Na comparação entre as estruturas ministeriais de Temer e Bolsonaro, o perde e ganha de poder e visões de mundo

Publicado originalmente no jornal Valor Econômico em 14/01/2019

 

Por trás das enfadonhas normas que regem a Administração Pública podemos mapear a redistribuição de poder em Brasília e constatar, em números, que a aridez do Planalto Central desidrata discursos de campanha.

Até o momento já foram publicadas no Diário Oficial os novos regimentos de quase todos os ministérios, com exceção de Saúde, Defesa e Advocacia-Geral da União. A equipe de transição promoveu uma redução de 11% no número de cargos. Parece bom, mas o quantitativo remanescente continua elevado: os ministros de Bolsonaro ainda dispõem de 22.297 funções e cargos de confiança para ocupar.

Esses cortes, porém, concentraram-se nos patamares mais baixos da hierarquia, geralmente ocupados por servidores concursados atuando como chefes. Nos níveis mais altos, como secretários e diretores, houve uma elevação de mais de 20% – ou seja, os ministérios foram reduzidos, mas o alto escalão, de livre nomeação, foi ampliado.

No fim das contas, a economia feita pela equipe de Bolsonaro é irrisória: no máximo R$ 1,7 milhão mensal, demonstrando que o propalado enxugamento da máquina pública ainda não saiu do plano das postagens em redes sociais.

(Brasília – DF, 03/01/2019) Palavras do Presidente da República, Jair Bolsonaro. Foto: Marcos Corrêa/PR

 

Analisando a distribuição dos cargos entre os ministérios, destaca-se o poder de Paulo Guedes. Mesmo depois de, num gesto de austeridade, ter eliminado quase 3.000 cargos nos órgãos que herdou de Temer, o superministro da Economia ainda nomeará um 1/3 de todos os cargos em comissão existentes na Esplanada – sem falar que sob a sua batuta ainda estão algumas das carreiras mais fortes da Administração Federal.

Mas há outras nuances no perde e ganha de cargos (ver gráfico abaixo). Dentro do Palácio do Planalto, a Secretaria de Governo do general Santos Cruz expandiu seu efetivo em 71%, fagocitando áreas importantes como o Programa de Parcerias de Investimentos e a Comunicação Social do governo. Como consequência, a Casa Civil de Onyx Lorenzoni e a Secretaria-Geral da Presidência de Gustavo Bebianno encolheram em, respectivamente, 36,7% e 53,4%. Na métrica dos cargos comissionados, na “cozinha” do presidente os militares terão mais vez e voz.

 

Outra importante constatação é a expansão do Ministério da Agricultura (31,8% a mais de cargos), frente ao encolhimento de 22% no Meio Ambiente. De um lado, houve a polêmica decisão de atribuir à Agricultura a responsabilidade pelos assuntos fundiários, incluindo terras indígenas e quilombolas. O Meio Ambiente, por sua vez, perdeu a responsabilidade pela política de recursos hídricos para a pasta do Desenvolvimento Regional.

No campo da simbologia dos nomes de secretarias e demais órgãos, dois fatos são dignos de nota. A primeira é a forma como Paulo Guedes organizou seu ministério. Em vez de simplesmente reagrupar os órgãos preexistentes da Fazenda, do Planejamento, da Indústria e Comércio e do Trabalho, a nomenclatura das novas secretarias indica uma intenção de reformular o Estado: Previdência e Trabalho; Produtividade, Emprego e Competitividade; Desestatização e Desinvestimento; Desburocratização, Gestão e Governo Digital; Comércio Exterior, entre outras.

Por outro lado, em vários ministérios aflora uma visão conservadora de mundo, como na criação, pela ministra Damares Alves, de uma Secretaria Nacional da Família para, entre outras atribuições, combater “a discriminação à família”. Na Educação, Vélez Rodríguez inovou com a Subsecretaria de Fomento às Escolas Cívico-Militares. Já sob o chanceler Ernesto Araújo existe agora uma Secretaria de Assuntos de Soberania Nacional e Cidadania. E no Meio Ambiente excluiu-se a expressão “Mudança do Clima” do nome de uma das secretarias.

Sabemos que, na prática, a máquina estatal funciona de modo bem diferente do prescrito nas normas e regulamentos. Mas a distribuição do poder de nomear e o simbolismo das denominações dos cargos são importantes sinalizações sobre como se portará este novo governo.