Governo regulamenta relicitação de concessões

Por Bruno Carazza

 

O presidente Jair Bolsonaro editou hoje o Decreto nº 9.957/2019, que regulamenta o procedimento para relicitação dos contratos de concessões e parcerias nos setores rodoviário, ferroviário e aeroportuário.

Trata-se do esperado detalhamento das regras previstas na Lei nº 13.448/2017, editada pelo ex-presidente Michel Temer para tentar resolver a crise que assolava as empresas que assumiram contratos de concessão leiloados durante o governo Dilma Roussef, como diversos trechos das BRs 040, 050, 060, 101, 153, 163 e 262, além do aeroporto de Viracopos.

Em poucas palavras, o decreto estabelece o que a concessionária deve fazer para “entregar” a concessão ao governo, que então fará uma nova licitação para contratar uma outra empresa para assumir o serviço.

De acordo com a nova norma, o processo será conduzido pelas respectivas agências reguladoras (ANTT ou ANAC, dependendo do modal). A adesão da empresa ao procedimento de relicitação é irrevogável e deve vir acompanhada de uma série de documentos sobre os investimentos realizados, financiamento, contratos com terceiros, situação dos processos de desapropriação, além das condições para continuar prestando o serviço durante o trâmite do processo.

À agência reguladora caberá analisar a viabilidade récnica e jurídica do pedido, mas a decisão final caberá ao Presidente da República, após manifestação do Ministério da Infraestrutura e do Conselho do Programa de Parceiras e Investimentos. Se o requerimento for considerado compatível com o interesse público, uma nova licitação será realizada pela agência reguladora ou pelo Ministério da Infraestrutura, com o acompanhamento de uma empresa de auditoria independente.

Inauguração de obras de estrada no Espírito Santo. Foto: Marcos Corrêa/PR

 

Uma questão central nesse processo diz respeito ao cálculo das indenizações e a apuração dos deveres e haveres relacionados à extinção do contrato, descontadas as multas e outras penalidades, o valor das outorgas não pagas e também do montante decorrente da não contabilização do impacto econômico-financeiro da suspensão das obrigações no valor da receita tarifária. Como espera-se uma grande controvérsia a respeito desses cálculos, o novo decreto admite o uso de arbitragem e mecanismos privados de resolução de conflito, além de exigir a certificação do resultado pela empresa de auditoria externa.

No caso, o pagamento da indenização caberá ao novo contratado, mas o valor, que poderá envolver inclusive a parte que cabe aos financiados e garantidores do concessionário anterior, deverá constar no edital de relicitação. O decreto deixa claro que o poder concedente (no caso, a União), não responderá por quaisquer encargos, ônus, obrigações ou compromissos com terceiros ou empregados em função de todo o processo de relicitação.

Como proteções adicionais à União, o decreto proíbe a concessionária de dividir dividendos ou juros sobre capital próprio, reduzir o capital social, bem como alienar ônus e outros direitos vinculados ao contrato ou conceder novas garantias a terceiros sem o consentimento expresso da agência reguladora. A concessionária também fica impedida de requerer falência ou recuperação judicial ou extrajudicional até o encerramento do contrato, assim como concede à União a faculdade de acompanhar as reuniões de seu conselho de administração.

A publicação das regras de relicitação procura prover uma solução para inúmeros casos de concessionárias que não conseguiram honrar com os compromissos de investimentos em função não apenas da grave crise econômica que se abateu sobre o país nos últimos cinco anos, como também dos escândalos de corrupção que afetaram diretamente as maiores empreiteiras do país.

A lição que fica é a necessidade de que o governo, enquanto poder concedente, seja mais diligente no desenho dos seus editais de licitação, com hipóteses mais conservadoras a respeito das condições macroeconômicas futuras que embasam os cálculos de demanda e receita esperada. E que contenha seus ímpetos de fazer populismo tarifário com o estabelecimento do valor dos pedágios. O caso da relicitação de contratos de concessão é mais um exemplo de que não existe almoço grátis em economia.