A determinação da Presidente Dilma Rousseff de multar a empresa em R$ 250 milhões por crimes ambientais é apenas o início da discussão.

Experiência internacional revela que as dimensões da responsabilização são muitas, e o impacto financeiro pode chegar a bilhões de dólares.

A Presidente Dilma Rousseff rompeu hoje (12/11/2015) uma inexplicável inação em relação à tragédia de Mariana e declarou que a mineradora Samarco será multada em pelo menos R$ 250 milhões pelos danos ambientais provocados pelo rompimento das barragens de rejeitos de Fundão e Santarém (veja).

Como todos sabem, há uma semana (na tarde de 05/11/2015), o rompimento das barragens liberou no meio ambiente 62 milhões de metros cúbicos de lama com rejeitos das operações das minas da Samarco – empresa que é a 10ª maior exportadora brasileira, com R$ 7,6 bilhões de receita bruta e R$ 2,8 bilhões de lucro líquido em 2014. A Samarco está estabelecida em Mariana há 38 anos, e é uma joint venture entre duas das maiores mineradoras do mundo: a brasileira Vale (US$ 37 bilhões de receita em 2014) e a anglo-australiana BHP Billiton (US$ 44,6 bilhões de receita em 2015).

Depois de uma semana marcada pela incredulidade diante das imagens do mar de lama soterrando nossas Minas Gerais, tingindo com o vermelho do minério o Rio Doce e chegando até o Oceano Atlântico, pelo compadecimento diante dos mortos e dos desaparecidos que talvez nunca serão encontrados e pela solidariedade da população com os desabrigados, é hora mesmo de discutir as reparações a todos aqueles que foram afetados pela tragédia.

Embora os presidentes das três companhias envolvidas (Samarco, Vale e BHP Billiton) tenham destacado os esforços para amparar as centenas de desabrigados e minorar o impacto ambiental imediato do “acidente” (veja a íntegra da coletiva concedida), os danos ainda são incalculáveis – o que não quer dizer que precisem ser aferidos e indenizados o mais rápido possível.

As dimensões da tragédia são imensas: pensem nas perdas de vidas (até o momento são 9 mortos e 19 desaparecidos), nos desabrigados que perderam todos os seus bens, no prejuízo daqueles que tinham negócios nas áreas afetadas, nos transtornos causados pela falta de abastecimento de água em todos os municípios banhados pelo Rio Doce, nos custos de limpeza e descontaminação das áreas afetadas pelo mar de lama, nos impostos e royalties que deixarão de ser arrecadados com a paralização das atividades da empresa, nos danos morais e psicológicos de todos que vivenciaram de perto a tragédia.

Obviamente, a legislação brasileira dispõe de meios para tratar da responsabilização dos causadores desses danos e da sua devida indenização. O Código Civil brasileiro possui um trecho que trata especificamente da responsabilidade civil (aqui). A Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/1998) também prevê a possibilidade de aplicação de penas às pessoas jurídicas responsáveis por condutas e atividades lesivas ao meio ambiente (aqui).

O problema, porém, é que no Brasil quase sempre a aplicação da lei é bastante branda, e o ressarcimento dos danos causados por crimes ambientais fica bem aquém de suas reais dimensões. Como demonstrei na postagem anterior, foi isso o que aconteceu em outra tragédia ambiental produzida pelo rompimento de uma barragem de mineradora em Macacos, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, em 2001.

Para servir de parâmetro para o caso da Samarco, resolvi pesquisar como se deu a responsabilização por danos ambientais nos países desenvolvidos. Para isto, pesquisei uma lista de desastres ambientais disponível na Wikipedia em inglês (List_of_environmental_disasters) e selecionei alguns casos emblemáticos seguindo alguns parâmetros: tragédias ambientais i) provocadas por empresas, ii) em países desenvolvidos, iii) ocorridas a partir de 2000 (para dar uma noção mais precisa de como se dá a penalização atualmente) e iv) que tivessem a ver com contaminação decorrente de rompimento de barragens ou vazamentos de líquidos tóxicos (ou seja, de certa forma similares ao que aconteceu em Mariana).

Seguindo esses critérios, foram selecionadas 8 tragédias ambientais, para as quais investiguei mais a fundo as circunstâncias envolvidas, os danos ao meio ambiente e as repercussões civis e criminais geradas. A tabela abaixo sintetiza os resultados dessa pesquisa:

Tragédias

Os exemplos acima demonstram como diversos países lidaram com catástrofes ambientais provocadas por empresas instaladas em seu território. No caso mais emblemático descrito na tabela acima, a empresa petrolífera British Petroleum teve que arcar com despesas de mais de US$ 62 bilhões pelo vazamento de petróleo na sua operação em águas profundas no Golfo do México.

Tomando os casos como um todo, constata-se que em geral as sanções são bastante severas. O conjunto de despesas com limpeza e descontaminação, indenizações civis e criminais, multas ambientais e até mesmo os lucros cessantes pela interrupção no pagamento de impostos e royalties nas localidades afetadas ultrapassam a casa das centenas de milhões de dólares ou euros. Em dois casos, o impacto das sanções foi tão grande que as empresas terminaram por pedir falência. Em alguns casos, os responsáveis pela empresa respondem criminalmente pela ação ou negligência na gestão dos riscos inerentes à atividade.

É importante destacar, porém, que nem todas as experiências retratadas foram bem-sucedidas em lidar com a responsabilização pelo dano ambiental. O caso do naufrágio do petroleiro na costa da Espanha, que depois de 10 anos de processo judicial terminou com a declaração de inocência dos representantes da empresa e os custos de limpeza tiveram que ser arcados integralmente pelo Estado é apontado por especialistas como um fracasso do ponto de vista da defesa ambiental.

Pelas dimensões da tragédia da Samarco, com o volume de rejeitos lançado no meio ambiente, as dificuldades de recuperação das áreas afetadas (veja) e os efeitos sobre centenas de milhares de pessoas residentes na bacia do Rio Doce nos estados de Minas Gerais e Espírito Santo, é fundamental que as multas e indenizações sejam bem calculadas e, principalmente, cobradas da empresa responsável.

Fico aqui imaginando se as instituições brasileiras serão capazes de cumprir essa missão com a urgência e o rigor que o caso requer. Que esses exemplos extraídos da experiência internacional sirvam de exemplo.

 

Nota: Agradeço aos amigos Luciana Mendes e Anizio Carvalho pelos insights para a elaboração deste texto.

 


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