Lições de 2014 para uma terceira via em 2022

Por Bruno Carazza. Publicado originalmente no jornal Valor Econômico em 22/11/2021.

A única vez em que se vislumbrou a possibilidade real de uma “terceira via” chegar ao segundo turno aconteceu em 2014. Faltando um mês para os brasileiros irem às urnas naquele ano, o Datafolha indicava Dilma Rousseff e Marina Silva tecnicamente empatadas, com 35% a 34% das intenções de voto. O tucano Aécio Neves vinha bem atrás, com apenas 14%.

As eleições de 2014 foram as mais surpreendentes e disputadas de nossa história recente. Marina Silva teve o registro do seu partido – a Rede Sustentabilidade – negado em 2013 e por isso decidiu se aliar a Eduardo Campos (PSB), assumindo o posto de vice. Em 13 de agosto, porém, um trágico acidente aéreo tirou a vida do ex-governador pernambucano. Marina foi então alçada à cabeça de chapa a uma semana do início oficial da campanha.

Marina Silva tinha recall: em 2010, havia impressionado ao terminar em terceiro lugar com quase 20 milhões de votos (19,3% do total) concorrendo ao Palácio do Planalto pelo minúsculo PV. Além disso, com uma longa trajetória ligada a pautas sociais – havia sido vereadora, deputada estadual e senadora pelo PT e ministra do Meio Ambiente de Lula – e tendo na retaguarda André Lara Resende e Eduardo Giannetti pregando responsabilidade fiscal e reformas econômicas, Marina tinha tudo para furar a polarização histórica entre PT e PSDB.

Em um mês, contudo, sua candidatura derreteu. À medida em que a disputa esquentava, Marina foi perdendo apoio a cada pesquisa, enquanto Dilma e Aécio cresciam. Computados os votos em 05 de outubro, a petista terminou na frente com 41,6%, seguida por Aécio com 33,5%. Marina obteve somente 21,3% dos votos dos brasileiros.

Marina Silva e Sergio Moro têm muitas diferenças – de origem social, de história e inclinação políticas, além de visões de mundo. A experiência vivida pela acreana em 2014, entretanto, tem algumas lições que podem ser úteis ao paranaense em seu projeto de tentar ser uma alternativa viável em 2022.

Sergio Moro, na época em que era ministro de Jair Bolsonaro. Foto: Marcos Corrêa/PR

A primeira delas é que estrutura de campanha importa muito para uma terceira via. A coligação Unidos pelo Brasil (PSB, PPS, PSL, PHS, PPL e PRP) proporcionava 2min03s em cada bloco de propaganda eleitoral no rádio e na TV para Marina, menos da metade dos 04min35s do Muda Brasil de Aécio (PSDB, DEM, PTB, SD, PMN, PEN, PTN, PTC e PTdoB) e um quinto do tempo angariado pela coligação “Com a Força do Povo” de Dilma (10min24s). Dinheiro também conta. A campanha de Marina arrecadou no primeiro turno cerca de R$ 103 milhões, contra R$ 215 milhões da candidata petista e R$ 240 milhões do tucano.

Com mais dinheiro e tempo no rádio e na TV, Dilma e Aécio trataram de promover uma intensa campanha de difamação contra Marina, numa estratégia que seria um prenúncio dos golpes baixos e fake news que marcariam a eleição de 2018. Bombardeada à esquerda e à direita, Marina perdeu votos tanto nos extratos mais pobres do eleitorado (pelo boatos alimentados pela propaganda petista de que iria acabar com o Bolsa Família), quanto junto ao eleitor de mais alta renda e nível educacional (pelo sentimento antipetista incentivado por Aécio).

Outra mensagem vinda da disputa de 2014 é que o eleitor de centro é muito volátil, e tende a migrar para um dos polos ao pressentir que seu candidato preferencial perde força. Na reta final de campanha, percebendo que Marina caía nas pesquisas, seus apoiadores de centro-esquerda migraram para Dilma, enquanto os de centro-direita fecharam com Aécio.

No caso de Sergio Moro, há um desafio adicional. Como pode foi captado pela pesquisa Quaest/Genial Investimentos (tabela abaixo), as preferências políticas do eleitor “nem Lula nem Bolsonaro” estão muito mais próximas do grupo que apoia o petista. Moro, por sua vez, tem uma base potencial de eleitores mais identificada com as visões dos bolsonaristas.

Para chegar ao Palácio do Planalto, portanto, Moro precisará alargar sua base pela centro-esquerda para derrotar Bolsonaro no primeiro turno e recorrer ao sentimento antipetista contra Lula no segundo.

Para não ser dragado pela polarização como aconteceu com Marina Silva em 2014, além do recall da Lava Jato e de uma excelente equipe econômica, Moro precisará de um programa de governo abrangente e de uma ampla aliança de partidos. Não é uma missão fácil.