Pesquisa revela o que o brasileiro pensa sobre o lobby

Por Bruno Carazza. Publicado originalmente no jornal Valor Econômico em 13/09/2021

 

Existem diversas hipóteses para explicar a instabilidade política e o baixo crescimento econômico, fenômenos crônicos de nossa história, uma delas é nossa incrível capacidade de não extrair lições a cada crise que abala o país. Enquanto dissipamos nossa energia cívica em disputas ideológicas e eleitorais perdemos oportunidades de aperfeiçoar nossas instituições, até que um outro escândalo nos engolfa novamente.

Na última sexta-feira (10/09), o ministro da Justiça, Anderson Torres, reuniu-se em São Paulo com a diretoria da Federação Nacional dos Bancos, a Febraban. A justificativa oficial dada pela instituição foi que o objetivo era “iniciar tratativas para criação da Estratégia Nacional de Combate ao Crime Cibernético”. Difícil acreditar.

Anunciado poucas horas antes, o encontro se deu no dia seguinte às manobras de Michel Temer para acalmar o presidente (e o mercado) – e é bom lembrar que a Febraban havia rachado a respeito dos atos de Sete de Setembro insuflados por Bolsonaro. Contudo, provavelmente nunca saberemos o que exatamente foi tratado entre o ministro e os banqueiros, pois a reunião foi realizada a portas fechadas, sem a presença da imprensa.

No Senado, a CPI retoma seus trabalhos nesta semana tentando esclarecer as negociações nebulosas entre lobistas da Precisa Medicamentos e autoridades do Ministério da Saúde a respeito do contrato bilionário de compra da vacina Covaxin.

Ambos os casos ilustram como, em conversas travadas entre quatro paredes e longe do escrutínio da imprensa e da sociedade em geral, é difícil distinguir legítima defesa de interesses e tráfico de influência no Brasil. Na penumbra dos vínculos que se formam entre representantes do setor privado e agentes públicos, tudo parece toma-lá-dá-cá ou corrupção.

Nesse sentido, é bastante oportuna a divulgação de uma investigação inédita buscando entender como a população percebe o lobby no Brasil. Atendendo a uma solicitação do senador Antonio Anastasia (PSD-MG), o Instituto DataSenado – um setor específico do Senado Federal que realiza pesquisas de opinião pública, enquetes e análises para subsidiar o trabalho parlamentar – foi a campo no período de 28/04 a 04/05/2021 para entrevistar, por telefone, 3.000 pessoas com 16 anos ou mais, segundo o perfil demográfico do país.

Contando com a colaboração dos pesquisadores Manoel Santos (UFMG) e João Victor Guedes-Neto (University of Pittsburgh), dois dos maiores especialistas brasileiros no assunto, a pesquisa acaba de sair e traz resultados instigantes (a íntegra pode ser obtida aqui: https://bit.ly/3tBwqo7).

Segundo a apuração, os grupos mais influentes na política brasileira hoje em dia na visão dos entrevistados são o agronegócio (76% consideram que o setor influencia muito a aprovação de leis no Congresso) e os bancos (68%), ambos bem à frente dos sindicatos de trabalhadores (43%) e dos brasileiros em geral (36%).

Ao contrário do que indica o senso comum, a maioria dos entrevistados considera o lobby ou a tentativa de influenciar o Legislativo como algo positivo – dependendo de como a pergunta foi feita, um grupo de apenas 20% a 25% vê a prática como lesiva. Mas tudo depende da intenção: se a pressão é feita para abrir novos mercados, 88% consideram aceitável, enquanto apenas 9% reprovam a prática. Se o que está em jogo, contudo, é a obtenção de financiamentos e subsídios, a aprovação cai para 54%, enquanto 40% dos entrevistados condenam a conduta.

Isso não significa, entretanto, que a atividade não deva ser regulamentada: em torno de 70% dos respondentes é a favor de que os contatos de autoridades públicas com representantes de grupos de interesses, empresas, ONGs ou sindicatos devam ser registrados e tornados públicos para que a sociedade tenha conhecimento do que se passa nos gabinetes, escritórios e restaurantes de Brasília, São Paulo ou qualquer lugar em que se reúnam agentes públicos e privados.

Seminário na Câmara dos Deputados sobre regulamentação do lobby, em 2016. Foto: Luis Macedo / Câmara dos Deputados

 

No mundo todo existe uma profusão de modelos para se disciplinar o lobby, as relações institucionais ou a representação de interesses – o nome da prática é o que menos importa. Como demonstra a análise comparada feita por Santos e Cunha (2015), dos modelos mais rígidos, como o norte-americano, até regulações mais simples e desburocratizadas como as implementadas no Chile e na União Europeia, há um amplo caminho para se ampliar a transparência da atividade no Brasil.

Atualmente tramita na Câmara e no Senado pelo menos uma dezena de projetos de lei com o objetivo de regulamentar o lobby, todas buscando jogar luz sobre as relações público-privadas por meio de propostas como obrigatoriedade de se publicar agendas, atas e transcrições de encontros, registro de profissionais e das empresas que representam, quarentena mínima para autoridades públicas mudarem de lado do balcão, entre outros tópicos.

Entre as inúmeras histórias que ilustram os loopings recorrentes da política brasileira, uma das minhas favoritas é lembrar que, no auge do escândalo dos Anões do Orçamento, em 1993, o principal lobista que representava os interesses de Emílio Odebrecht em Brasília chamava-se Cláudio Melo. Mais de duas décadas depois, com a Lava Jato, ficamos sabendo que num famoso encontro para decidir financiamento de campanhas em 2014 o então vice-presidente da República, Michel Temer, recebeu no Palácio do Jaburu dois representantes da construtora baiana: Marcelo Odebrecht e seu lobista em Brasília, de nome Cláudio Melo Filho. No Brasil, a influência econômica na política passa de pai para filho em todos os níveis.

A principal mensagem da pesquisa do Instituto DataSenado é que o brasileiro preza a transparência e quer saber se (ou melhor, como) o dinheiro e a política corroem nossa democracia, seja por meio da corrupção na compra de vacinas, do financiamento das fake news ou das articulações a favor de golpes. Regular o lobby seria um legado importante desta crise institucional em que vivemos – até para minimizar o risco de ela vir a se repetir daqui a alguns anos.