Continuando o post anterior, que falava das hipóteses em que é possível realizar contratações temporárias sem concurso público…

Pois bem, a Lei nº 8.745/1993 estabeleceu o que, para a Administração Pública Federal, constitui “necessidade de excepcional interesse público”, situação em que é possível realizar uma contratação temporária sem o prévio concurso público. No rol do art. 2º constam situações inquestionáveis, a começar pela “assistência a situações de calamidade pública”. Imagine a situação dos desabamentos de janeiro na serra fluminense. A gravidade e a urgência da situação eram tão evidentes que o Governo Federal poderia, por exemplo, contratar médicos, bombeiros e outros profissionais para ajudar na assistência às vítimas sem concurso público. Normalizada a situação, os contratos seriam rescindidos e, assim, o Estado teria cumprido seu papel sem necessitar esperar meses até realizar um concurso público.

Acontece que, com o passar o tempo, o instituto da contratação temporária foi sendo deturpado por uma série de novas leis e medidas provisórias. Admissão de professores substitutos e visitantes, atividades de demarcação de territórios, atividades do Hospital das Forças Armadas, admissão de pesquisadores, além de outras, passaram a ser “necessidades excepcionais de interesse público” e criaram condições para contratações temporárias sem concurso público.

Essas contratações temporárias remetem aos vícios do passado que a Constituição procurou eliminar. Propicia situações de apadrinhamento e cria um servidor público “de segunda classe” – pois não tem todas as garantias conferidas aos estatutários.

A mais nova investida nessa deturpação inconstitucional da exigência de concurso público é a Medida Provisória nº 525, publicada em 14/02/2011 (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Mpv/525.htm). Ela cria a possibilidade de se contratar, por prazo de no máximo dois anos, professores para as instituições federais de ensino criadas nos últimos anos.

De acordo com a Exposição de Motivos assinada pela Ministra do Planejamento e pelo Ministro da Educação, a contratação temporária é necessária para atender às metas do Reuni (cujo nome oficial é Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais), programa federal destinado à expansão da rede de ensino superior federal.


Ainda de acordo com o texto dos Ministros, na época de criação do Reuni foi estimada uma carência de 15.755 novos professores. No entanto, a demora na realização dos concursos está ameaçando o atendimento dos novos cursos criados. Por isso é necessário, na visão desses Ministérios, realizar contratações temporárias para evitar que os alunos fiquem sem professores.


Tem-se aqui, na nossa opinião, um clássico exemplo da falta de planejamento das políticas públicas brasileiras. O Reuni foi lançado com estardalhaço em 2007 (por meio do Decreto nº 6.096, disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2007/Decreto/D6096.htm). De lá pra cá, foram criadas novas universidades, instituídos novos cursos nas universidades já existentes, realizados vestibulares…  No entanto, não foi realizada previamente a contratação do insumo mais básico no processo educativo: os professores.

Todos sabem que para realizar concurso para professor são necessários tempo e dinheiro. Como o MEC “passou o carro na frente dos bois”, recorre agora à contratação temporária para evitar que os alunos fiquem sem professores: um erro de planejamento sendo corrigido por uma deturpação da interpretação de um dispositivo constitucional. Quando é que aprenderemos a fazer a lição de casa em matéria de políticas públicas?