Mercado superestimou Bolsonaro e sua nova política?

Publicado originalmente no jornal Valor Econômico em 25/03/2019

 

A ideia de que presidentes gozam de um período de lua de mel no início do mandato deve-se sobretudo a Franklin Delano Roosevelt. Eleito em meio à Grande Depressão, FDR imediatamente inundou o Congresso americano com dezenas de projetos de lei para incentivar o emprego e recolocar a economia nos trilhos. Contando com maioria na Câmara e no Senado, em 100 dias Roosevelt aprovou a maioria das propostas. Nascia ali a crença de que existe um período de boa vontade do Congresso, da imprensa e do mercado nos primeiros meses do governo – e o imperativo de que ele não deve ser desperdiçado.

Ainda inebriado pela visita a Trump, Bolsonaro viveu sua pior semana. A divulgação da pesquisa Ibope captando queda de popularidade, a péssima recepção da nova previdência dos militares e o atrito com Rodrigo Maia seriam o sinal de que a lua de mel acabou antes da hora?

Os últimos presidentes brasileiros investiram de forma diferente o capital político recebido das urnas nos primeiros 3 meses de governo.

Fernando Henrique Cardoso foi pródigo em reformas, enviando ao Congresso 9 propostas de emenda à Constituição e 21 projetos de lei complementar e ordinária, além de ter editado 41 medidas provisórias e 62 decretos. Com boa base parlamentar e bem articulado com os presidentes da Câmara e do Senado, conseguiu aprovar rapidamente a desregulamentação dos setores de petróleo, gás, navegação de cabotagem e mineração. Mas nem tudo foram flores. Sua proposta de reforma da previdência só foi aprovada no final do primeiro mandato, e ainda assim numa versão bem aquém do desejado. Fica o alerta para os mais otimistas.

A lua de mel de Lula foi bem mais frugal em termos de reformas legislativas. Sem PECs e com apenas 6 projetos de lei enviados aos Congresso (nenhum deles relevante), Lula se valeu principalmente de decretos (em 90 dias, foram 79 ao todo) para reorganizar a estrutura do governo, sinalizar ao mercado seu compromisso com o ajuste fiscal e lançar as bases de sua política de distribuição de renda: fundo de combate à fome, reajuste dos repasses à educação fundamental, melhorias no SUS, política de preços mínimos para produtores rurais e aumento de multas a infrações ao meio ambiente.

Dilma, por sua vez, seguiu à risca o script e deu continuidade ao segundo mandato de Lula. Foi a menos proativa no Congresso, com apenas 5 projetos de lei, 7 medidas provisórias e 40 decretos nos primeiros três meses de mandato. Deixou claro que estava disposta a aprofundar a nova matriz econômica, aumentando o capital do BNDES e da Caixa e concedendo incentivos fiscais para a indústria aeronáutica e de bebidas, mas também reajustou o valor do Bolsa Família e complementou o piso salarial de policiais militares (Pronasci).

(Brasília – DF, 20/02/2019) Presidente da República, Jair Bolsonaro durante entrega da PEC da nova Previdência Social. Foto: Marcos Corrêa/PR

O início do governo Bolsonaro confirma o ímpeto liberalizante de sua plataforma. Além da proposta de emenda constitucional para refundar o sistema previdenciário, propôs um projeto de lei complementar e três de lei ordinária (o pacote de Moro e a previdência dos militares) e mais 7 medidas provisórias e 76 decretos. Além da reformulação da Esplanada dos Ministérios, suas medidas até o momento trataram da liberalização da posse de armas, a dispensa do visto para turistas de países desenvolvidos, simplificação burocrática (CPF e registro de empresas), a permissão de venda de ações da Petrobrás detidas pela Caixa e pelo Banco do Brasil no mercado e critérios para a nomeação em cargos comissionados.

Seu calcanhar de Aquiles, porém, está no relacionamento com o Congresso. Mesmo com seu partido tendo a maior bancada na Câmara e um grande número de apoiadores, o governo patina. Até agora as comissões necessárias para analisar as medidas provisórias não foram instaladas e não se nomeou nenhum relator, nem mesmo para a reforma da previdência. Na única votação relevante até o momento (sobre o decreto que ampliou a possibilidade de sigilo na Lei de Acesso à Informação), perdeu de goleada.

Apesar da paralisia, o mercado continuava acreditando em Bolsonaro. Como pode ser visto na tabela abaixo, não houve crise externa ou realização de lucros que revertesse o otimismo em relação a seu governo, diferentemente do que aconteceu após a eleição de seus predecessores. Sua inabilidade política, evidente na última semana, pode ser o prenúncio de uma série de reavaliações.

As boas expectativas em relação ao governo Bolsonaro parecem se assentar em sucessivos erros de avaliações. Paulo Guedes superestimou sua capacidade de converter o presidente a uma agenda liberal, enquanto Bolsonaro e seu clã julgavam  que o Congresso chancelaria bovinamente suas propostas. Já o mercado ficou eufórico com a possibilidade de termos um presidente liberal, com o Congresso em suas mãos e uma agenda de reformas engatilhada.

A cada dia fica mais claro que esses três personagens – Paulo Guedes, Bolsonaro e o mercado – exageraram em suas apostas. Resta saber o que será do país quando caírem na real.