Governos fracos têm dificuldade em atrair quadros

Por Bruno Carazza. Publicado originalmente no jornal Valor Econômico em 25/10/2021.

 

Existem muitas métricas para se demonstrar o enfraquecimento de um governo. A ciência política trabalha, por exemplo, com o número de votos recebidos em votações importantes no Congresso, a quantidade de vetos presidenciais derrubados ou a quantidade de medidas provisórias rejeitadas pelos parlamentares. Há indicadores mais sutis, porém.

O palco havia sido armado com a intenção de prestigiar Paulo Guedes, alvo de ataques e especulações durante toda a semana. O presidente da República saiu do Palácio do Planalto para visitar o ministro da Economia e participar ao seu lado de uma coletiva na imprensa. A postura de Jair Bolsonaro no evento da última sexta-feira (22/10), contudo, sugeriu exatamente o contrário.

Enquanto Paulo Guedes, por quase 25 minutos, tentava justificar o duplo carpado invertido em suas posições econômicas para derrubar o teto e, assim, viabilizar a estratégia eleitoral de seu chefe, Bolsonaro permanecia impassível, com o olhar perdido no horizonte. Mesmo quando o ministro negou que seu cargo esteve a perigo, ou minimizou os embates entre a equipe econômica e a base política do governo, o presidente sequer balançava a cabeça em sinal de aprovação.

O único sorriso presidencial veio quando Paulo Guedes divulgou que nomearia André Esteves como seu número 2 no ministério – ato falho, ele estava se referindo a Esteves Colnago, e não ao banqueiro do BTG. Feito o anúncio, o presidente se levantou e partiu, abandonando um solitário Paulo Guedes para se defender das perguntas embaraçosas dos repórteres.

Faz tempo que Paulo Guedes deixou de ser unanimidade em Brasília. À insatisfação com as muitas promessas não cumpridas somaram-se o retorno de velhas preocupações, como a inflação e a estagnação do crescimento, e mais recentemente a impaciência com a demora em apresentar soluções para as demandas eleitoreiras do presidente.

Ocupar o gabinete do 5º andar do Bloco “P” da Esplanada dos Ministérios pode ser visto como a coroação de uma longa carreira ou o trampolim para posições muito bem remuneradas no mercado financeiro. Não é à toa que Paulo Guedes batalhou tanto, ao longo de toda a sua vida, para assumir o lugar que ocupa hoje. Antes de Bolsonaro, o “posto Ipiranga” havia se oferecido a Dilma Rousseff e a Luciano Huck, quando o apresentar cogitou entrar na disputa eleitoral de 2018. E é por isso que ele resiste tanto a largar o osso.

Embora Guedes se recuse a admitir, emissários palacianos e do Centrão foram a campo na semana passada em busca de um nome para substituí-lo. E é aqui que reside aquele outro indicador da fraqueza de um presidente da República que mencionei no início do texto: a dificuldade de encontrar quem se disponha a assumir um cargo importante em seu governo.

Se o cargo de ministro da Economia traz tanto prestígio, poder e, no futuro, dinheiro, não deveriam faltar interessados em assumir a missão de comandar a economia do país. O fato de Bolsonaro e a turma de Ciro Nogueira e Arthur Lira não terem achado candidatos dispostos a ocupar a cadeira de Paulo Guedes é o maior indicativo de que os melhores economistas e financistas do país não querem manchar o seu currículo com essa experiência.

Com os fundamentos internos (câmbio, inflação, contas públicas e taxa de juros) completamente descontrolados, um cenário externo adverso e um presidente com popularidade em baixa, são reduzidas as chances de identificar alguém com credibilidade para restaurar a confiança na economia brasileira – e assim Guedes vai ficando.

Mas essa fragilidade em nomear especialistas de renome para oxigenar os quadros do governo não se limita ao primeiro escalão. Mesmo no Ministério da Economia, uma pasta que costuma ser poupada do toma-lá-dá-cá dos apadrinhamentos políticos, nota-se uma grande dificuldade em atrair sangue novo do mercado ou da academia para a equipe econômica.

Paulo Guedes teve carta branca de Bolsonaro para montar o seu time no então chamado superministério da Economia. Para isso trouxe os chamados “Chicago Oldies” (Rubem Novaes, Roberto Castello Branco, Joaquim Levy e outros amigos próximos) e executivos do setor privado (Salim Mattar, Roberto Campos Neto, Paulo Uebel, Carlos da Costa, Caio Megale, etc.). A escalação foi completada com técnicos herdados da área econômica do governo Temer (Mansueto Almeida, Waldery Rodrigues, Esteves Colnago, Marcelo Guaranys, etc.), muitos deles servidores públicos de carreira.

Entrevista coletiva do secretário Esteves Colnago. Foto: Washington Costa/ASCOM/ME

Ao longo destes quase três anos de mandato, já são muitas as baixas na equipe de Guedes. Seja por determinação expressa de Bolsonaro ou por discordância com a resistência do presidente em implementar o prometido programa liberal, quase duas dezenas de secretários do Ministério ou presidentes de autarquias ou estatais pediram para sair ou foram sumariamente demitidos.

Em quase todas as substituições, Paulo Guedes foi obrigado a recorrer a soluções internas para ocupar os cargos vagos – o que demonstra que ele próprio tem sofrido para encontrar no mercado técnicos dispostos a auxiliá-lo.

A última vez que Guedes convenceu um executivo do setor privado a fazer parte de sua equipe foi em 22/09/2020, quando André Brandão, ex-HSBC, aceitou assumir a presidência do Banco do Brasil no lugar de Rubem Novaes. A experiência, porém, durou pouco: Brandão pediu demissão pouco mais de três meses após a posse.

Na semana passada, Bruno Funchal (Secretário Especial do Tesouro e Orçamento) e Jeferson Bitencourt (Secretário do Tesouro) pediram o boné e foram embora. Paulo Guedes, acuado, optou por uma saída caseira, promovendo, respectivamente, Esteves Colnago e Paulo Valle, ambos servidores concursados, com amplo conhecimento da máquina pública e acostumados a carregar o piano, independentemente se o presidente é de direita, centro ou esquerda.

Como sempre acontece quando a bomba ameaça estourar e os governos se tornam fracos, são servidores públicos de carreira, com perfil técnico e senso de responsabilidade para com o país, que vão para o sacrifício para evitar o caos.