Como num jogo, eleição depende das skills e avatares dos candidatos

Por Bruno Carazza. Publicado originalmente no jornal Valor Econômico em 14/02/2022.

 

Eliot Nelson cobriu por muitos anos a política em Washington, D.C. Entre 2010 e 2017, editou a newsletter HuffPost Hill, que analisava diariamente, com profundidade e bom humor, os bastidores do principal centro de poder mundial. Há três anos, porém, o jornalista largou tudo para se dedicar integralmente a um projeto bem diferente: criar um videogame.

Na verdade, nem tão diferente assim. De acordo com o suplemento On Politics, do New York Times, Nelson está desenvolvendo um jogo que emula as artimanhas, acordos e trapaças da disputa pelo poder. Contando com a colaboração de analistas políticos com experiência em acompanhar a Casa Branca e de ex-assessores de deputados e senadores, o projeto de Political Arena (esse será o nome do game) arrecadou mais de US$ 100 mil numa campanha de financiamento coletivo e sua primeira versão deve sair no final do ano.

A sacada de Nelson é muito boa. Os jogadores utilizam um volume inicial de moedas para gastar com as habilidades e traços de personalidade do político que vão encarnar. Desde o princípio, no seu distrito eleitoral, é preciso decidir sobre financiamento eleitoral, contratação de assessores, alianças com políticos tradicionais e, claro, táticas de campanha. Uma vez eleitos, terão que lidar com votações polêmicas e se posicionar em relação a escândalos sexuais ou casos de corrupção ao longo da carreira.

Haverá três tipos de moedas no jogo: dinheiro, popularidade e influência política. O desafio dos políticos virtuais será fazer as melhores escolhas possíveis e utilizar esses recursos para acumular poder e alcançar cargos mais altos. A depender do perfil escolhido, seu objetivo pode ser chegar à Presidência da República, se tornar um manda-chuva do Congresso ou simplesmente ser um parlamentar de baixo clero que se reelege indefinidamente.

Haverá até momentos de luta de chefões, como disputas de prévias e debates televisionados para todo o país. Em suma, Political Arena promete ser um misto de SimCity e Clash of Clans, com pitadas de Street Fighter e Grand Theft Auto.

Em 2018, 29.145 brasileiros buscaram um cargo como deputado estadual, governador, deputado federal, senador ou presidente da República – espera-se que mais gente ainda se candidate neste ano. Nas eleições de 2020, 551.470 pessoas tentaram um lugar na política, seja como vereador no município mais longínquo ou prefeito da maior cidade da América do Sul.

Como num videogame, cada candidato possui um pacote diferente de skills, desenvolvidos ao longo da vida. Alguns agraciados herdam a influência de seus pais e avós. Outros dispõem de fama, das subcelebridades aos influencers das redes sociais. Há também os empresários ou os bem conectados com a elite econômica que conseguem bancar suas campanhas com doações polpudas. Aqueles que fizeram carreira defendendo interesses corporativos também costumam ter boa vantagem, seja em sindicatos, quartéis ou igrejas. E existe quem ascende pela via partidária, depois de assessorar políticos mais experientes.

Uma alternativa para quem não possui tantas habilidades é adquirir um “pacote de moedas” que pode aumentar as chances de ser eleito. De marqueteiros a distribuidores de santinhos nas ruas, passando pelos disparos em redes de mensagem e anúncios nas redes sociais, tudo tem um preço e pode incrementar seu poderio na luta pelos votos dos eleitores.

Mas a política também é um jogo de interação com múltiplas fases. À medida em que se muda de nível, mais poderes são obtidos. Quem consegue se eleger assume papéis que fornecem visibilidade, dinheiro ou capital político. A depender do avatar escolhido – existem o negociador, o populista, o opositor, o defensor de direitos de minorias, os facilitadores de interesses privados, entre outros – e das posições conquistadas (comissões, lideranças, relatorias, etc.), aumenta a munição com mais orçamento para gastar em sua região e mais acesso aos fundos partidário e eleitoral.

Para vencer a eleição, contudo, não bastam as próprias habilidades e forças. Nosso sistema político é baseado em partidos, e funciona como um jogo multiplayer online, em que a agilidade no manuseio das armas por todos os membros da equipe é determinante para derrotar os inimigos e vencer a batalha. Sendo assim, a escolha do time (partido) e a definição da estratégia de ataque (quem apoiar na candidatura presidencial) pode determinar se o jogador passará de fase, ou não, na eleição.

Comissão do Senado discute projeto de lei sobre a prática de videogames. Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado

Os consoles já estão ligados para a versão 2022 do nosso game eleitoral. Os jogadores se posicionam na tela, buscando aprimorar suas habilidades, e os squads estão sendo formados, com as negociações das federações e, em breve, a abertura da janela para o troca-troca de partidos.

A edição atual traz uma novidade que promete tornar o jogo mais emocionante. Como o chefão está enfraquecido, os jogadores precisam traçar as estratégias num ambiente de maior incerteza. Assumir um avatar diferente do usado quatro anos atrás pode custar muitas moedas (perda de recursos do orçamento secreto) e drenar suas energias (as redes sociais do presidente são muito poderosas). Por outro lado, a perspectiva de fazer parte do novo time vencedor pode render muitos pontos na próxima fase – e quanto mais cedo se aliar a ele, melhores os postos a serem alcançados.

Há também as muitas moedas dos fundos partidário e eleitoral. Como alguns times contam com um alto estoque de energia, muitos jogadores tentarão se juntar a eles buscando incrementar seu portfólio de poderes. Mas cada time, por seu turno, precisa definir se lançará seu próprio desafiante ao posto de big boss – o que consumiria muitas moedas e reduziria o estoque a ser disponibilizado aos integrantes da equipe – ou se simplesmente apoiará um dos dois competidores posicionados para a batalha final.

O jornalista Eliot Nelson sabe que a política é viciante, e por isso seu videogame pode fazer sucesso. Por aqui, as manobras, tanto no modo sobrevivência quanto no modo criativo, tornam a disputa ainda mais interessante.