Ainda faltam números para vencer a batalha no Congresso

Publicado originalmente no jornal Valor Econômico em 08/04/2019

 

 Na audiência da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, na última quarta-feira, falou-se 44 vezes sobre a necessidade, exposta pelo ministro Paulo Guedes, de a reforma da previdência gerar uma potência fiscal de R$ 1 trilhão nos próximos dez anos. Aliás, “potência fiscal” foi outra expressão muito utilizada nos debates: 19 vezes.

Descontadas a baixaria de alguns deputados e a falta de tato do ministro – que acabaram dominando a cobertura da mídia e a atenção do público –, o debate foi um belo exercício democrático. Mas expôs o muito que ainda temos que avançar em termos de concepção de políticas públicas e transparência no Brasil.

Quem só assistiu aos “melhores momentos” da audiência não percebeu que, logo antes da sua desrespeitosa crítica do tigrão e do tchuchuca, o deputado Zeca Dirceu (PT/PR) pediu a Paulo Guedes a apresentação dos estudos e projeções que levaram o governo a eleger a reforma da previdência como sua prioridade para este início de governo, em detrimento da reforma tributária. Sua fala veio logo após o deputado José Nelto (Podemos/GO) perguntar ao ministro por que ele não resolveu buscar o tal R$ 1 trilhão na revisão dos incentivos e benefícios fiscais, que sangram R$ 300 bilhões por ano aos cofres públicos federais.

Atribui-se a Winston Churchill a ideia de discutir detalhadamente num documento os prós e contras de uma decisão governamental complexa. Em 1922, quando era Secretário de Estado para as Colônias, o futuro primeiro-ministro publicou uma análise profunda a respeito de qual posicionamento a Inglaterra deveria seguir em relação à Palestina e ao movimento sionista. Como o documento tinha a capa branca, ficou conhecido como “White Paper”.

Desde então, governos de diversos países (Canadá, Austrália, Nova Zelândia, União Europeia) têm desenvolvido a cultura de publicar “livros brancos” sobre políticas públicas e regulatórias de grande impacto social, com o objetivo não apenas de explicar em pormenores a natureza das mudanças, mas também para colher sugestões de melhorias.

Audiência pública sobre a reforma da Previdência. Cleia Viana/Câmara dos Deputados

Um século depois, no Brasil impera a cultura do “powerpoint”. No programa de governo do então candidato Jair Bolsonaro, as propostas para a economia se resumiam a 17 slides – sendo apenas um deles dedicado à reforma da previdência. Ao consultar os sites do Ministério da Economia e da Presidência da República, não se encontra muito mais do que um arquivo com 41 slides para explicar o alcance da reforma e suas implicações na vida dos cidadãos.

Não é sem razão que a falta de dados foi a principal queixa apresentada pelos parlamentares na audiência, tanto de oposição quanto do centro. Deputados do PT, do PSOL e do PDT cobraram à exaustão a memória de cálculo dos custos de transição para o regime de capitalização. Pompeo de Mattos (PDT/SP) exigiu detalhamentos sobre o novo sistema: se haverá contribuição dos empregadores, como será a administração dos fundos. Gilson Marques (Novo/SC), por sua vez, quis saber sobre os impactos esperados da reforma em termos de investimento e crescimento no curto prazo.

Eduardo Braide (PMN/MA) e Gil Cotrim (PDT/MA) questionaram sobre o impacto das mudanças do BPC e da aposentadoria rural na economia dos munícipios pequenos do Norte e Nordeste. O deputado Luizão Goulart (PRB/PR) queixou-se da falta de dados sobre o impacto da reforma nos Estados e municípios.

Na sua intervenção, a deputada Clarissa Garotinho (PROS/RJ) metralhou o ministro com perguntas diretas e objetivas: quantos brasileiros se aposentam por idade? Qual o percentual daqueles que se aposentam hoje com menos de 20 anos de contribuição? Quais as projeções de aumento da idade mínima para os próximos anos em caso de aumento da expectativa de sobrevida? Quantos são os brasileiros que só recebem um salário mínimo de pensão como benefício? Qual é o valor médio da aposentadoria do trabalhador, em relação a seu salário do ativa, antes e depois da reforma?

Na sua vez de falar, Paulo Guedes fugiu das respostas. Depois de ser cobrado em muitos apartes e questões de ordem, o ministro mobilizou sua equipe, que preparou uma resposta por escrito às dúvidas da deputada fluminense. Ela se declarou satisfeita com os dados recebidos. Mas o restante da sociedade não teve acesso a eles.

Apesar da boa vontade e da coragem de Paulo Guedes de comparecer a duas audiências no Congresso, faltam transparência e comunicação para destacar o alcance e a importância da reforma proposta. Paulo Guedes explicou na audiência que foram traçados vários cenários possíveis sobre a opção ou não de trabalhadores jovens pela capitalização. O deputado Subtenente Gonzaga (PDT/MG) cobrou coragem ao governo de publicar esses dados, pois a reforma não pode ser tratada como um cheque em branco dado ao governo.

As críticas ao governo partem, inclusive, daqueles que se dispõem a apoiar o governo pela aprovação da reforma. Do Dr. Frederico (Patriotas/MG) à deputada Adriana Ventura (Novo/SP), o ministro Paulo Guedes foi cobrado pelas falhas de comunicação dos benefícios da reforma para a população. Na visão deles falta ao governo uma “narrativa de justiça e de transparência atuarial, (…) uma narrativa propositiva ao cidadão”, nas palavras do deputado Samuel Moreira (PSDB/SP).

Paulo Guedes, ao longo de sua intervenção na Câmara, disse que sua equipe estudou “o sistema norueguês, o sistema sueco, o sistema canadense, o sistema italiano, o sistema chileno, o sistema brasileiro. Olhamos várias propostas e tentamos combinar algumas coisas”. Seria muito bom para a população ter acesso a esses estudos.

Faltam números, simulações. Faz muita falta um Livro Branco da Reforma da Previdência.