Quem terá maior poder de mobilização na reta final?

Por Bruno Carazza. Publicado originalmente no jornal Valor Econômico em 24/10/2022.

 

A foto se tornou um clássico da história política brasileira. Na noite de 26/10/2014, o olhar de perplexidade de políticos, celebridades e empresários diante da tela da TV, entre surpresos e decepcionados, refletia o sentimento de quase metade do eleitorado brasileiro.

Reunidos num amplo apartamento do tradicional Edifício Parque das Mangabeiras, na Zona Sul de Belo Horizonte, os convidados acompanhavam a apuração do segundo turno daquele ano. Os 3.459.964 votos que faltaram para a vitória do irmão da anfitriã, Andrea, frustraram a expectativa da festa.

Era difícil imaginar que tão cedo teríamos uma votação tão apertada quanto aquela. Oito anos depois, contudo, há grandes chances de o destino do país ser decidido por uma margem ainda menor do que os 3,28 pontos percentuais que separaram Dilma Rousseff (51,64%) e Aécio Neves (48,36%).

Os 6.187.159 votos de diferença entre Lula e Jair Bolsonaro registrados no primeiro turno (48,4% contra 43,2% dos votos válidos) surpreenderam quem se fiava nas pesquisas eleitorais, mas não chocaram quem reconhecia a gravidade do embate entre as duas figuras públicas mais populares surgidas na política brasileira em décadas.

Por despertarem paixão e ódio, Lula e Bolsonaro possuem dezenas de milhões de seguidores fiéis e forçam os demais a se colocarem do lado de ou de outro numa escolha de Sofia às avessas – na impossibilidade de se ver livre dos dois, são obrigados a ficar com o “menos pior”.

A seis dias do segundo turno, é impossível cravar com certeza quem vencerá. As pesquisas indicam um estreitamento da vantagem de Bolsonaro; e até mesmo as casas de apostas registram uma redução no desequilíbrio entre os prêmios prometidos àqueles que arriscam seu dinheiro em Lula ou em Bolsonaro.

Animados pelo desempenho superior ao previsto no dia 02 de outubro e pelo sucesso surpreendente de seus aliados nos pleitos para os governos estaduais, o Congresso Nacional e as Assembleias Legislativas, os bolsonaristas parecem estar mais mobilizados na busca da virada.

Tendo deixado escapar a vitória por apenas 1,6 pontos percentuais, lulistas investem nas declarações de apoios de Simone Tebet, Henrique Meirelles e figuras representativas do antigo tucanato e da elite empresarial na conquista dos votos que lhes faltaram para voltar a comandar o país.

Segundo a lógica das estratégias em busca do voto, muitos fatores podem se mostrar decisivos, a começar pelo não-voto. Toda eleição é a mesma coisa: o comparecimento dos cidadãos no segundo turno é sempre menor do que na primeira rodada de votação. Entre as possíveis explicações para o fenômeno, a pobreza desponta como a mais plausível.

Num país tão desigual, nem mesmo votar se mostra como um ato verdadeiramente democrático. Deslocar-se às seções eleitorais pode custar caro, principalmente para os mais pobres que residem longe dos domicílios eleitorais registrados nos Tribunais Regionais Eleitorais.

Com o voto se dividindo cada vez mais pelo nível de renda e pela região em que se vive, a redução no comparecimento às urnas tende a penalizar Lula. Como se vê no gráfico, os maiores aumentos no percentual de abstenção entre os dois turnos da eleição de 2018 se deram nos municípios de menor renda.

Trata-se, em sua maioria, de municípios pequenos no interior do Norte e do Nordeste. Pouco urbanizados e com condições precárias de transporte, esses locais dificilmente serão beneficiados pela decisão judicial que autoriza a concessão de transporte público gratuito por prefeitos.

Na direção oposta, as campanhas de Lula e Bolsonaro investem pesado na energização de seus apoiadores e no convencimento de indecisos. Na guerra pelo voto de última hora, a batalha é digital. E aqui também a maré é favorável a Bolsonaro.

Segundo dados do Google, o PL, partido do atual presidente, já despejou R$ 13,2 milhões em anúncios no YouTube e outras plataformas do grupo desde 02 de outubro, contra apenas R$ 5,17 milhões do PT de Lula.

A lógica favorece Bolsonaro, mas a matemática parece dizer “não”. No primeiro turno, tivemos apenas 9,9 milhões que escolheram outros candidatos e mais 5,45 milhões de brancos e nulos. No segundo turno de 2018, somente 1,4 milhões de eleitores a mais desistiram ou não puderam votar.

Reverter uma vantagem de 6,2 milhões de votos neste universo tão limitado não será fácil para Bolsonaro.

Diante de tanta incerteza, uma coisa é certa: teremos uma nova foto retratando os olhares incrédulos do candidato derrotado e de seus apoiadores na noite do próximo domingo.

Só não sabemos de qual lado será.