Bruno Carazza dos Santos

Com a proibição das doações de campanhas feitas por pessoas jurídicas, é provável que o caixa dois e a influência econômica vão aumentar nas eleições brasileiras

Em 1920, com o objetivo de diminuir a violência e a vadiagem, os Estados Unidos aprovaram a 18ª emenda à Constituição, proibindo a fabricação, o comércio e o transporte de bebidas alcóolicas. Após um curto período de apoio popular à medida, logo os americanos passaram a conviver com o crescimento da criminalidade e da corrupção das máfias que controlavam o fornecimento clandestino de bebidas para o consumo ilegal. A medida foi revogada por Roosevelt em 1933.

Em 1984, a Lei nº 7.232 instituiu a reserva de mercado de informática, limitando severamente a importação de equipamentos e programas desenvolvidos no exterior, com o fim de estimular a produção nacional. O tiro saiu pela culatra, e quem precisava de um computador naquela época tinha que pagar caro por um produto nacional defasado (alguém aí se lembra do MSX ou dos computadores Cobra?) ou recorrer ao contrabando ou à pirataria.

Toda vez que um ato do governo provoca uma restrição artificial na oferta de determinado produto (de bebidas alcóolicas a computadores), sem qualquer medida para reduzir a demanda, são três os resultados mais prováveis: i) o aumento do preço do produto; ii) o florescimento de um mercado paralelo para continuar ofertando o bem ilegalmente; iii) a busca do consumidor por produtos substitutos, muitas vezes inferiores.

Em novembro de 2015, o Supremo Tribunal Federal decidiu proibir as doações de empresas para campanhas eleitorais e partidos políticos. Trata-se de uma decisão que seca a fonte de 75% do dinheiro movimentado nas últimas eleições. Uma severa restrição à oferta de financiamento eleitoral, portanto.

As eleições são um mercado em alta no Brasil. No gráfico abaixo é possível ver que as arrecadações de campanha praticamente triplicaram sua participação no PIB brasileiro desde 1994, considerando apenas as eleições gerais (para Presidente, Senadores, Deputados Federais, Governadores e Deputados Estaduais/Distritais).

Participação das doações eleitorais de pessoas físicas e jurídicas no PIB brasileiro nas eleições de 1994 a 2014

Sem título

Fonte: Elaboração própria a partir do banco de dados do pesquisador David Samuels (1994 e 1998) e de informações do Repositório de Dados Eleitorais do TSE (2002 em diante).

Esse crescimento exponencial no dinheiro envolvido nas eleições deve-se a características estruturais que pressionam a demanda por financiamento. Pelas características do sistema eleitoral brasileiro, as disputas pelo voto são realizadas em distritos eleitorais muito vastos geograficamente ou muito populosos. Para os cargos majoritários (Presidente, Governador e Senador), isso tem exigido gastos crescentes com programas de TV e rádio, conteúdo para internet, telemarketing e pesquisas de opinião – que são serviços muito caros. Para os cargos proporcionais (Deputados Estaduais e Federais), a eleição é cara porque é personalista, pois nossos partidos têm pouca identificação ideológica e a disputa é feita com lista aberta, em que candidatos disputam com os rivais de outras legendas e do seu próprio partido. Logo, para ganhar votos é preciso fazer corpo a corpo para fixar seu nome junto ao eleitorado – e tome santinhos, cavaletes, comícios, carros de som e balançadores de bandeiras nos sinais. O resultado disso é que a demanda por financiamento de campanha é crescente, pois o “preço” do voto eleva-se a cada eleição:

Valores médios arrecadados por voto obtido pelos candidatos vencedores nas eleições de 2002 a 2014

crescimento

Nota: Valores deflacionados pelo IPCA até janeiro de 2016.

Fonte: Elaborado pelo autor a partir de informações do Repositório de Dados Eleitorais do TSE.

Ora, se o STF proibiu as doações de empresas e não houve nenhuma mudança significativa para aplacar a demanda por dinheiro para cobrir os gastos de campanhas (a Lei nº 13.165/2015, destinada a esse fim, não faz nem cócegas nos problemas estruturais apontados acima), espera-se que ocorra um cenário bem parecido com o observado na Lei Seca americana ou na reserva de mercado de informática no Brasil dos anos 1980.

Quando se reduz a oferta, mas a demanda é mantida constante, o primeiro efeito é a elevação do preço do produto. No caso do financiamento eleitoral, partidos e candidatos vão aumentar a procura por recursos vindos das fontes legais: Fundo Partidário, doações de pessoas físicas e recursos dos próprios candidatos. No primeiro caso, a dotação orçamentária para distribuição aos partidos vem crescendo em ritmo forte a cada ano (foi de R$ 313,5 milhões em 2014 e estão previstos R$ 819 milhões na Lei Orçamentária deste ano), mas mesmo assim os candidatos terão que beijar a mão dos caciques partidários regionais para ter direito a uma parcela dessa bolada – agravando ainda mais a grande oligarquização que caracteriza os partidos brasileiros.

Quanto às doações de pessoas físicas e aos recursos próprios dos candidatos, já escrevi aqui que a tendência é de uma influência do dinheiro ainda maior nas próximas eleições – pois sendo ele escasso, mais “caro” os doadores e os candidatos milionários vão cobrar pelo seu “apoio”, e isso poderá se refletir em mais corrupção e tráfico de influências.

Além do aumento de preços, uma restrição brusca na oferta de financiamento eleitoral certamente fomentará o caixa dois nas campanhas eleitorais – o equivalente à máfia de Al Capone ou ao contrabando de computados nas décadas de 1980 e 1990. Se até a impoluta senadora Marina Silva está sendo acusada de negociar doações ilegais em sua campanha de 2010 por empreiteiros envolvidos na Lava Jato, o que esperar dos milhares de candidatos e dezenas de partidos que não poderão mais recorrer a doações oficiais de empresas?

É preciso destacar que a decisão do STF de proibir o financiamento empresarial de campanhas não veio acompanhada de qualquer reforço para a investigação e a condenação dos praticantes de caixa dois. No primeiro caso, o Ministério Público Eleitoral não dispõe sequer de estrutura própria – funciona com membros dos Ministérios Público Federal e Estadual designados provisoriamente para exercer a função de intervir no processo eleitoral. A Justiça Eleitoral, por sua vez, tem mais de 50% de sua mão-de-obra composta por servidores requisitados de outros órgãos ou Poderes, terceirizados e estagiários, segundo a última edição do anuário Justiça em Números do Conselho Nacional de Justiça. Diante desse cenário, não é de se admirar que apenas 3.004 ações que tramitaram em 2014 na Justiça Eleitoral tenham versado sobre crimes eleitorais, o que representa meros 0,64% do total desse ramo da Justiça.

Por fim, a restrição na oferta de financiamento eleitoral pode levar os partidos a procurarem substitutos mais baratos – no caso, candidatos que podem trazer grande volume de votos sem necessitar de grandes investimentos em campanha. Assim, outro efeito esperado da proibição de doações empresariais é um protagonismo ainda maior de candidatos com grande exposição midiática, como celebridades, radialistas, apresentadores de TV e líderes religiosos.

As eleições de 2016 serão um grande teste para verificar como o “mercado eleitoral” brasileiro se comportará diante da proibição das contribuições de campanhas feitas por pessoas jurídicas. Porém, sem reformas significativas no sistema eleitoral e no combate ao caixa dois, estou bastante pessimista com o resultado. Ao contrário do que previa o Deputado Federal Tiririca (ele mesmo um subproduto desse sistema), vai ficar pior do que já está.

 

Para saber mais:



 

Nota: Parte das ideias desta postagem estão expostas na minha tese de doutorado, que será defendida no dia 08/07/2016, às 9hs, na Sala da Congregação da Faculdade de Direito da UFMG (Av. João Pinheiro, 100, Centro, BH/MG).

Convido a todos os interessados a participarem, principalmente porque a Banca Examinadora é excepcional, combinando professores de relevo do Direito, da Economia e da Ciência Política:

Profa. Dra. Amanda Flávio de Oliveira (Faculdade de Direito da UFMG – Orientadora);
Prof. Dr. Onofre Alves Batista Júnior (Faculdade de Direito da UFMG);
Prof. Dr. Leandro Novais e Silva (Faculdade de Direito da UFMG);
Prof. Dr. Bruno Pinheiro Wanderley Reis (Departamento de Ciência Política / Fafich / UFMG);
Prof. Dr. Marcos de Barros Lisboa (Insper); e
Prof. Dr. César Costa Alves de Mattos (Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados).