CBN em Foco: Bruno Carazza analisa proposta de aumento do fundo eleitoral
Em entrevista a Marcella Lourenzetto, o professor Bruno Carazza, da Fundação Dom Cabral, analisa os possíveis efeitos do aumento do fundo eleitoral na política brasileira.
23/12/2021
https://youtu.be/JFzEFT9XBzk?t=1389
Presentão de Natal antecipado
Novo valor do fundão mostra apetite insaciável dos políticos
Por Bruno Carazza. Publicado originalmente no jornal Valor Econômico em 20/12/2021.
Luciano Bivar é considerado o dono do PSL. Em 2018, sua legenda abrigou a candidatura de Jair Bolsonaro e, graças a ele, elegeu também 52 deputados e 4 senadores. Devido a esse resultado, e à recente fusão com o DEM, formando o União Brasil, Luciano Bivar terá à sua disposição R$ 1,05 bilhão para gastar nas eleições do ano que vem – R$ 900 milhões do novo fundão e mais R$ 150 milhões do fundo partidário.
Abstraída a taxa cambial, podemos dizer que o União Brasil é o primeiro unicórnio da política brasileira. Se em 2018 Bivar reservou R$ 1,8 milhão para financiar sua própria campanha a deputado federal, imagina quanto terá no próximo pleito.
A proposta de elevar o fundo eleitoral de R$ 2,1 bilhões para algo em torno de R$ 5,7 bilhões foi vetada por Jair Bolsonaro em agosto. Foi uma jogada de mestre: como sabia que os congressistas derrubariam o veto, o presidente jogou para a torcida. Tanto é assim que seu novo partido, o PL, deu 40 votos (de um total de 44 presentes) para aumentar o fundão. Mesmo com o posicionamento contrário de Flávio e Eduardo Bolsonaro, o PL terá sua parcela ampliada de R$ 118 milhões para R$ 330 milhões em 2022 – e certamente boa parte desse dinheiro ajudará na tentativa de reeleição do clã e de seus amigos mais chegados.
O PT de Lula também votou em peso pela elevação (52 votos “sim”, e apenas 3 “nãos”). Arlindo Chinaglia manifestou-se contra o veto no púlpito do Congresso: “quando nós somos financiados pelo dinheiro público, nós não ficamos devendo favores”. Em 2018, Chinaglia se reelegeu recebendo R$ 1,1 milhão dos fundos partidário e eleitoral – após a votação da última sexta (17/12), seu quinhão muito provavelmente crescerá.
Com R$ 650 milhões assegurados (mais do que o triplo recebido há três anos), o PT não precisará vender camisetas e botons a seus eleitores para financiar suas campanhas. Esse é um dos efeitos colaterais de se destinar cada vez mais recursos do orçamento público para os partidos: a acomodação. Com milhões e milhões recebidos sem esforço, a classe política começa a pensar que não precisa pagar os favores recebidos de seu principal financiador – o contribuinte.
Ao contrário do que muitos defendem, incrementar o volume de dinheiro público nas campanhas eleitorais não é uma conquista de nossa democracia. Pelo contrário: ele multiplica o poder das oligarquias partidárias e facilita a perpetuação de quem já domina a política brasileira.
João Campos chegou à Câmara dos Deputados em 2018 com apenas 25 anos. Com essa idade, novato na política, dificilmente um jovem seria agraciado com R$ 1.537.864,46 do fundo eleitoral para custear sua campanha. A não ser que ele pertencesse a uma família de políticos – no caso, João é bisneto de Miguel Arraes, sua avó é a ministra do TCU Ana Arraes e o pai é o ex-governador Eduardo Campos. Seu partido, o PSB, deu 19 votos, de um total de 27 (70,4%), para a derrubada do veto – e assim elevará sua cota de R$ 119 milhões para R$ 306 milhões em 2022.
Para tentar democratizar a distribuição do dinheiro do fundo eleitoral, o Tribunal Superior Eleitoral determinou que pelo menos 30% dele fosse distribuído para candidaturas femininas.
A deputada Iracema Portella foi agraciada com R$ 2,404 milhões da cota feminina do diretório estadual do partido em 2018. Não por acaso, ela é filha de Lucídio Portella (ex-senador e ex-governador do Piauí) e ex-mulher de Ciro Nogueira, atual Ministro-Chefe da Casa Civil de Bolsonaro.
Como aconteceu em quase todos os partidos, os 30% da cota das mulheres nas últimas eleições foram destinados a filhas, esposas, ex-mulheres e até mães de políticos tradicionais, de Danielle Cunha (filha de Eduardo Cunha) a Elcione Barbalho (ex-mulher de Jader Barbalho), passando por Flávia Arruda (esposa de José Roberto Arruda).
Iracema Portella apoiou o novo fundo eleitoral de quase R$ 6 bilhões, assim como 44 dos 46 correligionários presentes na sessão de votação da sexta passada. O PP, que é também o partido de Arthur Lira, principal articulador da tramoia, vai aumentar seu cacife de R$ 131 milhões para R$ 450 milhões em 2022 – só de recursos públicos, claro.
Outro problema do fundão turbinado é que ele esvazia o potencial da cláusula de desempenho e do fim das coligações (grandes conquistas da reforma política de 2017) em reduzir o número de partidos políticos no Brasil. Pouca gente se deu conta disso, mas para ter acesso ao fundo eleitoral, uma legenda não precisa ter sobrevivido à cláusula de barreira – basta existir.
Luis Tibé é o mandachuva do Avante, uma sigla pequena que nasceu sob o nome de “PT do B”– apesar do antigo nome, ele é na verdade uma dissidência do PTB, de Roberto Jefferson. Nos velhos tempos, o Avante era considerado uma “legenda de aluguel”, pois vivia de comercializar seu tempo no horário eleitoral nas coligações estaduais.
Com pouca projeção nacional, o Avante corria um sério risco de não cumprir a cláusula de barreira em 2022; se isso acontecesse, deixaria de ter acesso ao fundo partidário (a cota do partido neste ano foi de R$ 18,5 milhões) e ao horário eleitoral gratuito, o que poderia forçá-lo a se fundir com outra agremiação.
Mas com a ampliação do fundão, o Avante terá direito a quase R$ 80 milhões no ano que vem, valor suficiente para elevar suas chances de sobrevivência no próximo ciclo eleitoral – não é à toa que 6 dos 7 deputados do partido votaram pela derrubada do veto. Em 2018, Luis Tibé reservou para si R$ 2,3 milhões dos fundos eleitoral e partidário do Avante.
Não podemos cair na conversa de que “a democracia tem um alto preço e a sociedade deve pagar por ele”. Existem muitas propostas para tornar nosso sistema eleitoral mais barato e menos dependente de recursos públicos – modestamente, eu mesmo apresentei uma proposta factível há alguns meses aqui mesmo, neste espaço.
Mas se deixarmos essa discussão na mão dos políticos, é bom nos prepararmos, pois o apetite deles é insaciável.
CNN Eleições 2022: “Políticos preferiram atacar o orçamento público”, diz professor
A William Waack, na CNN, Bruno Carazza afirmou que candidatos com acesso a dinheiro público levam "uma imensa vantagem" nas eleições
17/12/2021
Em entrevista à CNN nesta sexta-feira (17), o professor de Direito Bruno Carazza falou sobre o fundo eleitoral na política brasileira. Para o entrevistado, o acesso à verba é “desigual” e privilegia políticos que já têm acesso ao dinheiro público, ou seja, candidatos que pleiteiam a continuidade em cargos políticos.
Nesta sexta-feira, o Congresso derrubou o veto do presidente Jair Bolsonaro ao aumento do fundo eleitoral e garantiu uma verba de R$ 5,7 bilhões para financiar as campanhas em 2022. Com isso, os partidos terão direito a quase o triplo dos recursos destinados nas últimas eleições, em 2020.
https://www.cnnbrasil.com.br/politica/fundo-eleitoral-politicos-preferiram-atacar-o-orcamento-publico-diz-professor/
https://youtu.be/9aE0AKfl70s
Panteras Negras
Reserva de recursos para candidatos negros não é garantia de maior igualdade
Por Bruno Carazza. Publicado originalmente no jornal Valor Econômico em 31/08/2020, atualizado em 11/09/2020.
Passaram-se longos 50 anos até que o Pantera Negra conseguisse chegar às telas do cinema. Quase duas décadas antes da criação do super-herói negro na HQ de Stan Lee e Jack Kirby, em 1947 Jackie Robinson rompeu a convenção que vedava o acesso de atletas de ascendência africana aos times da principal liga de basebol norte-americana. Eleito o melhor jogador da temporada de 1949, em sua homenagem nenhuma equipe nos EUA utiliza mais o número 42 que o celebrizou – com uma única exceção anual, no “Jackie Robinson Day” (15/04) quando todos os jogadores, de todos os times, inclusive os técnicos, envergam 42 nos uniformes.
Nomeado em 1967, Thurgood Marshall foi o primeiro negro na Suprema Corte americana – sucedido por Clarence Thomas, eles são os únicos afrodescendentes num total de 102 pessoas que já ocuparam o cargo mais alto do Judiciário nos Estados Unidos desde 1789. No ano seguinte, em 05/04/1968, um dia após o assassinato de Martin Luther King, James Brown realizou um concerto em Boston. Transmitido ao vivo pela TV pública local, o show serviu para acalmar os ânimos da população negra, que em vez de ir para as ruas protestar ficou em casa assistindo à apresentação do ídolo – o que gerou acusações do movimento black de que Brown estava servindo aos interesses dos governantes brancos contra a causa da igualdade racial. Em resposta, Brown gravou “Say it loud – I´m black and I’m proud”.
Todos esses personagens, vividos no cinema pelo ator Chadwich Boseman, falecido em 26/08, revelam como é longa a luta por igualdade de direitos e oportunidades entre negros e brancos nas mais diversas áreas da sociedade. Em pleno 2020, o assunto permanece quente – haja vista os protestos nos Estados Unidos após o assassinato de George Floyd e o histórico boicote dos jogadores de basquete nos playoffs da NBA.
Por aqui, recentemente o Tribunal Superior Eleitoral decidiu que tanto o tempo de propaganda eleitoral gratuita no rádio e na TV quanto os recursos do bilionário fundo eleitoral devem ser divididos de forma proporcional ao total de candidatos negros que se inscreverem para a disputa. “Há momentos na vida em que cada um precisa escolher em que lado da história deseja estar. Hoje, afirmamos que estamos do lado dos que combatem o racismo e que querem escrever a história do Brasil com tintas de todas as cores”, disse o presidente da corte, ministro Luís Roberto Barroso.
Ontem (10/09), porém, o Ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, concedeu uma liminar determinando que essa nova regra valerá inclusive para o processo eleitoral em curso, mudando as regras no meio do jogo.
A política brasileira é repleta de obstáculos à entrada de novos agentes que queiram contestar os donos do poder. Falta democracia interna aos partidos – convenções, prévias e consultas em geral são apenas para inglês ver – e as eleições são extremamente caras, disputadas em territórios muito grandes e com dezenas de milhares de concorrentes. Para se destacar na multidão, é preciso muito dinheiro para se tornar conhecido. Se o aspirante a um cargo público não é rico ou bem conectado com milionários, dependerá dos fundos partidário e eleitoral, mas eles são controlados com mãos de ferro pelos caciques partidários.
Desde a proibição das doações empresariais, em 2015, os políticos têm buscado compensar a queda na arrecadação aumentando o volume de dinheiro público para financiar as campanhas. Espertamente, não se preocuparam em criar regras para disciplinar a distribuição dos valores recebidos dentro de cada legenda. Na ausência de critérios, o TSE tem se encarregado de criá-los, instituindo cotas. Primeiro destinou 30% para as mulheres, e agora exigiu que se respeite a proporcionalidade racial.
Como pode ser visto no gráfico abaixo, mesmo com a reserva de recursos para as candidaturas femininas, as eleições de 2018 foram marcadas por clivagens de gênero e raça na repartição dos fundos eleitoral e partidário entre os postulantes a um assento na Câmara dos Deputados. Na média, homens receberam mais do que mulheres, e dentro de cada gênero brancos foram agraciados com mais dinheiro do que pardos e negros. Diante desse cenário, cotas tendem a nivelar o campo de disputa eleitoral. No entanto, é preciso ter cuidado.
Assim como acontece com a reserva de vagas em universidades públicas, será preciso atenção com a questão da autodeclaração para se evitar fraudes. Desde que o TSE exigiu que no ato de registro fosse declarada a cor, em 2014, 5.044 candidatos se inscreveram indicando duas ou três raças diferentes nas eleições seguintes. Agora que o apontamento da cor valerá dinheiro, é de se esperar que essas incongruências fiquem mais evidentes.
Também é preciso pensar em resolver o problema da assimetria na destinação de recursos dentro de cada cota. Em 2018, o grosso do montante distribuído para mulheres ficou concentrado em candidatas tradicionais e em esposas e filhas de velhos políticos, sem falar nos casos de laranjas – o que limitou o potencial de democratização de acesso de “cidadãs comuns” aos fundos de financiamento de campanhas.
Por fim, é sempre bom lembrar que mais dinheiro não é garantia nem de mais cadeiras e nem de melhores leis ou políticas públicas para as maiorias sub representadas na política brasileira. Ainda precisamos trilhar um longo caminho até atingirmos o objetivo fundamental de promoção do bem de todos, sem preconceitos de qualquer natureza, inscrito no art. 3º, inciso IV, de nossa Constituição.