combinação explosiva entre a Operação Lava Jato, o impeachment de Dilma e a severa crise econômica quanto Rodrigo Maia. Eleito presidente da Câmara em 14/07/2016 após a queda de Eduardo Cunha, desde então o deputado carioca tem mostrado habilidade para se perpetuar no comando da agenda legislativa e cair nas graças do mercado.
Rodrigo Maia consolidou-se como figura central no tabuleiro político brasileiro ao ocupar dois vácuos de poder. Sobrevivente em uma eleição que ceifou os mandatos de dezenas de figurões da política tradicional, Maia é um dos parlamentares mais experientes na atual legislatura. Em seu 6º mandato federal consecutivo e diante de parlamentares novatos ou de baixo clero, vale o ditado de que “em terra de cego, quem tem um olho é rei”.
Maia também tem ampliado sua estatura política aproveitando-se do novo estilo de governar de Bolsonaro. Ao contrário dos presidentes anteriores, o atual ocupante do Palácio do Planalto abre mão do controle da agenda legislativa no Congresso, e assim Rodrigo Maia tem assumido o protagonismo na condução dos trabalhos, colhendo os louros da aprovação de medidas como a reforma da Previdência.
Tratado como “primeiro-ministro”, queridinho do mercado e cortejado para ocupar chapas presidenciais em 2022, Rodrigo Maia tem posado de estadista ao fazer frente aos arroubos autoritários de Bolsonaro, defender o equilíbrio fiscal e levar adiante propostas legislativas liberalizantes. Nas últimas semanas, porém, o presidente da Câmara revelou a sua face mais retrógrada ao liderar a aprovação do pacote de medidas que fragilizam o controle e a transparência nas eleições.
Rodrigo Maia foi o principal responsável pela articulação em torno do PL nº 11.021/2018, concebido na surdina com os líderes dos maiores partidos (do PT ao PSL, passando por DEM, MDB, PSDB e todo o Centrão) e aprovado em plenário a toque de caixa de um dia para o outro. Em seguida, diante da recusa do Senado em aceitar esse grande retrocesso para a lisura das eleições no Brasil, Maia ignorou a pressão da sociedade e comandou a aprovação de uma versão suavizada do projeto – que ainda assim abre muitas brechas para o mau uso de recursos, a ocorrência de laranjas e a vedação a candidatos ficha-suja.
Ao justificar o projeto de lei, Maia defendeu a manutenção dos valores do fundo eleitoral (que foram de R$ 1,7 bilhão em 2018, além de mais 800 milhões do fundo partidário) afirmando que “nós não podemos achar que todos os políticos têm condições de financiar suas eleições com pessoas físicas, principalmente de renda mais alta”. Na sua visão “o fundo eleitoral dá uma equilibrada mínima no processo eleitoral, (pois) a democracia precisa ter investimento, mas o custo é bem menor do que se a gente estivesse num regime autoritário”.
Rodrigo Maia fala com propriedade sobre financiamento eleitoral. Nas últimas eleições, ele conseguiu captar R$ 1,8 milhão para financiar sua campanha. 40% desse volume veio dos fundos eleitoral e partidário do DEM – e o atual presidente da Câmara foi um dos maiores agraciados no Rio de Janeiro. O restante das suas despesas de campanha foi bancado por três dos maiores investidores eleitorais do país em 2018: Carlos Jereissati, dos grupos Iguatemi e Oi, que doou a Maia R$ 500 mil, Salim Mattar (Localiza, atual secretário especial de Paulo Guedes), com R$ 200 mil e José Christiano Gomes da Silva (Coteminas, filho do ex-vice presidente José Alencar), com mais R$ 200 mil.
O presidente da Câmara está certo ao diagnosticar que nosso sistema eleitoral tem um preço alto – nossas eleições são disputadas em territórios muito grandes e a proliferação de partidos frágeis torna a campanha muito personalista, demandando, portanto, muito dinheiro para que um candidato se destaque em meio a milhares de adversários. Porém, ao defender a manutenção do fundo eleitoral e deixar de propor qualquer limite individual às doações de grandes empresários, Maia favorece a si mesmo e a seus pares. Afinal, a falta de regras de governança quanto à aplicação do dinheiro beneficia as oligarquias partidárias (das quais ele faz parte) e a possibilidade de que os mais ricos doem volumes milionários privilegia os candidatos mais bem conectados com as elites econômicas (como o próprio Maia).
Também não se sustenta seu argumento de que as eleições do ano que vem, por serem realizadas em mais de 5 mil municípios, exigem recursos públicos bilionários. Em 2012, quando grupos como Odebrecht e JBS levavam a níveis estratosféricos sua estratégia de injetar recursos em campanhas para obter favores governamentais, as despesas totais de candidatos a prefeitos e vereadores em todo o Brasil giraram em torno de R$ 6 bilhões em valores atuais. Quatro anos depois, com a proibição de contribuições empresariais e ainda antes da criação do fundão eleitoral, foram R$ 3,4 bilhões – uma redução de 44% no custo total das campanhas, sem nenhuma evidência de dano para a democracia.
Enquanto Rodrigo Maia amplia seu prestígio político (suas eleições para presidente da Câmara tiveram, respectivamente, 285, 283 e 334 votos), seu sucesso nas urnas tem minguado: em 2006 ele obteve 235.111 votos e em 2018 apenas 74.232. Esse é um dos motivos pelos quais a maioria da classe política brasileira tanto se movimentou, nas últimas semanas, pela aprovação do projeto de lei que flexibiliza as regras de controle e transparência nas campanhas eleitorais. O fantasma das eleições de 2018 ainda assombra os velhos caciques partidários.
Para firmar-se como um grande estadista, Rodrigo Maia deveria apoiar-se em evidências empíricas e nas boas práticas internacionais para liderar um movimento de aprimoramento de nosso sistema eleitoral. Para renovar verdadeiramente a política, precisamos de maior transparência, democracia partidária e melhores condições de competitividade em nossas eleições – e isso é justamente o contrário do que o PL nº 11.021/2018, aprovado na última semana, oferece.
O Assunto #19: Dinheiro para campanhas eleitorais - e como o Congresso quer mudar as regras do jogo
Nilson Klava e Bruno Carazza conversam com Renata Lo Prete neste episódio. Nilson fala de como estão as negociações no Congresso sobre o fundo eleitoral. Carazza explica como é nosso sistema de financiamento de campanhas – e o que poderia ser mudado.
Na noite de terça-feira (17), o Senado rejeitou a maior parte de um projeto sobre regras eleitorais que já havia sido aprovado pela Câmara. O texto continha uma série de pontos polêmicos que, segundo especialistas, reduziriam a transparência e dificultariam a fiscalização de campanhas eleitorais.
Renata Lo Prete conversa com Nilson Klava, repórter da Globo em Brasília, que conta os bastidores da aprovação do projeto e traz os detalhes sobre o texto.
Depois, ouve o economista e autor do livro "Dinheiro, eleições e poder: as engrenagens do sistema político brasileiro", Bruno Carazza, sobre as implicações do modelo brasileiro de financiamento de campanha.
Dinheiro para campanhas eleitorais - e como o Congresso quer mudar as regras do jogo
Nilson Klava e Bruno Carazza conversam com Renata Lo Prete neste episódio. Nilson fala de como estão as negociações no Congresso sobre o fundo eleitoral. Carazza explica como é nosso sistema de financiamento de campanhas – e o que poderia ser mudado.
Na noite de terça-feira (17), o Senado rejeitou a maior parte de um projeto sobre regras eleitorais que já havia sido aprovado pela Câmara. O texto continha uma série de pontos polêmicos que, segundo especialistas, reduziriam a transparência e dificultariam a fiscalização de campanhas eleitorais.
Os senadores preservaram, no entanto, o Fundo Especial de Financiamento de Campanha, o chamado fundo eleitoral, que viabiliza recursos públicos para o custeio das campanhas eleitorais municipais em 2020.
Criado em 2017, o fundo destinou R$ 1,7 bilhão, dividido entre os partidos, para as eleições de 2018. O valor do fundo para o ano que vem ficou de fora do projeto aprovado, mas senadores afirmaram que há um “compromisso” para que o total não ultrapasse o da última eleição.
Renata Lo Prete conversa com Nilson Klava, repórter da Globo em Brasília, que conta os bastidores da aprovação do projeto e traz os detalhes sobre o texto.
Depois, ouve o economista e autor do livro "Dinheiro, eleições e poder: as engrenagens do sistema político brasileiro", Bruno Carazza, sobre as implicações do modelo brasileiro de financiamento de campanha.
Contra o aumento do fundo eleitoral
Partidos deveriam ir atrás do eleitor, e não do erário
Por Bruno Carazza
Publicado originalmente no jornal Valor Econômico em 15/07/2019.
O relator do projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias, deputado Cacá Leão (PP-BA) pretende aumentar de R$ 1,7 bilhão para R$ 3,7 bilhões o orçamento do Fundo Especial de Financiamento de Campanhas para o ano que vem. Existem inúmeras razões para ser contra essa medida. Abaixo eu listo 12 delas:
1. Partidos e políticos até hoje não se conformam com o fim das doações de empresas. Entre 2012 e 2014, grandes companhias injetaram mais de R$ 6,8 bilhões em campanhas eleitorais, e a Lava Jato demonstrou que boa parte desse montante era propina travestida de doações oficiais. Não faz sentido, portanto, querer que se compense, com dinheiro público, valores astronômicos alcançados quando as engrenagens da corrupção giravam em alta rotação.
2. Além do fundo eleitoral, os políticos já contam com o fundo partidário, que desde 2013 teve seu valor multiplicado por quatro e neste ano chegou a R$ 810 milhões.
3. Sem regras de governança, o poder de distribuição desses valores bilionários fica nas mãos dos caciques. Luciano Bivar (PSL/PE), por exemplo, ficou com 15% do fundo eleitoral destinado ao seu partido em 2018 – três vezes mais do que foi destinado a Jair Bolsonaro. No MDB, na disputa para a Câmara, os maiores agraciados tinham sobrenome Barbalho (PA), Alves (RN), Vieira Lima (BA), Raupp (RO), Miranda (TO) – ou seja, são os mesmos que sempre dominaram a política em seus redutos eleitorais.
4. Não cola o argumento de que no ano que vem serão necessários mais recursos porque as eleições serão realizadas em mais de 5.500 municípios. Campanhas para vereador e prefeito são bem mais baratas, pois são realizadas em territórios menores. Em 2016, 83,7% de todos os vereadores do país conseguiram se eleger utilizando menos de R$ 10 mil. No caso dos prefeitos, 74,6% chegaram ao poder gastando abaixo de R$ 100 mil.
5. As eleições de 2018 demonstraram que é possível ser bem-sucedido nas urnas com pouco dinheiro. E não foi apenas Bolsonaro que conseguiu se eleger sem recorrer a marqueteiros contratados a peso de ouro: de Áurea Carolina (Psol/MG) a Alexis Fonteyne (Novo/SP), muitos novatos chegaram à Câmara dos Deputados valendo-se principalmente das redes sociais e da militância de seus apoiadores.
6. Existem evidências empíricas mostrando que menos dinheiro nas campanhas aumenta a competição eleitoral. O trabalho de Avis, Ferraz, Final & Varjão (2019) indica que a imposição de limites de gastos em 2016 aumentou as chances de vitória de candidatos novatos e menos ricos.
7. Nos últimos anos a legislação brasileira permitiu o uso de novos instrumentos para captação de recursos, como as doações pela internet e o crowdfunding. Embora nas últimas eleições esses canais tenham sido responsáveis por apenas 0,6% da arrecadação total, alguns partidos como PSL (R$ 4,3 milhões), PT (R$ 3,9 milhões), Novo (R$ 2,6 milhões) e Psol (R$ 2,3 milhões) conseguiram arrecadar valores expressivos utilizando esses meios modernos de doação. Colocar mais dinheiro público nas campanhas pode inibir a criatividade dos candidatos em tentar convencer os eleitores a apoiarem financeiramente suas plataformas.
8. Em 2017 foram adotadas duas reformas importantes para aumentar a competitividade nas eleições brasileiras: o fim das coligações e a cláusula de desempenho. Como os fundos partidário e eleitoral são divididos de forma muito desproporcional entre os partidos (pois leva em conta seu desempenho nas eleições anteriores), injetar mais dinheiro público nas campanhas aumenta a vantagem dos partidos maiores.
9. Se o fundo eleitoral passar para R$ 3,7 bilhões, PSL e PT serão os maiores beneficiados, com R$ 435,5 milhões e R$ 385 milhões, respectivamente. São valores muito superiores aos demais partidos – só para se ter uma ideia, o terceiro partido na lista, o MDB, receberá “apenas” R$ 224 milhões. Logo, se você se preocupa com a polarização que divide o país, pode ter certeza que, com muito mais dinheiro, ela vai se acirrar.
10. Por mais que se esforce, a Justiça Eleitoral não tem condições de investigar a fundo a prestação de conta de centenas de milhares de candidatos. Existem evidências de mau uso de recursos nas últimas eleições em vários partidos brasileiros, a começar pelo laranjal do PSL. Logo, disponibilizar um volume ainda maior de dinheiro público incentivará novos crimes eleitorais.
11. Os parlamentares mudaram a Constituição para tornar a execução de suas emendas obrigatórias, sob o argumento de ter mais recursos para investimentos em suas bases eleitorais. Agora, decidem destinar 44% desse montante para financiar campanhas eleitorais. Você acha justo alocar R$ 2 bilhões a mais em cabos eleitorais e pacotes de mensagens divulgando fake news no whatsapp, sendo que eles deveriam ser aplicados em postos de saúde, estradas e pontes?
12. Existem outras prioridades para tornar os políticos menos dependentes de dinheiro, como tetos de gastos mais baixos e limites nominais para doações de pessoas físicas. Seria muito propício, ainda, retomar as discussões sobre a redução do tamanho dos distritos eleitorais ou até mesmo a adoção do sistema distrital misto no Brasil.
É verdade que a democracia tem um preço e, num país continental como o nosso, realizar eleições não é barato. Acredito, contudo, que a solução não seja alocar mais dinheiro público nas campanhas. Em vez de recorrer ao erário, partidos e candidatos deveriam desenvolver programas de governo para conquistar não apenas mentes e corações dos eleitores, mas também seus bolsos.
Para um político, é muito mais fácil dobrar o valor do fundo eleitoral do que convencer milhares de eleitores a doarem para sua campanha. A pulverização das fontes de arrecadação – com limites baixos para doações de pessoas físicas, financiamento público e (por que não?) empresas – teria o poder de tirar nossos partidos e políticos da zona de conforto dos bilhões extraídos dos cofres públicos.
Para especialistas, aumento de fundo para custear campanhas é questionável em momento de crise fiscal
Jornal O Globo, 09/07/2019
Estudiosos ouvidos pelo GLOBO veem com desconfiança a possibilidade discutida pelo Congresso de dobrar o Fundo Eleitoral
Para o pesquisador Bruno Carazza, autor do livro "Dinheiro, eleições e poder", a ideia não se justifica diante do momento de crise fiscal do país. Ele credita a busca por mais recursos à falta de mudanças contudentes no sistema político-eleitoral.
— Não alteramos nada nas regras gerais da política eleitoral, em termos de competitividade. Temos muito partidos, partidos pouco ideológicos, então as campanhas são personalistas e demandam muito dinheiro. A cada ciclo eleitoral, vemos as legendas se mobilizando para conseguir mais dinheiro. Como o dinheiro não pode vir das empresas eles vão atrás do orçamento público. Num quadro fiscal difícil, é um movimento muito questionável — afirma Carazza.
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PSL ganha novas sedes e faz evento em hotel de luxo
Jornal "O Globo", de 23/06/2019
SÃO PAULO — Em uma nova realidade financeira por causa do bom desempenho na eleição do ano passado, o PSL , partido do presidente Jair Bolsonaro , tem usado o dinheiro extra para alugar novas sedes e reforçar o quadro de funcionários.
O pesquisador Bruno Carazza, autor do livro “Dinheiro, eleições e poder”, calcula que o partido terá um total R$ 737 milhões para receber dos cofres públicos até 2022. Além dos repasses do fundo eleitoral, as siglas também contam com as verbas do fundo partidário.
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