Um veto e uma Medida Provisória impedem a transferência imediata dos recursos

Por Bruno Carazza

 

Bolsonaro sancionou ontem (29/06/2020) a Lei nº 14.017, também conhecida como “Lei Aldir Blanc”, que determina o repasse de R$ 3 bilhões a Estados e municípios para apoiarem o setor cultural. Um veto e uma medida provisória publicados logo em seguida, no entanto, podem fazer com que o dinheiro demore a chegar aos artistas.

Segundo a Lei nº 14.017, a União repassará R$ 3 bilhões para que Estados e municípios socorram o setor cultural, um dos mais afetados pela pandemia. O valor será dividido segundo a participação do ente nos Fundos de Participação e o tamanho da população.

Estados e municípios poderão aplicar o dinheiro em:

i) 3 parcelas de R$ 600 para os profissionais do setor que não receberam o auxílio emergencial;

ii) Subsídio mensal de R$ 3 mil a R$ 10 mil para espaços culturais, micro e pequenas empresas do setor e instituições culturais comunitárias; e

iii) editais, prêmios e aquisição de bens vinculados ao setor cultural para a manutenção dos espaços.

Instituições financeiras federais também poderão disponibilizar a pessoas físicas e MPEs do setor cultural linhas de crédito especiais, com pagamento parcelado em 36 meses, carência de 180 dias e taxa Selic.

A mestra em Cultura e cantora Lia de Itamaracá, em videoconferência na Câmara dos Deputados sobre a medida de ajuda ao setor cultural. Foto: Gustavo Sales/Câmara dos Deputados
A mestra em Cultura e cantora Lia de Itamaracá, em videoconferência na Câmara dos Deputados sobre a medida de ajuda ao setor cultural. Foto: Gustavo Sales/Câmara dos Deputados

Na versão original do projeto de lei aprovada no Congresso, a União deveria descentralizar os R$ 3 bilhões no prazo de 15 dias a contar da publicação da lei. Alegando dificuldades em operacionalizar o repasse, Bolsonaro vetou esse dispositivo.

No lugar, Bolsonaro publicou ao mesmo tempo a Medida Provisória nº 986, estabelecendo que o repasse a Estados e municípios deverá ocorrer “na forma e no prazo previstos no regulamento”. E quem definirá o regulamento? O próprio Bolsonaro, na forma de decreto.

Logo, a ajuda ao setor cultural, que ainda dependeria de regras locais para ser concretizada, continuará suspensa até Bolsonaro editar o decreto estabelecendo o prazo de descentralização dos recursos.

Por fim, não posso deixar de fazer duas observações:

1) O Congresso está propondo, e o Executivo tem acatado, transferências bilionárias de recursos com poucas medidas de prevenção a fraudes, como temos visto diariamente na imprensa em relação ao auxílio emergencial. No caso da ajuda ao setor cultural isso novamente está presente, e é alto o risco de ocorrência de desvios de recursos quando o dinheiro chegar aos Estados e municípios.

2) Lembra daquele ditado “farinha pouca, meu pirão primeiro”? Essa tem sido a lógica do combate aos efeitos da pandemia no Congresso Nacional. Setores específicos têm pressionado parlamentares para obter ajuda, e a distribuição de recursos bilionários tem sido sendo feita sem a definição de prioridades e nenhum estudo de impacto. Os mais organizados conseguem seu quinhão, mas a conta é dividida por toda sociedade.

A íntegra da Lei nº 14.017/2020 pode ser obtida aqui: planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato.