Campanha antecipada incentiva debate de propostas para economia

Por Bruno Carazza. Publicado originalmente no jornal Valor Econômico em 08/11/2021.

 

Na semana passada, enquanto o teto desabava com as manobras para a aprovação da PEC dos precatórios, tivemos um ensaio do que poderá ser o debate eleitoral a respeito de propostas econômicas para tirar o país do buraco a partir de 2023.

Na segunda (01/11), em conversa transmitida pela Fundação Perseu Abramo, ligada ao Partido dos Trabalhadores (PT), o ex-ministro Guido Mantega e o professor da Unicamp Guilherme Mello discutiram o “Passado, Presente e Futuro” da economia brasileira. No dia seguinte, o presidenciável Ciro Gomes condenou o tripé macroeconômico em artigo crítico à visão de Armínio Fraga na Folha de S.Paulo – e teve tréplica. Já na sexta, especulações sobre a presença de Persio Arida na equipe de Sergio Moro, ainda que posteriormente desmentidas, animaram o mercado.

A vantagem de a campanha presidencial já estar na rua faltando ainda onze meses para o primeiro turno é a possibilidade de analisarmos com calma as propostas de cada pré-candidato. E já existem planos concretos na mesa.

O retorno de Guido Mantega à esfera pública depois de um longo afastamento chama a atenção por ressuscitar velhas ideias da famosa “Nova Matriz Econômica”. Comparando a pandemia à situação enfrentada pelo governo petista em resposta à crise financeira de 2008, Mantega defendeu a reedição do uso dos bancos públicos para estimular o crédito e a recapitalização do BNDES, a utilização do poder de compra da Petrobras e grandes projetos de infraestrutura governamentais para ampliar o investimento produtivo, além de políticas de distribuição de renda e de valorização real do salário-mínimo.

Antes que se argumente que Mantega poderia estar se referindo à sua gestão, e não a propostas para um eventual novo governo de Lula, é bom ficar claro que todos esses itens estão presentes no “Plano de Reconstrução e Transformação do Brasil”, documento de 210 páginas lançado pelo PT em setembro de 2020 para servir de base para a construção de uma frente ampla de esquerda em 2022.

Dividido em duas partes, uma com medidas emergenciais de combate aos efeitos da pandemia e outro estrutural, para “reconstruir as bases do desenvolvimento inclusivo, social e ambientalmente responsável”, a proposta do PT prevê não apenas “a revogação da EC 95, que impôs uma ortodoxia fiscal permanente com um teto declinante nos gastos públicos por vinte anos; mas também a modulação do resultado primário e da regra de ouro” (p. 175). Embora reconheça a necessidade de o governo apresentar “metas fiscais factíveis, que sinalizem um compromisso de longo prazo com a estabilização de dívida” (p. 177), não se apresenta qualquer medida concreta que seja colocada no lugar do teto como âncora fiscal.

Muitos argumentam que as ideias de Mantega e de Guilherme Mello (co-autor da parte econômica do documento, ao lado de Aloizio Mercadante) não representam as diretrizes de um possível governo Lula 3, que seria bem mais moderado. Ora, se for assim, em nome da transparência, seria recomendável que o líder petista apresentasse seu projeto real para a economia, caso ele difira do receituário atual do partido.

O ex-presidente Lula e seu ministro da Fazenda, Guido Mantega, em 2009. Foto: PT no Senado.

 

Rebatendo coluna do ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga, o pré-candidato Ciro Gomes (PDT) culpa o tripé macroeconômico (geração de superávits primários, sistema de metas de inflação e câmbio flutuante) por ser “causa importante do nosso desastre”. Nas suas palavras, “não é admissível que a forma de conseguir equilíbrio fiscal seja proibir o país de crescer, como prega o atual modelo”.

Quem leu “Projeto nacional: o dever da esperança”, conjunto de propostas para o país caso seja eleito em 2022, não se surpreendeu com a crítica de Ciro a Armínio. Também lançado no ano passado, o livro contém uma série de medidas heterodoxas para a economia, como o uso de parte das reservas internacionais como linha de crédito para capitalizar as empresas brasileiras (p. 130) e baixar na marra a taxa Selic e redefinir a política de emissão de títulos públicos para reduzir o custo do serviço da dívida (pp. 139-140) e, assim, recuperar a capacidade de investimento público e destravar o crescimento econômico.

Mas nem só de heterodoxia e populismo econômico são feitas as propostas do PT e de Ciro Gomes para o país. Ambas as publicações trazem, por exemplo, a necessidade de se rever os generosos programas de incentivos e isenções fiscais criados nos últimos anos e que sangram anualmente em torno de 4% do PIB.

No campo da reforma tributária, parece haver consenso em torno de uma simplificação dos tributos sobre o consumo nos moldes da PEC 45/2019 (“proposta Appy”), bem como no objetivo de se atingir uma maior progressividade na tributação da renda, com o fim da isenção à distribuição de lucros e dividendos, e também do patrimônio. Ciro ainda defende uma nova rodada de reforma da Previdência, com a inclusão dos militares no sistema geral e a ampliação do regime de capitalização, com contribuição patronal.

O frenesi causado pela suposta participação de Arida na campanha de Moro demonstra a expectativa pela apresentação de um programa realista e coerente de recuperação econômica. A própria postura de Armínio Fraga, que na sua tréplica se colocou à disposição de Ciro e dos demais candidatos para incluir a dimensão do combate às desigualdades no tripé macroeconômico, indica que há disposição para construí-lo, porém…

Enquanto a esquerda coloca na mesa as suas ideias para a economia, a centro-direita que se quer apresentar como terceira via perde tempo ainda discutindo nomes. Organizado pelo Valor e pelo jornal O Globo, o debate entre João Doria, Eduardo Leite e Arthur Virgílio para as prévias do PSDB frustrou quem esperava a exposição de medidas concretas para a superação da crise econômica e social vivida pelo país.

A gravidade da conjuntura e o cenário sombrio para os próximos anos não permitem que os pré-candidatos tucanos se limitem a repetir expressões vazias como “necessidade de ajuste fiscal”, “reforma tributária e administrativa” e “privatização” sem indicar como o farão. Perdidos em obviedades, estão perdendo uma grande chance de mostrar a que vieram.