A influência do dinheiro nas eleições brasileiras

Bruno Carazza analisou em entrevista ao UM BRASIL a influência econômica sobre a política brasileira e abordou as doações empresariais de campanha. A entrevista foi publicada no dia 5 de outubro de 2018.


O novo trem da alegria de Jucá, Randolfe e companhia ilimitada

Emenda Constitucional aprovada no final do ano passado cria a possibilidade de admissão de milhares de servidores públicos sem concurso, ameaçando situação fiscal no próximo governo.

Para demonstrar como nossos políticos incomuns estão levando o país à tragédia de modo sorrateiro, veja o caso da Emenda Constitucional nº 98/2017, promulgada pelo Congresso no final do ano passado. O objetivo dessa emenda foi possibilitar a qualquer pessoa que tenha participado da criação dos Estados de Roraima e Amapá ser admitido, sem concurso público, como servidor da União.

O impacto dessa Emenda Constitucional promete ser brutal e é assustador o fato de que nenhum deputado ou senador tenha se dado ao trabalho de solicitar uma avaliação de seu efeito sobre as contas públicas. Aliás, é assustador o fato de que praticamente nenhum parlamentar tenha levantado a voz contra esse absurdo fiscal.

Leia o texto completo em:

https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2018/08/03/o-novo-trem-da-alegria-de-juca-randolfe-e-companhia-ilimitada/


O agro é tech, mas também é tóxico

Tramitação do projeto de lei que pretende flexibilizar a comercialização de agrotóxicos mostra como grupos de interesses controlam a produção de leis no Brasil.

Há quase um consenso de que o agronegócio é um dos setores mais dinâmicos da economia brasileira. Trata-se de um caso raro em que conseguimos aprimorar nossas vantagens comparativas (território vasto, clima e solo) com inovações tecnológicas desenvolvidas no seio de centros de pesquisas de ponta, como a Embrapa, a Esalq e as Universidades Federais de Lavras e Viçosa. A representação do setor no Congresso Nacional, contudo, é a antítese desse cenário de prosperidade. Como erva daninha, a bancada ruralista se alastra sobre todos os campos de seu interesse, sufocando qualquer possibilidade de debate democrático.

Leia o texto completo em:

https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2018/06/27/o-agro-e-tech-mas-tambem-e-toxico/


Mais algumas reflexões sobre a crise

Desfecho da greve dos caminhoneiros mostra como decisões tomadas sob pressão geram distorções e incentivos perversos.

A decisão do governo de reduzir a tributação sobre o óleo diesel para atender as reivindicações dos caminhoneiros também vai beneficiar 46.118 brasileiros que adquiriram automóveis de alto luxo (SUVs e jipes) em 2017. Diminuir a taxação sobre o segmento mais rico da população e seus objetos de desejo é apenas um dos efeitos indesejados quando se governa sob pressão de grupos de interesses.

Leia o texto completo em:

https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2018/06/08/mais-algumas-reflexoes-sobre-a-crise/


Depois da crise, é hora de escolher os perdedores

Impasse com os caminhoneiros indica que aumentar a carga tributária não funciona mais.

Diante de tantas dificuldades institucionais nos lados da arrecadação e do gasto público, talvez não seja de todo uma má ideia enfrentarmos uma rebelião tributária no Brasil. Se nos tempos de bonança não nos prestamos a aprovar as reformas necessárias, talvez sob o calor das ruas e do colapso fiscal que se aproxima consigamos deixar de lado nossos privilégios pessoais e pensar um pouco mais no país desigual em que vivemos.

Leia o texto completo em:

https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2018/05/29/depois-da-crise-e-hora-de-escolher-os-perdedores/


Temer e Lula na boleia do caminhão

Crise dos caminhoneiros é resumo de nossa história de predação política e econômica pelos grupos de interesses.

Toda crise tem causas imediatas e outras que vêm de longe, corroendo sorrateiramente as estruturas até que, por um curto circuito ou uma sobrecarga qualquer, o prédio desaba.

Desde tempos imemoriais, os pactos políticos geram imensas oportunidades de negócio para quem se torna íntimo dos poderosos ou consegue emparedar o governante de plantão.

Os caminhoneiros aprenderam isso e jogaram o governo à lona em poucos dias, empurrando para todos nós os custos da redução do preço do diesel e seus tributos. Foram oportunistas, abusaram do poder ao levar o país ao caos? Talvez, mas eles simplesmente agiram como os grandes empresários em busca de Refis, ruralistas renegociando subsídios de suas dívidas com o Banco do Brasil, juízes ameaçando fazer greve a favor do auxílio-moradia…

Leia o texto completo em:

https://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2018/05/25/temer-e-lula-na-boleia-do-caminhao/


Existem taxistas e taxistas: o perde-e-ganha do projeto de lei contra Uber, Cabify e cia

Texto e gráficos de Bruno Carazza dos Santos

Dando sequência à minha análise sobre o Projeto de Lei no. 5.587/2016, que "regula" os aplicativos de transporte coletivo, algumas reflexões sobre privilégios estatais, (falta de) concorrência e o poder dos reguladores.

A imprensa brasileira adora um clássico, e não apenas no futebol. Análises políticas e econômicas costumam ser feitas na base do Fla-Flu, da esquerda contra a direita, dos monetaristas versus desenvolvimentistas, dos consumidores contra as empresas. No caso do PL no. 5.587/2016 não foi diferente. Com raras exceções, a aprovação na Câmara dos Deputados do projeto de lei que pretende regular os aplicativos de transporte urbano foi descrita como uma vitória de taxistas contra Uber, Cabify e similares. Mas o rol de vencedores e perdedores vai muito além. Vou tentar qualificar melhor a questão à luz de um pouco de teoria econômica e política.

O povo contra o PL no. 5.587/2016?

A imensa repercussão negativa da aprovação do PL nas redes sociais (só o meu post explicando a tramitação do projeto teve mais de 2.000 acessos!) e nas conversas cotidianas já mostra que os principais perdedores não são as empresas que desenvolveram esses aplicativos ou os seus motoristas, mas os milhões de usuários nas principais cidades brasileiras. Esses usuários acostumaram-se nos últimos anos a ter acesso, na palma da mão, a um serviço de transporte mais barato e com melhor qualidade do que os táxis em geral. Assim, um projeto de lei que dificulta a atuação desses aplicativos impõe custos à maioria (usuários) em favor de uma minoria (taxistas). Trata-se de um exemplo perfeito da Lógica da Ação Coletiva, teoria proposta por Mancur Olson em 1965 que demonstra como grupos com grande poder de organização e com muito interesse em jogo (como os taxistas) têm maior chance de sucesso na arena política do que a maioria desinteressada, desorganizada e com pouco a ganhar diretamente com a legislação em discussão (os usuários). Benefícios concentrados (dos taxistas) e prejuízos difusos (dos usuários) ditaram não apenas a tramitação do PL no. 5.587/2016: são a tônica do nosso subdesenvolvimento econômico e social.

Existem taxistas e taxistas

Outro aspecto importante dessa discussão, e parece que a imprensa também passou batido por ele, é a distinção entre duas espécies de "taxistas". De acordo a legislação, os serviços de táxis tanto podem ser prestados por permissionários (pessoas que obtiveram a licença para explorar os serviços de táxi) quanto por motoristas que, autorizados pelo órgão municipal, alugam o táxi do permissionário, pagando em geral uma diária.

Para ter uma ideia da dimensão de cada uma dessas categorias, solicitei via Lei de Acesso à Informação à BHTrans, o órgão que regula o serviço aqui em Belo Horizonte, a relação de todos os taxistas em atividade na cidade. O resultado está no gráfico abaixo:

Como você pode ver, quase a metade dos taxistas em BH pertence à categoria de "associados". São trabalhadores que pagam diárias de R$ 100 a 150 para o permissionário por 12 horas rodando pelas ruas da cidade. Ou seja, pessoas que só começam a lucrar depois de terem feito o suficiente para pagar essa dívida diária, além do combustível. E sem qualquer proteção da legislação trabalhista (aliás, nunca vi ninguém criticando sua exploração econômica pelos permissionários, como fazem com a Uber).

A situação dos taxistas sem licença era tão ruim que muitos deles começaram a migrar para Uber e Cabify. Afinal, muitos passaram a achar melhor ter flexibilidade de horário e repassar 25% de toda a receita para a empresa do aplicativo do que pagar uma diária fixa para o dono da licença do táxi. A liberdade tem um preço, e no caso deles, ele deve ser mais baixo do que o aluguel do táxi.

Taxistas ou rentistas?

Quanto aos taxistas permissionários, o crescimento de serviços como Uber e Cabify não gerou apenas uma queda de receita decorrente da concorrência pelos passageiros. A migração de taxistas associados gerou uma queda no valor das diárias de aluguel e a desvalorização das licenças.

Neste ponto chegamos ao cerne da disputa em torno do PL no. 5.587/2016. Ser "proprietário" de uma licença de táxi não é apenas ser um agente privado prestando um serviço público. É ser, sobretudo, um rentista.

É só fazer as contas: R$ 100 a 150 de diária por 12h dão de R$ 3 mil a 4,5 mil de renda mensal livres, sem precisar pegar no volante. E ainda sobram 12h para rodar no táxi ou até mesmo para alugar o táxi para outro associado.

E além disso existem os ganhos indiretos. Isenção de IPI e ICMS para comprar carros novos a cada 3 anos gera uma renda extra com a sua revenda, além da dispensa de ter que pagar ISSQN sobre seus ganhos e IPVA sobre o veículo. Nas cidades maiores os taxistas também podem comercializar o espaço de seus parabrisas traseiros para publicidade. Essas múltiplas fontes de renda (receitas advindas do taxímetro, das diárias cobradas dos taxistas não permissionárias e da publicidade), combinada com isenções tributárias sobre os veículos e a atividade em si, fazem com que uma licença valha, no mercado negro, de R$ 150 a 450 mil em alguns municípios, segundo consta na justificativa do Dep. Alberto Fraga (DEM/DF) ao PL 2.632/2015.

Ser detentor de uma licença de táxi é algo tão rentável que em muitas cidades existem indivíduos que detêm dezenas delas, obtidas na base do compadrio numa época em que não se exigia licitação.

No caso de Belo Horizonte, o gráfico abaixo mostra que existem algumas frotas com até 30 licenças concedidas para a mesma pessoa jurídica. A regra geral, no entanto, é que as licenças sejam atribuídas a um único CPF. Isso não descarta o boato corrente no mercado de que é comum o uso de laranjas por pessoas que são, de fato, "donas" de várias licenças (se a PF ou a Receita quiserem, não deve ser difícil descobrir boa parte desses laranjas cruzando dados do CPF de permissionários).

A mobilização política em favor do PL no. 5.587/2016 reflete, portanto, uma reação dos permissionários contra a concorrência de Uber e Cabify, que com um novo modelo de negócios e o uso da tecnologia ameaçam o rentismo dos taxistas.

A rapidíssima aprovação do PL expõe uma típica atividade denominada de rent seeking ("busca de renda") pela teoria econômica e política. Estudiosos como Gordon Tullock e James Buchanan, ainda na década de 1960, chamaram a atenção para empresas e grupos de interesses que, em vez de investirem na oferta de melhores produtos e serviços para os consumidores, preferem pagar lobistas, fazer contribuições de campanha ou corromper políticos para garantir privilégios como isenções tributárias, regulação benéfica ou barreiras à entrada de competidores. Com isso, obtêm rendas (daí o termo rent seeking) que são usufruídas por eles, mas pagas pela maioria silenciosa de contribuintes e consumidores.

[Aliás, as isenções tributárias que os taxistas conquistaram com lobby nas instâncias municipal, estadual e federal nos últimos anos torna totalmente sem sentido o argumento de que Uber e Cabify não pagam impostos e, por isso, são clandestinos e exercem concorrência desleal, não?]

A classe dos taxistas é tão eficiente na prática do rent seeking que em 2013 ela conseguiu até incluir numa medida provisória um dispositivo que garante aos permissionários o direito de transmitir a outorga do táxi para seus herdeiros em caso de falecimento dos taxistas. Haveria evidência maior de rentismo do que essa?

Combater empresas como Uber e Cabify no Congresso e nos tribunais, e não na qualidade e no preço de seus serviços, é uma típica atividade de rent seeking dos taxistas  permissionários para eliminar a concorrência e manter sua fonte de renda.

Aliás, o rent seeking exacerbado é outra característica marcante do capitalismo brasileiro. Quantos empresários gastam fortunas com lobby e corrupção para conseguir empréstimos subsidiados, regulação suave, regimes tributários especiais e proteção alfandegária, quando deveriam estar investindo em produtos e serviços melhores para concorrer no mercado nacional e internacional?

Ah, o poder...

Outro importante ator negligenciado nas análises sobre o PL no. 5.587/2016 são os reguladores municipais. Caso o projeto vire lei com a redação atual, toda atividade de empresas como Uber e Cabify no Brasil terá que ser regulada pelas autoridades de trânsito em cada município. Você imagina o poder que será dado aos políticos municipais com essa alteração na lei?

Na década de 1970, economistas da Escola de Chicago como George Stigler, Richard Posner, Robert Barro e Sam Peltzman apontaram que os representantes do Estado não são agentes passivos diante dos pleitos dos grupos de interesses: eles muitas vezes estabelecem as regras do jogo (regulação) levando em conta o que poderão extrair em termos pessoais para si (propinas, promoções, colocação profissional no futuro...). Sabe aquela velha máxima de "criar dificuldade pra vender facilidade"? É disso que estamos tratando aqui.

Atribuir a responsabilidade para autorizar e regular aplicativos de transporte em cada município é dar um imenso poder para representantes do Executivo e do Legislativo decidirem quem, quando, onde e como o serviço será prestado. Aliás, procure saber quando foi a última licitação de licenças de táxis na sua cidade - é uma boa evidência de quanto pode render o poder de uma caneta ao limitar a concorrência.

Afora o agravamento de possibilidades de má regulação e corrupção (não é à toa que a Uber rapidamente expôs as mazelas do serviço de táxi nas principais cidades brasileiras), a aprovação do PL pode matar uma exitosa experiência de não regulação vivenciada no Brasil até agora.

Uber, Cabify e cia estão mostrando que a regulação não precisa ser tão minuciosa e restritiva à concorrência como acontece no serviço dos táxis. De uma só tacada, colocaram a crença de que é necessário que o Estado controle preços (mostrando-se bem mais baratos que os táxis) e também qualidade - os serviços a garantem tanto via avaliação dos motoristas quanto pela segmentação do serviço (UberX, Uberpool, UberSelect e UberBlack estão disponíveis para todos os bolsos e preços).

Se houvesse genuíno interesse dos parlamentares em regular os aplicativos (e reconheço que isso é em parte necessário), isso deveria ter sido feito em termos de tributação, melhorias na segurança jurídica dos motoristas (garantias de contrato no seu vínculo com Uber, Cabify e etc) e direitos dos clientes (requisitos para os motoristas, indenizações em caso de dano, etc.). Atribuir poder regulatório a cada município é dar mais poder a tiranetes de balcão e políticos com uma tendência mafiosa.

Por esses motivos, o PL no. 5.587/2016 só me convence de que somos o país das corporações, do rent seeking e dos reguladores interessados no seu próprio bem-estar. Contra eles, precisamos de mais concorrência, mais inclusão e mais inovação.

PS: Agradeço aos amigos e colegas João Aurélio, Paulo Santa Rosa, Andrei Soares, Guilherme Hamdan, Adriano Gianturco, Pedro Bozzolla e Reinaldo Araújo por muitos insights para a elaboração deste texto.

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Os Fins e os Meios. Mas e os Princípios? Considerações sobre lobbies e medidas provisórias – Primeira Parte.

 

Nas últimas semanas, em meio às tentativas de fazer decolar o seu programa de concessões de rodovias, aeroportos, portos e ferrovias, o Governo Federal tem se esforçado para torná-las mais atrativas para o setor privado. Modificações nas regras vêm sendo negociadas com empresas interessadas (http://oglobo.globo.com/economia/portos-reuniao-da-ebp-com-empresas-gera-polemica-9798870), garantias de “risco zero” são oferecidas aos bancos privados (http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2013/08/1332443-mantega-oferece-risco-zero-aos-bancos-para-tentar-salvar-leilao-de-ferrovias.shtml) e até mesmo um prosaico “pito” foi aplicado às grandes empreiteiras por não terem participado de um leilão (http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mercado/129893-empreiteiras-se-reunem-com-governo-e-levam-pito.shtml).

 

Esse relacionamento às vezes promíscuo entre o setor público e o setor privado foi muito bem explorado num excelente artigo acadêmico escrito recentemente pelos economistas Marcos de Barros Lisboa e Zeina Abdel Latif (disponível infelizmente só em inglês: http://www.insper.edu.br/working-papers/working-papers-2013/democracy-and-growth-in-brazil/).

 

O argumento central dos autores é que o desenvolvimento econômico e a política brasileira são marcados pela estratégia bem sucedida de grupos de interesse privado em obter privilégios e benefícios estatais. A literatura econômica denomina esse processo de rent seeking, ou seja, a busca de agentes privados de apropriar-se da renda pública, muitas vezes por meio de mecanismos e negociações obscuras.

 

Fazendo uma homenagem ao clássico Os Donos do Poder, do jurista Raymundo Faoro, os economistas Lisboa & Latif demonstram como o Estado impulsionou o capitalismo brasileiro procurando solucionar os problemas de falhas de coordenação, falta de financiamento de longo prazo para investimentos, baixa demanda de mercado e carências de infra-estrutura, insumos e bens de capital. Para tanto, uma miríade de políticas discricionárias, como proteções tarifárias e cambiais, incentivos tributários, empréstimos subsidiados, controle de preços, transferências monetárias não-orçamentárias, subsídios cruzados, etc., foi sendo implementada por diversos órgãos governamentais, agências de fomento (Sudene, Suframa, Sudeco, etc.) e bancos públicos (capitaneados principalmente pelo BNDES).

 

Criados sob o pretexto de serem medidas temporárias até que os setores beneficiados adquirissem a envergadura necessária para “alçar voo próprio”, esses incentivos foram se tornando permanentes. Afinal de contas, uma das características dessa estratégia de rent seeking é apresentar benefícios concentrados (ou seja, alguns poucos agentes colhem os seus frutos), enquanto os seus custos são difusos – em outras palavras, todos nós arcamos com o seu preço (com os tributos arrecadados com “o seu, o meu, o nosso” dinheiro).

 

Se acrescentarmos a esse triste cenário o fato de que os tratamentos especiais são concedidos por meio de um emaranhado de normas, baixíssimas transparência e participação popular na fiscalização e quase nenhuma prestação de contas pelos responsáveis, tem-se um quadro perfeito para a ação de lobbiesdesses grupos privados, que acabam se apropriando de parcela considerável dos recursos públicos.

 

Diversos são os exemplos dessa prática de rent seeking no Brasil atualmente. A Receita Federal estima em R$ 71 bilhões o volume de recursos que o Governo Federal abrirá mão em 2013 com incentivos tributários e renúncia fiscal para setores específicos (http://www.sindifisconacional.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=23195:renuncia-fiscal-de-2013-pode-superar-estimativa-da-fazenda&catid=45:na-midia&Itemid=73). Outro exemplo é o chamado “Sistema S” (Sesi, Senai, Sesc, Senac, Sest, Senat, Sebrae, Sescoop, etc.), um verdadeiro universo paralelo que tem natureza pública por ser financiado por contribuições compulsórias cobradas da folha de pagamento, mas é gerido pelo setor privado, reunido nas Confederações de sindicatos patronais. E nunca podemos nos esquecer da ação pouquíssimo transparente do BNDES, cujos empréstimos já passam de 11% do PIB, muitas vezes destinados a grandes grupos privados brasileiros (os chamados “campeões nacionais”) e até mesmo estrangeiros.

 

Os autores do artigo destacam que o jogo político brasileiro é, portanto, caracterizado pela ação de minorias que buscam convencer os representantes governamentais e até mesmo a opinião pública a implementar medidas que atendam às suas demandas. Como os custos dessas medidas não são percebidos pela população (pois são divididos por todos e cobertos pela nossa já elevada carga tributária), é praticamente impossível romper esse quadro, que acaba enfraquecendo nossa própria democracia. Nossa marca registrada é o privilégio – palavra, aliás, que em latim significa “lei privada”, o que é uma contradição em termos, pois a vocação de toda lei é ser geral e abstrata.

 

E é nesse ponto que a economia encontra a política e, assim, atinge o direito. Esses benefícios são obtidos junto à ação dos grupos organizados sobre aqueles que elaboram as políticas públicas e aprovam as leis. O ciclo se fecha quando esses agentes, buscando extrair a renda pública, utilizam os recursos auferidos para financiar campanhas eleitorais, por meio de doações lícitas e ilícitas. Uma vez eleitos, membros dos Poderes Executivo e Legislativo que receberam doações desses grupos privados têm maior propensão a defender seus interesses durante o exercício dos mandatos. E recomeça-se então a ciranda entre lobbies, rent seeking, leis e políticas públicas feitas sob medida para atender interesses privados e doações de campanha.

 

[Sobre esse assunto, vale a pena conferir o trabalho que fizemos para o Movimento Nossa BH em que coletamos dados sobre os doadores oficiais de campanha do prefeito e de todos os vereadores eleitos em 2012 em Belo Horizonte (http://www.nossabh.org.br/up_artigo/de0su8fi6ki3.pdf). A análise dos dados revela importante presença de construtoras, bancos e planos de saúde entre os principais contribuintes.]

 

Pode-se argumentar que, pensando no desenvolvimento do capitalismo brasileiro, os fins justificam os meios. Afinal de contas, o país se industrializou, cresceu e no caso da grave crise financeira de 2008, foi essa estratégia que nos permitiu superá-la.

 

Acontece que, antes de se pensar nos meios e nos fins, não se deve perder de vista os princípios. E, sobre esse assunto, a Constituição Federal, em seu art. 37, preconiza o princípio da impessoalidade na Administração Pública direta e indireta (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm#art3). Também a Lei nº 8.666/1993 (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8666cons.htm), que regula as licitações e os contratos, em seu art. 3º exige respeito aos princípios da isonomia – que é o oposto ao privilégio, a “lei privada”, pois em grego isonomia quer dizer “lei para os iguais”. E já que começamos o artigo tratando de concessões, nunca é demais destacar que essas estão sujeitas, por força do art. 175 da Constituição (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm#art175), à realização de licitações com regras impessoais e isonômicas.

 

Mas o que tudo isso tem a ver com as medidas provisórias? Discutirei sobre isso na próxima postagem, mas ficam aqui duas pistas.

 

A primeira refere-se a duas postagens antigas deste mesmo blog sobre o abuso (ou seria complacência?) na edição dessas normas de caráter especial (http://www.leisenumeros.blogspot.com.br/2010/02/medidas-provisorias-abuso-ou.htmle http://www.leisenumeros.blogspot.com.br/2010/02/medidas-provisorias-abuso-ou_05.html). Apesar de escritas em 2010, a situação permanece inalterada.

 

A segunda indicação é uma notícia veiculada no jornal Valor Econômico de hoje, 26/09/2013 (http://www.valor.com.br/politica/3283790/camara-aprova-mp-que-chegou-com-17-artigos-e-saiu-com-66). Nela percebe-se como o trâmite das medidas provisórias é propício à atuação de grupos de interesses para “contrabandear” benefícios em meio ao caos da tramitação legislativa.
Voltaremos a falar sobre isso em breve. Até lá!