Infelizmente, no Brasil, a morosidade das instituições, os longos trâmites processuais e o desinteresse da mídia atuam contra a responsabilização da empresa.

O que aconteceu em 2001 em Macacos com a Mineração Rio Verde vai se repetir em Mariana, com a Samarco?

A tragédia em Bento Rodrigues, subdistrito de Mariana/MG, está nas manchetes de todos os jornais, em reportagens de TVs e nas postagens de redes sociais. O rompimento da barragem de rejeitos da Samarco, uma sociedade entre duas das maiores mineradoras do mundo (Vale e BHP-Billiton), vem suscitando uma grande discussão sobre os efeitos deletérios da mineração sobre o meio ambiente. Este pequeno texto concentra-se em outro aspecto, que acredito que está sendo pouco explorado: a responsabilização da empresa pelo ocorrido.

Obviamente que um acidente de tais dimensões exige tempo para ter todas as suas causas e responsáveis elucidados. Mas o funcionamento das instituições (principalmente o Ministério Público e o Poder Judiciário) é fundamental não apenas para que os danos (ambientais, patrimoniais, morais, etc.) sejam reparados devidamente, mas que sirvam de sinalização para que as demais empresas se tornem mais zelosas no exercício de suas atividades no futuro.

Afinal, condenações aplicadas tempestivamente sobre a empresa e seus responsáveis, em valores que levem em conta todos os prejuízos causados à sociedade e ao meio ambiente, são um recado para que outras não incorram nos mesmos erros e novas tragédias não venham a se repetir.

O problema é que o tempo atua contra a coletividade no Brasil. À medida que o assunto vai perdendo apelo para a mídia, a pressão sobre as autoridades diminui naturalmente, e a longa via crucis processual brasileira costuma atuar a favor dos infratores da lei.

Logo que ouvi as primeiras notícias sobre o rompimento da barragem em Mariana, me lembrei de um acidente similar ocorrido há alguns anos bem próximo a Belo Horizonte. Como a mídia no Brasil costuma deixar de acompanhar os grandes casos à medida que o tempo passa, sem revelar se houve punição ou não dos envolvidos, decidi ir atrás do que aconteceu com esse outro acidente com barragem de uma mineradora em Minas Gerais.

Em 22/06/2001, rompeu-se a barreira de um reservatório de rejeitos da Mineração Rio Verde Ltda. na região de Macacos (São Sebastião das Águas Claras) em Nova Lima, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, gerando um rastro de quilômetros de destruição que foi apontado como um dos maiores acidentes ecológicos em Minas Gerais até então (veja reportagem da época).

Além dos graves danos ambientais (dois córregos e uma área de 79 hectares de Mata Atlântica foram soterrados pela lama), 5 funcionários da empresa morreram em decorrência do acidente: Ronaldo Ferreira Resende, Omero Faustino Leonidio, Renam Fernandes da Silva, Clovis Medina e Silvomar da Silva Santos. Um dos corpos nunca chegou a ser encontrado.

Os transtornos para os moradores da região também foram significativos: a estrada que era a principal via de acesso à localidade ficou interditada por 10 meses, uma adutora de água foi destruída e o turismo na região foi comprometido – Macacos é um importante destino de passeio e descanso para os moradores da região metropolitana.

Para verificar quais foram as consequências judiciais do caso, decidi ir atrás dos documentos disponíveis na internet para verificar o que aconteceu. Trata-se, portanto, de uma análise preliminar, pois não tive acesso aos processos. Mas, na medida do possível, me baseio em documentos oficiais disponíveis.

No primeiro estágio do processo, o Ministério Público Estadual levou 17 meses para investigar o ocorrido e apurar as responsabilidades. Somente em 30/11/2002 ele apresentou a denúncia à Justiça, pedindo a condenação de dois sócios-diretores da empresa (Pedro Melo Lima e João Lúcio Melo Lima), do gerente ambiental da mineradora (Mauro Lobo de Resende), de um fiscal da Fundação Estadual do Meio Ambiente – Feam que teria sido negligente na sua atribuição de fiscalizar a obra (Braz Maia Júnior) e da própria Mineração Rio Verde.

A sentença em primeiro grau, do juiz Juarez Morais de Azevedo, titular da Vara Criminal e Infância e Juventude de Nova Lima/MG, foi proferida em 15/05/2007. Ou seja, praticamente 4 anos e meio depois da denúncia e quase 6 anos depois do acidente.

Na sentença, o juiz absolveu um dos diretores da empresa (João Lúcio Melo Lima), por entender que trabalhava na área comercial da empresa e não teve participação no acidente, e reconheceu um acordo (transação penal) feito pelo fiscal da Feam (Braz Maia Júnior) com o Ministério Público. Porém, condenou por crimes ambientais o outro sócio-diretor (Pedro Melo Lima) e o gestor ambiental (Mauro Lobo de Resende) a 4 anos de prisão e ao pagamento de 20 salários mínimos, a serem rateados entre as famílias dos falecidos no acidente. A mineradora Rio Verde também foi condenada a construir um estacionamento de 150 veículos no distrito de Macacos e à manutenção de um córrego, conhecido como “Rego dos Carrapatos”, no município de Nova Lima.

Não satisfeitos com a sentença, o Ministério Público e os condenados recorreram ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais.

A decisão sobre a apelação foi proferida em 02/10/2008. Ou seja, mais de 7 anos depois do acidente. Na decisão, os desembargadores Hyparco Immesi (relator), Beatriz Pinheiro Caires e Herculano Rodrigues rejeitaram os argumentos da defesa dos réus, exceto no que se refere à imprecisão das obrigações impostas à empresa.

Insatisfeitos, os réus recorreram ao Supremo Tribunal Federal, por meio de um Recurso Extraordinário (RE 613.308). Desde então, o processo ficou praticamente inerte, praticamente sem nenhuma evolução, primeiro no gabinete da Min. Ellen Gracie, e agora nos escaninhos da Min. Rosa Weber.

Ou seja, em termos criminais, passados mais de 14 anos e meio do rompimento da barragem, não tivemos nenhum cumprimento da pena.

É importante destacar que, no campo civil, a empresa realizou acordos extrajudiciais de indenização aos familiares das vítimas dos acidentes. Esses acordos foram celebrados em âmbito privado e homologados na Justiça de Nova Lima.

Além disso, o acórdão do Tribunal de Justiça faz menção a um Termo de Ajustamento de Conduta – TAC firmado entre a empresa e o Ministério Público Estadual visando à reparação dos danos ambientais e patrimoniais à coletividade. Não consegui obter a íntegra do documento no site do Ministério Público (aliás, isto deveria ser obrigatório, não acham?), mas uma reportagem da Gazeta Mercantil de 17/09/2003 encontrada aqui revela que no TAC a empresa se comprometeu a pagar R$ 4,1 milhões pelos danos causados à estrada, à adutora da Copasa, à rede elétrica e ao reflorestamento da área.

Minha impressão sobre essa história:

  • A lentidão do Ministério Público e do Poder Judiciário contribuem para a não responsabilização criminal dos responsáveis pelos acidentes ambientais.
  • Os valores admitidos pelo Ministério Público no TAC encontram-se bem aquém dos reais prejuízos causados ao meio ambiente e à comunidade envolvida – imagine os prejuízos imputados aos habitantes da região que tiveram sua principal via de ligação com o mundo interrompida por 10 meses e a queda no fluxo de turistas para suas pousadas e restaurantes.
  • Sobre as indenizações para as famílias das vítimas, não podemos informar se foram inadequadas porque não tivemos acesso aos valores.

Essas são apenas algumas lições do caso Mineração Rio Verde para ficarmos de olho nos desdobramentos do acidente com a barragem da Samarco em Mariana, principalmente por se tratar de um caso de dimensões muito maiores e que envolve uma das maiores exportadoras do Brasil (Samarco) e duas das maiores mineradoras do mundo (a Vale e a BHP Billiton).

Infelizmente, no Brasil, a morosidade das instituições, os longos trâmites processuais e o desinteresse da mídia atuam em favor das empresas. O tempo, neste caso, é inimigo da coletividade, como aconteceu em Macacos, pode acontecer em Mariana e, se não houver uma efetiva responsabilização dos envolvidos, acontecerá nos futuros acidentes envolvendo as mineradoras em Minas Gerais.

Nota 1: A sentença do juiz encontra-se a partir da página 145 deste documento.

Nota 2: O inteiro teor do acórdão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais pode ser lido inserindo o número do processo (1.0188.01.002864-8/001) aqui.


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