Apoio presidencial nem sempre é garantia de vitória nas urnas

Por Bruno Carazza. Publicado originalmente no jornal Valor Econômico em 10/01/2022.

 

O religioso mineiro Frei Betto abre seu livro de reflexões sobre a política transcrevendo uma poesia de Machado de Assis, um parábola sobre um plebeu que certo dia se deparou com uma mosca azul, de asas de ouro e granada, que refulgia ao clarão do sol.

Deslumbrado pela beleza dos seus movimentos, percebeu que o inseto era encantado. Em meio à vibração de suas asas, ele viu a si mesmo como o rei de Cachemira, vestido com roupas finas adornadas por pedras preciosas, rodeado por cem mulheres de seios nus, e a seus pés quatorze reis vencidos, representando trezentas nações, rendendo-lhe glórias.

O poder enebria e por isso é que, uma vez picado pela mosca azul, quase ninguém quer largá-lo. Frei Betto diz que ele é mais tentador do que sexo e dinheiro – até porque o poder torna essas delícias mais acessíveis.

No último sábado (08/01), o presidente Jair Bolsonaro anunciou que pelo menos 12 de seus 23 ministros atuais devem sair para disputar as eleições de outubro; ou seja, mais da metade do primeiro escalão do governo federal foi picado pela mosca azul da política.

Na conversa com jornalistas, Bolsonaro citou expressamente dois ministros que já se decidiram se candidatar. Onyx Lorenzoni (Trabalho e Previdência) e Tarcísio de Freitas (Infraestrutura) representam dois grupos distintos de ministros com pretensões eleitorais.

Onyx está no pelotão dos políticos profissionais, ao lado de Ciro Nogueira (Casa Civil), Tereza Cristina (Agricultura), João Roma (Cidadania), Fábio Faria (Comunicações), Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional) e Flávia Arruda (Secretaria de Governo). Esse grupo traz o DNA da mosca azul já inoculado em seu sangue, e se permanecem no governo até hoje é porque vislumbram que o apoio de Bolsonaro é a forma mais garantida para continuarem desfrutando das benesses do poder.

Tarcísio, porém, é de outra estirpe. Assim como Damares Alves (Família e Direitos Humanos), Marcelo Queiroga (Saúde), Gilson Machado (Turismo), Marcos Pontes (Ciência e Tecnologia) e Anderson Torres (Justiça), são virgens em disputas eleitorais, mas foram picados pela mosca azul e estão tentados a seguir carreira política própria.

Daqui até o dia 02 de abril (a legislação exige que ministros de Estado entreguem os cargos até seis meses antes das eleições, caso queiram se candidatar), veremos intensas articulações para a definição dos cargos e dos Estados que serão disputados pelos ministros-candidatos.

Mas a história recomenda cautela, tanto aos políticos do Centrão quanto aos novatos bolsonaristas. Os dados revelam que ser apoiado pelo presidente não é garantia de vitória nas urnas. Os números indicam que, desde as eleições de 1998, ministros que se lançaram candidatos foram eleitos em apenas 59,1% dos casos.

As chances de obter um cargo eletivo com o apoio presidencial dependem muito mais do cargo que se disputa do que da popularidade do ocupante do Palácio do Planalto, como se vê na tabela.

Se a decisão de se candidatar se guiasse estritamente por uma lógica racional e pessoal, os ministros de Bolsonaro deveriam se limitar a buscar a uma vaga na Câmara. Nas últimas seis eleições, vinte ministros tentaram se eleger deputados federais, e dezoito deles lograram sucesso. Reinhold Stephanes, ministro da Previdência de FHC, e Leonardo Picciani, chefe da pasta de Esportes de Temer, foram as únicas exceções que fracassaram – esse último, ainda assim, acabou assumindo posteriormente o mandato, pois ficou bem posicionado como suplente.

Mas se os ministros buscarem alçar voos mais altos, o risco de ser abatido aumenta consideravelmente. Apenas um terço dos ministros de FHC a Temer que tentaram ser governadores ou senadores conseguiu se eleger.

Em 2010, por exemplo, Lula encerrava seu segundo mandato no auge da popularidade e mesmo tendo à sua disposição emendas orçamentárias bilionárias em suas pastas, os ministros Geddel Vieira Lima (Integração Nacional), Hélio Costa (Comunicações) e Alfredo Nascimento (Transportes) não conseguiram vencer as disputas pelos governos estaduais da Bahia, Minas Gerais e Amazonas daquele ano.

O desempenho dos ministros de Temer em 2018 deveria servir de alerta para seus pares no governo Bolsonaro. Naquele ano, a alta rejeição ao presidente atrapalhou bastante as pretensões de seus ministros Maurício Quintella Lessa (Transportes, Portos e Aviação), Mendonça Filho (Educação) e Sarney Filho (Meio Ambiente) – todos de tradicionais famílias políticas nordestinas – a se tornarem senadores pelos seus Estados.

(São José do Rio Preto – SP, 24/02/2022) Palavras do Ministro de Estado da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas. Foto: Isac Nóbrega/PR

Ministros com perfil mais técnico que se aventuram em disputas eleitorais majoritárias são raros – e aqui fica uma recomendação especial para Tarcísio de Freitas, o ministro da Infraestrutura que é o queridinho dos apoiadores de Bolsonaro. Se políticos tradicionais raramente se deram bem em disputas majoritárias, o que dirá um neófito em eleições.

Caso concorra a governador ou senador por São Paulo, como quer Bolsonaro, Tarcísio pode repetir o malogro de Alexandre Padilha em 2014. Bem avaliado entre os petistas como ministro da Saúde, foi lançado pelo partido como candidato a governador de São Paulo e o resultado não poderia ser mais desanimador: Padilha terminou em terceiro lugar, bem atrás do vencedor Geraldo Alckmin e de Paulo Skaf.

Na fábula de Machado de Assis, o plebeu se enamorou tanto pela ilusão do poder que acabou sufocando-a. “Dizem que ensandeceu e que não sabe como perdeu a sua mosca azul”. Os números e a história recomendam cuidado aos ministros-candidatos.