Evidências sobre o erro do STF ao decidir que crimes comuns (como a corrupção) conexos a crimes eleitorais (como o caixa 2) sejam julgados pela Justiça Eleitoral:

Publicado originalmente no @BrunoCarazza em 15/03/2019

A Justiça Eleitoral não tem um corpo próprio de magistrados. Do TSE ao juiz eleitoral, seus 2.862 membros são nomeados para mandatos temporários (2 anos, renováveis por mais 2) e acumulam suas funções eleitorais com suas atividades principais nas comarcas e tribunais.

A grande rotatividade de magistrados e o fato de não se dedicarem exclusivamente à Justiça Eleitoral prejudica o aprofundamento nos temas e, assim, a consolidação e o aprimoramento da jurisprudência em matéria eleitoral.

A Justiça Eleitoral tem um quadro de 21.539 servidores, sendo que apenas 70% deles são efetivos. O restante é cedido ou requisitado junto a outros órgãos.

O corpo de magistrados e servidores têm que exercer as 3 principais funções da Justiça Eleitoral: organizar as eleições, regular o processo eleitoral e julgar as disputas e os crimes cometidos no âmbito das eleições.

Nas eleições de 2018 foram 29.145 candidatos. Em 2016, 497.776 pessoas disputaram uma vaga de vereador ou prefeito. Imagine fiscalizar propaganda eleitoral, doações de campanha e todas as despesas desse contingente imenso de pessoas, espalhadas num território continental.

Os prazos de deliberação da Justiça Eleitoral são muito restritos: impugnações de registros de candidatos e diplomação dos eleitos têm que ser decididos rapidamente para não comprometer o andamento das eleições.

A reforma eleitoral de 2015, capitaneada por Eduardo Cunha, encurtou ainda mais a duração das eleições, tornando ainda mais difícil para a Justiça Eleitoral exercer o controle sobre o comportamento das dezenas ou centenas de milhares de candidatos.

Se a estrutura da Justiça Eleitoral é inapropriada para lidar com tantas demandas, saiba que o Ministério Público Eleitoral sequer tem estrutura própria de servidores. Seus membros são emprestados do MPF e dos MPs Estaduais.

A Lava Jato ainda não foi suficiente para pressionar os parlamentares a aprovarem um pacote de medidas contra os crimes relacionados ao processo eleitoral: nada de aumento de penas, tipificação de caixa dois, redução de prazos prescricionais.

A falta de estrutura, bem como o uso ainda incipiente de técnicas de mineração de dados, implica numa análise meramente formal das prestações de contas dos candidatos, gerando na maioria das vezes sua aprovação sem investigar indícios de fraude e crimes.

É por isso que todo político, ao ser acusado de receber caixa dois, realizar despesas suspeitas ou utilizar laranjas, se vale sempre da mesma resposta padrão: “não cometi nenhum crime; minhas contas foram devidamente aprovadas pela Justiça Eleitoral”.

Resumindo: O sistema não funciona (ou melhor, não foi feito para funcionar).

Ao exigir que a Justiça Eleitoral, que não consegue controlar de modo minimamente eficiente a arrecadação e o uso do dinheiro nas campanhas, também julgue os crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, o STF contribui ainda mais para a impunidade no país.