Resolução de Paulo Guedes pode facilitar mineração na Amazônia

Por Bruno Carazza

 

Grandes negociatas, isenções bilionárias e anistias regulatórias muitas vezes são concedidas longe do Congresso Nacional, às vezes em despachos perdidos no meio de uma edição qualquer do Diário Oficial da União.

Quem consultar a página 14 da Seção 1 do Diário Oficial de hoje, 04/08/2020, vai encontrar a Resolução CPPI nº 126, de 10 de junho de 2020.

Uma resolução de um órgão como tantos outros, o Conselho do Programa de Parcerias de Investimentos. Mas não um órgão qualquer: o Conselho do PPI é um dos trunfos de Paulo Guedes para atrair investimentos no país.

Vale atentar para a data da referida resolução: 10 de junho de 2020. Uma medida editada há quase dois meses, só tornada pública agora. Estranho? Não se você se lembrar da fixação de Bolsonaro com o nióbio da Amazônia durante a campanha eleitoral.

Pois bem, essa resolução propõe a criação de uma “Política de Apoio ao Licenciamento Ambiental de Projetos de Investimentos para a Produção de Minerais Estratégicos”. Chamado de “Pró-Minerais Estratégicos”, esse novo programa, nas suas palavras, “tem a finalidade de articular ações entre órgãos públicos no sentido de priorizar os esforços governamentais para a implantação de projetos de produção de minerais estratégicos para o desenvolvimento do país”.

Bolsonaro e o ministro da Economia Paulo Guedes em reunião em maio de 2019. Foto: Isac Nóbrega/PR

Segundo a proposta de Guedes, projetos de mineração poderão ser habilitados a ter um tratamento especial para a obtenção de um “fast track” no licenciamento ambiental caso se enquadrem em alguma dessas condições:

1) Seja um mineral do qual “setores vitais da economia” dependem de sua importação;

2) Seja importante para produtos e processos de alta tecnologia; ou

3) Seja uma área na qual o Brasil possua vantagens comparativas e essencial para o superávit de nossa balança comercial.

Como se vê, as condições acima são tão amplas que cabe praticamente tudo nelas: minério de ferro, bauxita, cobre, níquel, fósforo, potássio, óxidos de terras-raras, e, claro, o nióbio.

Também não precisa ser muito esperto para imaginar onde está a maior parte das reservas desses minerais:  Amazônia.

Segundo a resolução de Guedes, bastará aos interessados preencher um simples formulário para o projeto ser analisado por um comitê interministerial, que decidirá pela sua inclusão no Programa de Parcerias de Investimentos do governo. O PPI foi criado em 2016 por uma medida provisória editada por Michel Temer, depois convertida na Lei nº 13.334/2016, e concede prioridade para a análise de projetos estratégicos em órgãos federais, estaduais e municipais, com vistas a agilizar a liberação de licenças, autorizações e permissões – inclusive na área ambiental.

O Comitê Interministerial de Análise de Projetos de Minerais Estratégicos (CTAPME), que decidirá sobre a aprovação dos projetos mineradores, será composto por representantes dos seguintes ministérios:

1) Ministério das Minas e Energia, a quem caberá a coordenação do grupo;

2) Gabinete de Segurança Institucional;

3) Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência;

4) Secretaria do PPI, do Ministério da Economia;

5) Ministério da Ciência e Tecnologia (que opinará apenas sobre minerais importantes em produtos de alta tecnologia).

Além de ser dominada por militares (chama a atenção que a coordenação do Comitê não está com Paulo Guedes), a composição do Comitê chama atenção, principalmente, pelas ausências. Você sentiu falta do Ministério do Meio Ambiente, ou de qualquer órgão da área ambiental? Pois é, não fazem parte do Comitê. E o Conselho Nacional da Amazônia Legal, comandado pelo vice-presidente Hamilton Mourão? Também ficou de fora.

É importante destacar, porém que a decisão final sobre a criação dessa política e desse comitê que facilitará a concessão de licença ambiental para empreendimentos de mineração em todo o Brasil, mas em especial da Amazônia, caberá a Bolsonaro.

Mas é recomendável que ambientalistas e todo o movimento de investidores internacionais, fundos verdes, grandes empresários brasileiros e ex-ministros do Meio Ambiente e da Fazenda que lançaram recentemente uma série de notas de repúdio e cartas públicas pela defesa da Amazônia comecem a ficar atentos ao que se passa nas entrelinhas do Diário Oficial. Grandes retrocessos na política ambiental podem estar acontecendo por lá sem que (quase) ninguém perceba.

Segue a íntegra da Resolução:

https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?data=04/08/2020&jornal=515&pagina=14&totalArquivos=103