Texto e gráficos de Bruno Carazza dos Santos

O crescente envolvimento de religiosos nas eleições brasileiras

Relegere, religare, religere. A Wikipedia apresenta diversas origens etimológicas para a palavra “religião”. Reler, religar ou reeleger. Se esses três verbos serviram para definir as relações entre os crentes e seu Deus, eles também me inspiraram para realizar um estudo exploratório sobre uma questão mais mundana, embora revestida de religiosidade.

Muito tem sido dito sobre o crescimento da importância de religiosos na política brasileira. A questão esteve presente na última eleição presidencial, em que não apenas tivemos uma candidata assumidamente ligada a uma religião (Marina Silva e a Assembleia de Deus), quanto os outros dois (Dilma Rousseff e Aécio Neves) cortejaram e foram cortejados por líderes de outras representações religiosas. Também temos uma atuante “Bancada da Bíblia” no Congresso Nacional, unindo parlamentares ligados a diferentes profissões de fé. E nas próximas eleições municipais é provável que cresça o número de candidatos religiosos – não apenas pelo envolvimento crescente de líderes religiosos na política, como pelas novas regras que vedaram as doações de campanhas feitas por empresas.

Para verificar melhor como esse movimento tem ocorrido, decidi fazer uma análise dos dados eleitorais relativos aos candidatos religiosos nas eleições a partir de 1998 (primeiro ano em que o Tribunal Superior Eleitoral disponibiliza as informações completas sobre candidatos e votações).

Antes de partir para os dados em si, uma pequena observação metodológica. Embora o TSE divulgue a ocupação profissional dos candidatos, trata-se de uma autodeclaração, e por isso observamos muitas incoerências (a mais comum delas é a do candidato que confunde a sua atividade econômica – por exemplo, produtor rural – com a sua formação acadêmica – médico ou engenheiro). Para contornar esse problema, considerei como candidatos religiosos tanto aqueles que declararam sua ocupação como “sacerdotes ou membros de ordens ou seitas religiosas” quanto aqueles que utilizaram as expressões bispo(a), irmão(a), missionário(a), padre, pastor(a), presbítero(a) – por extenso ou abreviado – em seu nome de urna. Tenho consciência de que cometi um ou outro erro nessa seleção, mas acredito que ainda assim ela é bem representativa.

Uma vez coletados os dados, a primeira questão sobre o envolvimento dos religiosos na política brasileira que eu me fiz foi: o número de candidatos vinculados a Igrejas vem crescendo? O gráfico abaixo revela que sim, embora seu número sobre o total seja ainda muito pouco representativo – menos de 2% do total de candidatos.

Analisando a distribuição geográfica dos candidatos, pude perceber ainda que as candidaturas de religiosos têm se disseminado pelo território brasileiro. Tomando as campanhas para vereador, vemos que a cada eleição cresce o número de municípios que tiveram pelo menos um candidato que se autoproclama representante de uma Igreja.

Mas o número de candidaturas é apenas uma face da história, e é fundamental saber como tem sido o desempenho desses religiosos nas eleições. Como o gráfico abaixo revela, o número total de votos angariados pelos candidatos ligados às várias religiões tem retomado sua força depois de um arrefecimento posterior ao pico nas eleições de 2002 e 2004, mas novamente a sua importância sobre o total ainda é baixa – menos de 3% do total. A dispersão dos dados por municípios, porém, é muito alta, como pode ser constatado abaixo, em que é possível identificar que em algumas cidades houve religiosos que angariaram mais de 70% dos votos do eleitorado local nas eleições proporcionais.

Desagregando a análise por disputa eleitoral, vemos que os candidatos religiosos têm um desempenho melhor nas disputas para prefeitura – em 2008, em torno de 40% dos candidatos religiosos venceram as eleições em que participaram –, mas nos pleitos proporcionais (vereador, deputados estaduais e deputados federais) a taxa de sucesso não passa de 10%.

O resultado acima dá algumas dicas para analisar o presente e o futuro. De um lado, a boa performance dos religiosos manifesta-se nas disputas majoritárias e locais, em que candidatos religiosos com forte influência sobre um rebanho numeroso tendem a ser beneficiados.

No âmbito das disputas para as Câmaras Municipais, Assembleias Legislativas e Câmara dos Deputados, em que a ocupação das cadeiras é determinada por uma combinação entre a votação obtida pelo partido ou coligação e o desempenho dos seus candidatos, temos observado uma forte tendência de atração de candidatos religiosos por partidos pequenos. Com essa estratégia, siglas como PRB, PTC, PT do B, PRTB, PRP e PHS têm se destacado em lançar pastores, padres e outros líderes religiosos como candidatos e, por meio dos votos obtidos junto ao eleitorado de fiéis, aumentar o número de cadeiras obtidas. É o que revela o gráfico abaixo:

Como já escrevi aqui, a proibição das doações de campanhas feitas por empresas a partir deste ano deve aumentar a participação de líderes religiosos nas eleições municipais. Nesse contexto, os partidos pequenos devem capitalizar grande parte do seu sucesso – e isso começa a preocupar os grandes partidos. Tenho a impressão de que a recente propositura de uma PEC para reestabelecer as cláusulas de barreira e proibir coligações nas eleições proporcionais (veja), além de sua inegável necessidade, seja uma resposta a esse movimento.

A releitura (relegere) dos dados acima parecem sugerir que há uma tendência de religação (religare) entre Estado e Igreja no Brasil. Se um dia elegeremos (religere) uma República Federativa do Reino de Deus, ainda não é possível afirmar. Mas pretendo escrever mais sobre isso num futuro breve. Até lá!]

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