Norma que revogou 250 decretos pode abrir brechas para infratores 

Publicado originalmente no @BrunoCarazza.

 

Na semana passada o ministro Onyx Lorenzoni, da Casa Civil, anunciou a edição do Decreto nº 9.757/2019, que revogou 250 outros decretos, alguns do início do século passado.

O “revogaço” de Onyx era uma das metas para os 100 dias de governo e sua justificativa era a desburocratização do governo – uma das bandeiras da nova administração.

O primeiro ponto a respeito do “revogaço” é que ele não traz desburocratização alguma. Os 250 decretos revogados já eram normas sem efeito, pois se enquadravam na cláusula geral “revogam-se as disposições em contrário” que existiam nas legislações antigas. É bom lembrar que, desde a edição da Lei Complementar nº 107/2001, as normas brasileiras devem dizer expressamente quais são os dispositivos que elas eventualmente vierem a tornar sem efeito. Logo, o “revogaço” apenas extirpou do ordenamento jurídico normas que já tinham sido revogadas tacitamente por outras leis, se dizerem isso com todas as letras. Portanto, eram uma espécie de zumbis legislativos, mas que não assustavam ninguém, pois tratavam de assuntos com pouquíssima relevância, como contingentes das forças armadas de décadas atrás, autorizações para funcionamento no Brasil de empresas aéreas estrangeiras que não existem mais (como a Pan Am!) e estatutos de órgãos já extintos.

Uma coisa, no entanto, me deixou com a pulga atrás da orelha: algumas das normas revogadas continham sanções para o caso de descumprimento das regras. É o caso dos decretos relativos a incentivos da Lei de Informática (pela não aplicação das deduções em tecnologia e P&D), produtores de soja que não tenham cumprido o TAC relativo ao uso de sementes transgênicas até 2004 e dirigentes de órgãos que possam ter desrespeitado limites e exigências da lei orçamentária em diversos anos (sujeitos a fiscalização da CGU).

Confesso que, a princípio, eu não acredito que a inclusão dessas leis no revogaço tenha sido uma “pegadinha” para beneficiar alguma empresa ou pessoas jurídica. Mas, no Brasil, nunca se sabe: intencional ou não intencionalmente, o revogaço pode ter aberto brechas para que infratores usem a revogação como argumento para encerrar processos administrativos ou até mesmo judiciais.

Essa minha dúvida suscita uma crítica que há muito tempo eu faço em relação à transparência do governo federal em relação a seus atos normativos: facilitaria muito o controle social da atividade legislativa do Poder Executivo se a Casa Civil publicasse na internet as notas técnicas dos seus órgãos (principalmente das Subchefias de Ação Governamental e de Assuntos Jurídicos), bem como os pareceres dos ministérios envolvidos e da Advocacia-Geral da União, da maneira como faz com as Exposições de Motivo das medidas provisórias.

De posse desses documentos, poderíamos ter melhores condições de avaliar os impactos regulatórios das normas. E saber se, neste caso, o “revogaço” trouxe também uma farra de anistias.