Movimentos do ex-presidente estão presos à sua bolha

Por Bruno Carazza. Publicado originalmente no jornal Valor Econômico em 11/04/2022.

Lula defende união das centrais sindicais em evento na CUT. Lula participa de debate com ex-presidente do Parlamento Europeu. Lula discute revisão da reforma trabalhista com ministra da Espanha. Em discurso no Encontro Internacional Democracia e Liberdade, Lula diz que é preciso derrotar a fome. Em reunião com petroleiros no Rio, Lula diz que a defesa da Petrobras deve ser uma briga de todos os brasileiros. Lula marca presença no “Festival Vermelho”, comemoração dos 100 anos do PCdoB. Ao lado de Guilherme Boulos, Lula visita condomínios construídos pelo MTST com recursos do Minha Casa, Minha Vida.

Todas as chamadas acima foram extraídas, com algumas adaptações de redação, das notícias relativas ao ex-presidente Luiz Inácio da Silva publicadas nas duas últimas semanas na página do Partido dos Trabalhadores na internet.

Entre os eventos partidários, Lula esteve na Bahia para lançar Jerônimo Rodrigues, secretário estadual de Educação, como candidato do PT ao governo da Bahia, e celebrou a indicação do ex-tucano Geraldo Alckmin (PSB) como vice em sua chapa.

Muito se falou sobre a parceria entre Lula e seu ex-rival nas eleições de 2006 como sinal da disposição do candidato do PT a formar uma frente ampla de políticos de diversos matizes ideológicos, da extrema esquerda à centro-direita, para tirar, nas urnas, Bolsonaro do Palácio do Planalto em primeiro de janeiro de 2023.

Ao acompanhar os movimentos do ex-presidente, porém, vê-se que sua energia está muito mais concentrada em dialogar com sua histórica base eleitoral e em tradicionais aliados internacionais do que em expandir suas alianças para além da bolha da esquerda.

Faltando menos de seis meses para as eleições, poucas lideranças de centro – à exceção de Alckmin, Renan Calheiros e Roberto Requião –, seja em âmbito estadual ou nacional, manifestaram abertamente apoio ao petista. Enquanto isso, a máquina governista, dirigida pelo Centrão e movida a orçamento secreto, funciona a todo o vapor de norte a sul do país.

Em vez de se dirigir abertamente aos políticos de centro e centro-direita, bem como ao eleitorado que originalmente não gostaria de eleger nem o petista e muito menos Bolsonaro, Lula se ilude pescando votos e apoios em seu próprio aquário. Eventos em sindicatos e movimentos sociais, além de encontros com representantes da esquerda internacional, não tem o potencial de acrescentar um único voto extra, além dos já esperados pelo petista.

Luiz Inacio Lula da Silva,visita o canal da piracema, em Itaipu, em 2007. Foto: Palácio do Planalto.

E isso sem falar nas declarações polêmicas. Ao se apresentar quase que exclusivamente em reuniões perante a militância de esquerda que o idolatra, o ex-presidente, mesmo com toda a sua experiência, acaba baixando a guarda e fazendo manifestações que tendem a afugentar o eleitor que ele precisa conquistar.

Foi o caso da controversa condenação à criminalização do aborto, tema que certamente demanda uma discussão mais ampla da sociedade, mas que é extremamente sensível aos evangélicos e católicos mais conservadores – uma parcela que representa seguramente um terço ou mais do eleitorado brasileiro.

Em outra ocasião, num tom bastante exaltado, Lula anunciou que, se eleito, pretende “demitir 8.000 militares dos cargos em comissão” do governo federal.

É notória a força dos evangélicos e militares na política brasileira, como atesta a quantidade significativa de candidatos identificados como pertencentes a esses dois grupos nos últimos pleitos. No gráfico abaixo, computei todos os postulantes a um cargo eletivo desde 2002, tomando como base a profissão declarada (se liderança religiosa ou membro de força militar) ou a referência a cargos religiosos (pastor, apóstolo, missionário, coronel, sargento, soldado e dezenas de outros) nos nomes de urna registrados no Tribunal Superior Eleitoral.

Levando em consideração os religiosos e militares que se apresentaram como opções ao eleitor em 2018, apenas 10,8% se candidataram por algum dos partidos que gravitam na base do ex-presidente Lula (PT, PSB, PCdoB, PV, Rede e Psol). Ou seja: nove em cada dez, portanto, gravitou por legendas de centro ou de direita – e é de se esperar que esse fenômeno se repita neste ano, talvez com uma intensidade ainda maior.

Esses políticos que empunham as bandeiras da religião ou da segurança pública não são apenas candidatos a um cargo público. Esses pastores, policiais e militares ocupam, em sua maioria, também o papel de lideranças sociais espalhadas por todo o país – e constituem formadores de opinião e puxadores de votos importantes numa disputa presidencial.

Ao se deixar pela empolgação nos eventos para seus seguidores mais fiéis e carregar as tintas em temas como o discurso identitário ou nas críticas aos militares, Lula empurra ainda mais para o lado de Bolsonaro os representantes e os eleitores de um segmento muito representativo da sociedade brasileira.

Com apoios consolidados à direita e à esquerda, a eleição deste ano será decidida pelo eleitor do centro. Se quiser ter direito a um terceiro mandato, Lula precisa sair da sua bolha.