O presidencialismo de coalizão está de volta

Por Bruno Carazza. Publicado originalmente no jornal Valor Econômico em 25/01/2021.

 

Arthur Lira (PP) ou Baleia Rossi (MDB)? Simone Tebet (MDB) ou Rodrigo Pacheco (DEM)? A disputa para o comando da Câmara e do Senado entra na semana decisiva, e o envolvimento direto do presidente da República nas negociações comprova que tudo voltou ao normal na política brasileira.

A Lava Jato abalou as estruturas do sistema partidário, e a eleição de Bolsonaro foi anunciada como o fim da “velha política”. Apenas dois anos depois, o presidencialismo de coalizão, explicado lá atrás, em 1988, por Sérgio Abranches, dita mais uma vez o ritmo de funcionamento da nossa instável democracia.

A partir da próxima segunda-feira (01/02) o destino do país estará nas mãos de filhos de políticos tradicionais – Benedito de Lira, Wagner Rossi e Ramez Tebet. Pacheco, por sua vez, vem de uma família de proprietários de empresas de ônibus, um setor tradicionalmente dependente e credor de poderosos. Brasília girou, girou, e parou no mesmo lugar.

Também não é estranho que os quatro principais candidatos à presidência das Casas Legislativas venham de partidos herdeiros dos dois grandes blocos conservadores sob os quais se estruturou nosso sistema político desde a ditadura militar. Enquanto PP e DEM são filhos legítimos da Arena, o MDB de hoje, apesar de ter se despido do “P”, nunca deixou de ser o que restou de mais retrógrado da legenda original de Ulysses Guimarães e Tancredo Neves.

Como um pêndulo, todos os presidentes brasileiros desde a redemocratização tiveram que recorrer aos filhotes da velha Arena ou do velho PMDB para se equilibrar no poder – embora nem todos tenham conseguido completar a travessia sem cair.

 

Sarney convocou, em diferentes momentos, caciques como Jorge Bornhausen, Hugo Napoleão e Prisco Viana (todos egressos da Arena) e Iris Rezende (PMDB) para tentar dar base de sustentação ao Plano Cruzado (1986), influenciar a nova Constituinte para obter um quinto ano de mandato (1987/1988) ou abafar uma CPI e um pedido de impeachment (1989).

Quando as denúncias de corrupção começaram a pipocar, no início de 1992, Collor, que se elegeu prometendo que “um novo tempo iria começar”, trouxe para seu governo raposas como Célio Borja, Affonso Camargo e Reinhold Stephanes. Tudo em vão.

Fernando Henrique se elegeu anunciando uma “aliança programática” do PSDB com o PFL (atual DEM). Porém, à medida em que as reformas emperravam, ou a sua popularidade afundava com as denúncias de compra de votos para a reeleição e as crises do Real, teve que ir fazendo concessões e abrigar em seu ministério figuras como Renan Calheiros (Ministro da Justiça), Eliseu Padilha (Transportes) e Ney Suassuna (Integração Nacional).

Lula e o PT também chegaram ao Planalto garantindo renovação, mas já ao fim do primeiro ano tiveram que aceitar Eunício Oliveira e Alfredo Nascimento. Veio o mensalão e embarcaram Saraiva Felipe, Hélio Costa, Márcio Fortes e Silas Rondeau e companhia limitada. No segundo mandato ainda se juntaram Carlos Lupi, Geddel Vieira Lima e Wagner Rossi – tudo em nome da governabilidade.

Dilma já iniciou seu mandato com um amplo ministério que mesclava petistas-raiz com uma ampla base onde cabiam Edison Lobão, Garibaldi Alves, Fernando Bezerra, Mário Negromonte, Carlos Lupi e Alfredo Nascimento. Quando sua popularidade despencou, teve que nomear Marcelo Crivella, Gilberto Kassab, Helder Barbalho, Armando Monteiro e Henrique Eduardo Alves. Nada disso impediu sua queda no início de 2016.

A história brasileira demonstra que crises econômicas, aprovação popular em baixa e dificuldades de sustentação no Congresso sempre forçam o presidente da República a ceder à “velha política” – representada tanto pelo Centrão quanto pelo “pemedebismo”, como diria Marcos Nobre, atual presidente do Cebrap e que por muito tempo ocupou este espaço.

Deputado Arthur Lira (PP/AL), favorito para a presidência da Câmara dos Deputados. Foto: Najara Araujo/Câmara dos Deputados

 

Desde a posse, Bolsonaro mexeu pouco no seu time, na maioria das vezes motivado por intrigas internas (Bebianno, Santos Cruz, Abraham Weintraub e Marcelo Álvaro Antônio) ou desentendimentos com o ex-capitão (Mandetta e Moro). À exceção da nomeação de Fábio Faria, até hoje o presidente resistiu a abrir as portas de seu primeiro escalão para construir alianças partidárias.

Com índices de rejeição em alta e os colapsos na saúde e na economia, Bolsonaro certamente terá que engolir em seco e fazer como todos os seus antecessores para dissipar a tempestade perfeita que se forma no horizonte.

Olhando o ministério atual, há postos cativos de militares, evangélicos, olavistas, agronegócio e da predileção pessoal do presidente – além de Paulo Guedes, que anda bastante sumido ultimamente. Numa eventual reforma ministerial, pastas com grande orçamento em tempos de pandemia e de uma eventual terceira onda do auxílio-emergencial serão bastante cobiçadas pelo Centrão: Saúde, Educação e Cidadania.

Independentemente de quem vença as eleições para as presidências da Câmara e do Senado na próxima semana, Bolsonaro certamente sairá perdendo.