Eleição do Senado é prenúncio da “nova política”

Publicado originalmente no jornal Valor Econômico em 04/02/2019

 

“Show de horrores” foi a expressão mais utilizada nas redes sociais para caracterizar a eleição para a presidência do Senado Federal no biênio 2019-2020. Davi Alcolumbre (DEM/AP), no discurso de vitória, chegou inclusive a pedir desculpas à população “pelos ultrajes seguidos que apequenaram essa grande instituição chamada Senado da República nesta sessão preparatória”.

A eleição do senador do DEM encerra um período de 18 anos de dominância do MDB no Senado. Entre a posse de Jader Barbalho em 2001 e o encerramento do mandato de Eunício Oliveira na última sexta-feira, o Senado foi comandado praticamente por uma sucessão de mandatos entre José Sarney e Renan Calheiros – os maiores expoentes desta “velha política” que muitos supõem ter sido extinta com a ascensão de Bolsonaro ao poder. Se a “nova política” será melhor ou pior, o futuro dirá – embora o espetáculo de sexta e sábado possa ter servido como um trailer sobre o que pode vir por aí.

O Senado sempre foi tido como uma Casa legislativa de nível mais alto do que a Câmara dos Deputados – não é à toa que Niemeyer projetou-o como um semicírculo voltado para baixo, em forma de cúpula, em oposição à Câmara, voltada para cima para ouvir os anseios da população. Em geral composto por parlamentares mais experientes, eleitos de forma majoritária para representarem os interesses de seus Estados, a tradição e a busca de consensos foram marcas do Senado ao longo das últimas décadas.

Por muito tempo, a eleição do presidente do Senado cabia exclusivamente ao partido com a maior bancada. A partir de 1997, porém, a eleição passou a envolver todos os senadores, em votação fechada. A competição, entretanto, nunca foi acirrada – em três ocasiões, inclusive, ela nem existiu: ACM (1999), Sarney (2003) e Renan (2005) foram eleitos em chapa única. Este ano, porém, tudo foi diferente. Alcolumbre venceu uma disputa que no início da sessão preparatória tinha o recorde de 9 senadores. E sua vitória, com 42 votos, foi a mais magra desde Jader, em 2001.

Em destaque, presidente do Senado Federal, senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), comemora com parlamentares. Foto: Geraldo Magela/Agência Senado

A derrota política de Renan pode ter soado como uma vitória de Onix Lorenzoni e do governo Bolsonaro. Sem dúvida é uma boa notícia para o pacote anticorrupção de Moro – uma vez que Renan é, além de alvo, um severo crítico da Operação Lava Jato. No entanto, não parece ter sido uma medida prudente ter lançado para a oposição, de maneira tão traumática, um senador com o poder de fogo que tem Renan Calheiros.

Olhando para o outro extremo do “Túnel do Tempo” (o extenso corredor que liga as duas Casas legislativas), as perspectivas parecem melhores. Eleito com a maior votação em 8 anos para a chefia da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) construiu um arco da esquerda à direita que o credencia a ser o grande fiador para a aprovação da agenda liberalizante do ministro Paulo Guedes.

Olhando em perspectiva, contudo, o resultado não deveria trazer tanta tranquilidade assim para o governo Bolsonaro. A vitória de Maia foi a mais frágil para um presidente novato desde 1995. Para auxiliar na aprovação de sua agenda de início de governo na Câmara, FHC contou com o apoio de Luís Eduardo Magalhães (eleito com 384 votos em 1995), Lula emplacou seu colega de partido João Paulo Cunha (434 votos em 2003) e Dilma também teve a ajuda de outro petista bem votado, Marco Maia (375 votos em 2011). Sob esse prisma, portanto, Maia e seus 334 votos não parecem tão fortes assim para, numa Câmara extremamente fragmentada, vencer resistências corporativistas e empresariais que impedem o ajuste fiscal e a modernização da economia.

A pulverização de candidaturas para a presidência da Câmara e do Senado e, numa perspectiva histórica, a pouca força dos eleitos são indicativos de uma nova realidade: faltam líderes na nova legislatura. Uma evidência está no gráfico abaixo. O Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP) publica desde 1994 o tradicional relatório “Os Cabeças do Congresso”, que escolhe os 100 parlamentares mais influentes do país. De acordo com esse levantamento, a configuração atual do Congresso é a que tem menos parlamentares de destaque no ranking dos anos anteriores, com uma queda proeminente sobretudo no Senado.

Como não existe vácuo de poder, é de se esperar uma intensa luta por protagonismo num Congresso bastante renovado e com uma grande fragmentação partidária. O que vimos neste fim de semana, com embates acirrados, manobras regimentais e judicialização de decisões que deveriam ser tomadas entre muros, pode ser o prenúncio do Legislativo que teremos nos próximos quatro anos. Sem lideranças incontestes, eleva-se bastante o custo para articular e coordenar as ações legislativas do governo, colocando em risco uma agenda de reformas absolutamente necessária para o país.

Como diria o novo presidente do Senado, Davi Alcolumbre, “não haverá nesta Casa senadores ou senadoras de alto e baixo clero”. Não vamos nos iludir: o risco de termos um Congresso nivelado por baixo é concreto. O show deve continuar.