Insper: A Democracia que Queremos - Como Decidir Melhor
A série de três encontros reuniu acadêmicos, políticos e personalidades públicas para uma reflexão sobre o atual sistema democrático brasileiro, seus pontos fortes e fragilidades, e alternativas para o seu aperfeiçoamento.
PROGRAMAÇÃO
30/11/2021
Abertura
Samuel Pessôa, economista, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e sócio da gestora Julius Baer Family Office
Dinheiro e eleições
Bruno Carazza, colunista do jornal Valor Econômico e professor da Fundação Dom Cabral
O presidente ainda decide?
Lorena Barberia, professora do departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo
A decisão dentro do Estado
Carlos Ari Sundfeld, professor titular da FGV Direito SP e sócio da Sundfeld Advogados
Roda de conversa
Bruno Carazza, Lorena Barberia, Carlos Ari Sundfeld e Fernando Schüler, professor titular do Insper
Debate
Ao final das apresentações, haverá uma roda de conversa com a participação do deputado federal Rodrigo Maia e do ex-governador do Espírito Santo Paulo Hartung
Moderação
André Lahóz Mendonça de Barros, coordenador executivo de Marketing e Conhecimento do Insper
https://www.insper.edu.br/agenda-de-eventos/a-democracia-que-queremos-como-decidir-melhor/
https://youtu.be/UhYOcUFLo0A
Por que escolhemos os piores?
Reforma eleitoral merece maior atenção
Por Bruno Carazza. Publicado originalmente no jornal Valor Econômico em 12/07/2021.
Em 2008 a prefeitura de Belo Horizonte realizou uma licitação para a concessão dos serviços de transporte coletivo para os próximos 20 anos. Entre as regras da disputa, havia uma série de requisitos técnicos definidos para, supostamente, filtrar apenas as empresas que possuíssem capacidade financeira e operacional para exercer a atividade com qualidade e segurança. Mas o diabo mora nos detalhes, como diz o chiste comumente atribuída ao arquiteto Ludwig Mies van der Rohe (1886-1969).
O inciso VI do item 8.3.5.1 do edital estabelecia que, para participar do leilão, os interessados deveriam comprovar a disponibilidade de imóveis para abrigarem as garagens dos ônibus a serem utilizados durante a vigência do contrato. O prazo para o atendimento dessa condição era exíguo (a licitação seria realizada em 60 dias), e dada a escassez de terrenos numa cidade do porte de Belo Horizonte, poucas empresas apareceram para o certame. Não por acaso, apenas as concessionárias que já prestavam o serviço apresentaram propostas – as mesmas que, há três gerações, controlam o transporte coletivo na capital mineira.
Seja nas licitações públicas ou nos processos seletivos de empresas, os critérios condicionam as escolhas. E na política não é diferente.
Pesquisa CNI/Ibope realizada em março de 2018, no início da campanha eleitoral daquele ano, indicou as características pessoais mais apreciadas pelos entrevistados em um candidato: ser honesto (87%), nunca ter se envolvido em casos de corrupção (84%) e transmitir confiança (82%). Com relação à sua formação e características profissionais, esperava-se que um aspirante a cargo público conhecesse os problemas do país (89%), tivesse experiência em assuntos econômicos (77%) e possuísse boa formação acadêmica (74%).
Eleição após eleição, porém, selecionamos políticos com perfis muito distantes do desejado pela maioria da sociedade. Para os pessimistas (realistas, alguns dirão), nossos governantes são o retrato do nosso povo. Outros, mais fatalistas, dizem que temos os políticos que merecemos.
Quando se questiona, numa mesa de bar ou em programas de entrevistas, quais as causas para escolhermos vereadores, prefeitos, governadores, deputados, senadores e presidentes tão despreparados para conduzir o país, as respostas em geral apontam para o baixo nível de escolaridade dos eleitores, as práticas de clientelismo e compra de votos, ou a obrigatoriedade de votar.
Mas existe uma razão de fundo que explica melhor a histórica baixa qualidade, na média, dos nossos representantes nos Poderes Executivo e Legislativo dos três níveis da Federação. As legislações partidárias e eleitorais conduzem àquilo que, em economia, chamamos de seleção adversa. Por aqui, a política afasta pessoas bem preparadas e honestas e permite que o jogo seja controlado por indivíduos em geral sem compromisso com a coletividade e, não raro, afeitos à corrupção.
A não ser nos municípios muito pequenos, não é fácil ser eleito para qualquer cargo executivo ou legislativo no Brasil – e isso não acontece porque os requisitos para tanto sejam elevados. Com dezenas de partidos, centenas ou milhares de concorrentes e disputas realizadas em territórios muito grandes ou populosos, não adianta ter bom caráter, conhecimentos acadêmicos, experiência política ou boas ideias para a comunidade ou o país; é preciso ser famoso ou ter acesso a dinheiro para fazer-se conhecido.
Não é por acaso que, se traçarmos um perfil dos parlamentares e chefes do Poder Executivo em todo o Brasil, a maioria se enquadra em pelo menos uma das seguintes categorias: i) ocupam-se profissionalmente da política há décadas, ou são seus herdeiros diretos; ii) têm conexão direta com as cúpulas dos partidos políticos, em geral controladas pelo grupo anterior; iii) são líderes religiosos, sindicais ou, mais recentemente, militares; iv) detêm uma grande audiência, por serem celebridades, comunicadores ou influencers ou v) possuem fortes vínculos com grupos empresariais ou têm condição financeira para bancar suas próprias campanhas.
Pertencer a alguma das categorias acima não quer dizer, de maneira alguma, que um político é, a priori, corrupto ou não trabalha em favor dos interesses da sociedade. O que chama atenção é o fato de que um cidadão ou cidadã, por melhores que sejam as suas ideias e qualidades, dificilmente conseguirá se eleger se não for famoso ou tiver fortes vínculos com as elites partidárias ou econômicas para financiar sua campanha.
Assim como aconteceu na viciada licitação de ônibus em Belo Horizonte, uma intrincada combinação de regras partidárias, eleitorais e de financiamento de campanhas constrói uma barreira à entrada na política brasileira, tão elevada que dificulta sobremaneira a chegada e a ascensão de quadros de melhor qualidade.
Para piorar, essas condições da disputa são definidas por aqueles que delas sempre se aproveitaram. E sempre que um fato externo ameaça sua permanência no poder, tratam de lançar uma nova “reforma política” que lhes beneficia diretamente. Isso aconteceu em 2017, quando a proibição das doações de empresas levou à criação do fundão eleitoral, e está em curso atualmente, pois a cláusula de desempenho e a proibição das coligações ameaçam a sobrevivência de inúmeros partidos de aluguel e seus caciques.
Nesse cenário, o distritão e inúmeras outras mudanças nas normas eleitorais em discussão na Câmara dos Deputados contribuirão ainda mais para a sensação de que nosso sistema político privilegia a escolha dos piores.
As lideranças empresariais brasileiras deveriam reagir à reforma eleitoral de Arthur Lira com a mesma força e virulência com que atacam a tributação de dividendos apresentada por Paulo Guedes. Caso contrário, não adianta dizer, no futuro, que a culpa é do brasileiro que não sabe votar.
Procurando agulha no palheiro
Sistema eleitoral dificulta a seleção de bons quadros
Por Bruno Carazza. Publicado originalmente no jornal Valor Econômico em 21/09/2020.
“Mamãe, não quero ser prefeito, pode ser que eu seja eleito e alguém pode querer me assassinar”. Não existem estatísticas oficiais sobre o número de assassinatos de políticos no Brasil, mas levantamentos realizados pela imprensa indicam que Raul Seixas tinha razão ao gravar Cowboy Fora da Lei em 1986.
No final do ano passado, reportagem de Wellington Ramalhoso no Uol indicava que, entre os prefeitos eleitos em 2016, pelo menos dez haviam sido mortos de modo violento durante o exercício do cargo – quase 0,2% do total, uma probabilidade nove vezes maior do que a de um brasileiro comum ter o mesmo fim. Maiá Menezes e Marcelo Remígio, em texto para O Globo de 23/12/2019, indicaram que, apenas no Estado do Rio de Janeiro, 25 políticos haviam sido assassinados desde 2014 – incluindo o caso mais famoso, da vereadora carioca Marielle Franco, morta em 2017 ao lado de seu motorista, Anderson Gomes.
O medo de amanhecer com a boca cheia de formigas é apenas um dos fatores que afastam da política muitos brasileiros bem preparados, com vontade de contribuir para a coletividade e dotados de boas ideias para melhorar a prestação de serviços pelo Estado. Por temerem seu “lado sujo”, muitos cidadãos acabam canalizando sua energia e sua disposição em servir para atividades de voluntariado, ONGs e movimentos sociais. Outros até tentam concorrer, mas as barreiras à entrada diminuem enormemente as chances de serem bem-sucedidos.
Pesquisa CNI/Ibope realizada em março de 2018 revelou que, apesar de descrente com as eleições, o eleitor brasileiro valorizava candidatos que, idealmente, conhecessem os problemas do país (89%) e possuíssem experiência em assuntos econômicos (77%), boa formação educacional (74%), bom relacionamento com os movimentos sociais (71%) e experiência profissional de sucesso (65%). Do ponto de vista das características pessoais, as mais apreciadas eram honestidade/não mentir em campanha (87%), nunca ter se envolvido em casos de corrupção (84%), inspirar confiança (82%), ter pulso firme (78%) e ser sério/ter postura (74%).
Os números acima contrastam com a historicamente baixa confiança da população no Congresso Nacional e nos partidos, e a avaliação ruim de seu desempenho nas últimas décadas. Supõe-se, portanto, que o sistema eleitoral não esteja sendo eficaz ao cumprir a sua missão de selecionar bons quadros para representar os anseios do cidadão brasileiro.
Esta é a última semana para a inscrição de candidatos para as eleições de 15 de novembro próximo. Nas próximas semanas, teremos a difícil missão de escolher, entre centenas ou milhares, um indicado a prefeito e outro a vereador que sejam bem preparados para mudar a realidade social de nossa cidade. E muito provavelmente, ao nos depararmos com a lista de eleitos logo após a apuração, ficaremos com a sensação de que eles não nos representam.
Existem razões institucionais que levam a esse resultado insatisfatório. Para começar, o número muito elevado de candidatos eleva consideravelmente o custo de avaliar seus atributos e definir o voto. Em 2016, 498.302 pessoas batalharam por um lugar ao sol nas eleições nos mais de 5.500 municípios brasileiros (o que significa uma média de um postulante para cada 200 eleitores). Neste ano, com o fim das coligações para vereador, há a expectativa de que o número seja ainda mais elevado. Encontrar o melhor em meio a tantos aspirantes ao cargo é como encontrar uma agulha no palheiro.
Do ponto de vista de quem se propõe a disputar um cargo eletivo, diferenciar-se em meio a essa multidão exige investimentos pesados em publicidade, cabos eleitorais, redes sociais, corpo-a-corpo com eleitores. Personalidades já conhecidas da política, celebridades e donos de redutos bem definidos (como sindicalistas, líderes religiosos e militares) levam vantagem – assim como pretendentes ricos que dispõem de recursos para arcar com os altos custos.
Três invenções de nossa democracia, em vez de ajudar a nivelar o campo, acabam sendo inócuas ou até mesmo tornando o jogo mais difícil para o concorrente sem vínculos com a política tradicional.
De um lado, os partidos poderiam facilitar a escolha caso tivessem uma linha ideológica e programática bem definida e conhecida. Neste caso, as legendas serviriam como um primeiro filtro para o eleitor, que em seguida só precisaria selecionar, entre seus inscritos, o que melhor correspondesse ao perfil desejado, reduzindo o custo informacional. Porém, no Brasil são dezenas de partidos, e a maioria deles não diz nada à população. No passado dizíamos que os partidos se resumiam a uma sopa de letrinhas, mas eles espertamente estão trocando as siglas por nomes bonitos, mas que também dizem quase nada, como republicanos, democratas, cidadania, rede, patriotas ou novo...
O segundo instrumento que poderia melhorar as condições de competitividade é o horário gratuito no rádio e na TV. Embora essa medida ainda se mostre relevante para a disputa de cargos majoritários em algumas localidades (é verdade que com menor efetividade nestes tempos de TV fechada, streaming e internet), nos pleitos legislativos ele só serve para promover bizarrices.
Por fim, os bilionários fundos eleitoral e partidário, que poderiam suprir a carência de recursos da maioria dos competidores, acabam sendo mais um instrumento de concentração de poder nas eleições. Com a sua distribuição atribuída aos caciques partidários e sem critérios transparentes de alocação entre os candidatos, a maioria das legendas privilegia os amigos do rei (ou seus cônjuges, filhos e netos), reproduzindo feudos e dinastias.
O problema de seleção adversa da política brasileira precisa ser enfrentado com seriedade ao tratar de limites a candidaturas, tamanho dos distritos eleitorais, formas de escolha, redução drástica ou melhores critérios de distribuição dos recursos públicos de campanha e democracia partidária.
Sem eles, a cada dois anos continuaremos com a sensação cíclica de que política não é lugar para gente descente e capacitada para propor soluções para nossos imensos problemas sociais e econômicos.