Geração Z chega às urnas no embalo do TikTok

Por Bruno Carazza. Publicado originalmente no jornal Valor Econômico em 16/05/2022.

 

“Se você não é de esquerda aos 20 anos, não tem coração. Mas aquele que não é de direita aos 30, não tem nada na cabeça”. A frase provocativa é de autoria imprecisa. Ao longo da história, foi atribuída ao parlamentar inglês Edmund Burke (1729-1797), ao político francês François Guizot (1787-1874), ao rei sueco Oscar II (1829-1909) e até ao primeiro-ministro inglês Winston Churchill (1874-1965). Todos eles, claro, teriam utilizado a citação em sua fase madura e reacionária.

Independentemente de se concordar ou não com a afirmação (este colunista está do lado de quem diverge), ela expressa uma hipótese político-demográfica: o percentual de conservadores cresce à medida em que os eleitores envelhecem. E não faltam evidências anedóticas recentes para reforçar essa suposição.

De acordo com pesquisas realizadas à época da votação, os defensores do Brexit derrotaram aqueles que queriam permanecer na União Europeia por 60% a 40% na população acima de 65 anos; mas entre os britânicos de 18 a 24 anos, o Brexit levou de goleada: 27% a 73%.

Nos Estados Unidos, pesquisa do Pew Research Center indicou que, nas eleições de 2020, Joe Biden teve uma vantagem de 20 pontos percentuais entre os millenials (nascidos entre 1981 e 1996) e a geração Z (natos depois de 1997) – um apoio muito mais amplo do que o visto na geração X (nascidos entre 1965 e 1981), em que o democrata venceu por uma diferença de apenas 3 pontos.

Donald Trump, porém, foi o preferido dos baby boomers (coorte de 1946 a 1964, com 3 pontos a mais) e principalmente na chamada “geração silenciosa” (que veio ao mundo de 1926 a 1945), onde o republicano ficou 16 pontos à frente de Biden.

Nas recentes eleições francesas, os institutos Ipsos e Sopra Steria captaram que, às vésperas do segundo turno, havia uma ampla preferência por Emmanuel Macron em relação a Marine Le Pen entre os jovens de 18 a 24 anos (61% a 39%). O grande desafio, porém, era converter simpatia em votos efetivos, uma vez que 41% dos eleitores desse grupo não pretendiam comparecer às urnas.

A importância de se atrair a juventude para a disputa eleitoral brasileira ficou evidente nas últimas semanas, com diversas celebridades mobilizadas para estimular a retirada do título de eleitor daqueles entre 16 e 18 anos. A estratégia deu certo e 2.042.817 novas garotas e garotos estão habilitados a votar.

Ex-presidente Lula em lançamento da Olimpíada da Matemática em 2010. Foto: Ricardo Stuckert/PR

Na falta de um censo demográfico desde 2010, conhecemos muito pouco as características e anseios dos integrantes desta geração Z que vai debutar nas urnas em outubro. Para lançar luz sobre um possível pendor dos jovens brasileiros pela esquerda, fiz um exercício com base nos dados da última eleição presidencial.

Associar características demográficas ao voto no Brasil sempre foi complicado porque a base de registros eleitorais fica defasada rapidamente, pois as pessoas envelhecem (e muitas morrem) depois que se tira o título de eleitor. Mas com a adoção da biometria, tivemos uma rara oportunidade de estudar essa relação, pois dezenas de milhões de eleitores tiveram que comparecer aos tribunais eleitorais para cadastrar suas digitais e atualizar seus dados.

Assim, tomando o perfil das pessoas aptas a votar em 1.256 municípios, de 23 Estados, que utilizaram a biometria pela primeira vez nas eleições de 2018 (ou seja, cidades onde os cadastros eleitorais estavam “fresquinhos”) e cruzando esses dados com a votação no segundo turno, podemos constatar que, na média, zonas eleitorais em que o percentual de jovens de 16 a 20 anos era maior tenderam a votar mais em Fernando Haddad (PT) do que em Jair Bolsonaro.

Essa evidência explica a ênfase dada aos memes, aos vídeos curtos e ao exército de robôs utilizados na estratégia de comunicação de Bolsonaro nas redes sociais. Conquistar corações e mentes dos eleitores mais novos é fundamental para encostar em Lula nas pesquisas. E aqui precisamos falar sobre o TikTok.

Segundo o último relatório de Simon Kemp, da consultoria Kepios, o grupo de 18 a 24 anos representa 11% da audiência publicitária de Facebook, Instagram e Messenger no Brasil. Não temos dados sobre o perfil demográfico de utilização do TikTok, mas é razoável supor que ele seja bem mais jovem do que o das empresas de Mark Zuckerberg. Mais jovem e mais conectado: em fevereiro passado, o brasileiro passou uma média de 20,2 horas na rede chinesa, contra 13,5 horas no Facebook e 15,6 horas no Instagram.

Bolsonaro já percebeu a importância do TikTok. Para reverter a vantagem de Lula entre os mais jovens (o último Datafolha indica uma diferença de 51% a 22% para o petista na faixa de 16 a 24 anos), seu perfil, criado em outubro do ano passado, já possui 1,5 milhão de seguidores. A recém-criada conta de Lula, por sua vez, ainda tem apenas 142 mil interessados.

Lula deixou o poder em 2010, quando o jovem eleitor de hoje ainda acreditava em Papai Noel e Coelhinho da Páscoa. Num cenário de polarização crescente, desemprego elevado e muitos problemas na educação neste pós-pandemia, o voto dos jovens pode consolidar a sua vitória. Para isso, contudo, ele vai precisar se apresentar a esses novos eleitores.

Será que Lula, aos 76 anos, estará disposto a fazer dancinhas no TikTok?