Publicado originalmente no @BrunoCarazza em 13/03/2019

 

O Relatório da CPI das Milícias (ALERJ, 2008) cita estudo do sociólogo Ignácio Cano (UERJ) que define 5 características principais das milícias, enquanto organizações criminosas:

1) Controle territorial por grupo armado;

2) Controle coercitivo sobre a população que vive nessa região;

3) Motivação de lucro;

4) Participação ativa e reconhecida de agentes do Estado; e

5) Discurso de legitimação baseado na proteção dos moradores e instauração de ordem.

Para o autor, são as duas últimas características (4 e 5) que distinguem as milícias de outras organizações criminosas, como os traficantes de drogas.

Quanto ao item 4, o relatório da CPI revela o envolvimento de diversos políticos (vereadores, deputados estaduais e federais) com atividades de milícias na cidade do Rio (especialmente na Zona Oeste, mais precisamente em Porto das Pedras e Campo Grande) e interior do Estado.

Em relação ao item 5, de acordo com o relatório da CPI, o discurso de legitimação relativo à proteção dos habitantes é um ponto central da milícia. Essa publicidade do seu papel público cumpre várias funções:

a) Serve como alavanca na tentativa de legitimação das milícias, opostas à criminalidade – o miliciano tenta representar o Estado dentro das favelas.

b) Se o miliciano é um policial, pagar um miliciano seria o equivalente a contratar um profissional com competência técnica.

c) Como os milicianos são policiais, se houver uma tentativa de retomada do tráfico eles podem solicitar ajuda da polícia – isso fortalece a sua posição na comunidade.

d) A possível resistência dos moradores fica ainda mais limitada, pois os praticantes da extorsão são membros do Estado.

e) Se na guerra entre a polícia e o poder paralelo os policiais assumem o poder paralelo, a insegurança provocada pelas incursões policiais diminuem.

Minha opinião: Apesar dos casos de Queiroz, da esposa e da mãe do miliciano empregadas no gabinete, da vizinhança do suposto executor de Marielle e dos laços quase-familiares entre eles, ainda não há nada que indique que Bolsonaro e filhos se enquadrem no item 4.

No entanto, os discursos do ainda deputado Bolsonaro defendendo as milícias e as medalhas concedidas por Flávio a militares envolvidos em operações com mortes, dezenas deles investigados por homicídios ou envolvimento com milícias, reforçam o papel descrito no item 5.

Ao insistir no discurso de que as milícias oferecem à população uma proteção que não é garantida pelo Estado, o então deputado Jair Bolsonaro reforçava o discurso da legitimação dessas organizações criminosas compostas, em grande parte, por militares.

Já seu filho Flávio, ao conceder centenas de condecorações a policiais e bombeiros, oferecia uma espécie de “selo de qualidade” para uma eventual atuação desses militares em milícias, reforçando sua credibilidade perante as organizações criminosas e a população em geral.

Em ambos os casos, se por um lado é difícil enquadrar a postura de ambos como crime (assim como “coincidências” não são provas), trata-se evidentemente de um comportamento no mínimo reprovável socialmente, ainda mais num país atolado nesta crise de violência.