Na relação com o Congresso, não falta atenção, e sim projeto

Publicado originalmente no jornal Valor Econômico em 01/04/2019

 

Nas duas últimas semanas, os atritos entre a família Bolsonaro e Rodrigo Maia e uma derrota acachapante na Câmara dos Deputados expuseram as fragilidades da articulação política do governo. Muito se criticou a falta de disposição da nova administração em conversar com os parlamentares. O buraco, no entanto, é bem mais embaixo.

Ao se compilar as informações das agendas oficiais, percebemos que, ao contrário do que se especulou, a cúpula do governo Bolsonaro esteve aberta para se reunir com deputados e senadores nestes três primeiros meses (veja o gráfico abaixo). Os parlamentares receberam especial atenção dos dois ministros encarregados da articulação política – Onyx Lorenzoni, da Casa Civil, e General Santos Cruz, da Secretaria de Governo – assim como encontraram espaço na agenda do presidente e, nas últimas semanas, até do ministro da Economia, Paulo Guedes.

Centenas de deputados e senadores foram recebidos no Palácio do Planalto desde o início do governo. Bolsonaro ainda prestigiou o Congresso ao entregar em mãos a reforma da previdência e depois o projeto dos militares. Esteve ainda na posse da nova diretoria da frente parlamentar da agropecuária, acompanhado dos ministros Tereza Cristina (Agricultura), Paulo Guedes e Santos Cruz. Ora, se não faltou atenção aos parlamentares, por que então o governo se afunda numa crise política com o Congresso?

Desde a campanha eleitoral, Bolsonaro insiste em dizer que, na cartilha da sua “nova política”, não tem toma-lá-dá-cá. Baseado na sua experiência de quase 28 anos como deputado do baixo clero, na cabeça do presidente parlamentares e partidos negociam com o Executivo apenas em troca de orçamento e cargos, que em última instância serviriam para obter dinheiro sujo para campanhas ou para proveito pessoal.

Mas, na política, nem todos agem assim. E mesmo os políticos que admitem práticas pouco republicanas não atuam sempre movidos pela corrupção. Na função-objetivo de partidos e parlamentares, outras estratégias podem render dividendos valiosos na busca por reeleição ou cargos mais altos: ver seus projetos encampados pelo governo, relatar matérias importantes, atuar em comissões de destaque, ser convidado a comandar uma área do governo responsável por políticas públicas de impacto. Tudo isto traz poder, gera visibilidade e rende votos.

Falta ao governo entender que o presidente tem o poder de induzir partidos e parlamentares a fazerem parte do governo sem abrir mão dos princípios éticos. Dentro dessa perspectiva, de nada adianta ocupar sua agenda recebendo parlamentares se esses encontros são pulverizados, episódicos ou vazios: é preciso ter um programa de governo para ser compartilhado.

Bolsonaro está pagando o preço por ter sido eleito na base do “nós contra eles”, assumindo o papel de líder de uma cruzada contra o petismo e a corrupção exposta pela Lava Jato. Foi extremamente bem-sucedido na estratégia eleitoral, mas e agora? Seu projeto era um arquivo powerpoint com citações religiosas e frases ideológicas. Assim, fica difícil organizar uma ampla coalizão programática se o governo tem “um deserto de ideias”, como disse Rodrigo Maia.

Com exceção da reforma da Previdência, do projeto de Moro e da agenda de concessões herdada de Temer, as demais áreas do governo ainda não disseram a que vieram. Até o olavista mais convicto, se tiver honestidade intelectual, tem que dar razão às críticas da deputada Tabata Amaral ao ministro da Educação, Velez Rodriguez. O clã Bolsonaro não percebeu que o eleitor brasileiro, além de varrer do Congresso dezenas de representantes da “velha política”, também elegeu muitos novatos com bons propósitos e vontade de fazer diferente. O novo Congresso possui identidade ideológica com o governo, mas o presidente não sabe como aproveitar essa imensa oportunidade.

Mesa: presidente do Senado, senador Davi Alcolumbre (DEM-AP); senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP); presidente da CAE, senador Omar Aziz (PSD-AM); ministro de Estado da Economia, Paulo Guedes; secretário especial de Fazenda, Waldery Rodrigues Júnior. Foto: Marcos Brandão/Agência Senado

Sem um programa de governo e batendo cabeça no Congresso, nos últimos dias surgiu a ideia de envolver diretamente o ministro Paulo Guedes na articulação política pela reforma da Previdência. Apesar de ser válido seu esforço em explicar os principais pontos da reforma aos congressistas, colocar o Ministro da Economia na linha de frente de negociações, além de pouco usual, é altamente arriscado.

Mesmo Antonio Palocci (2003-2005), que tinha uma habilidade política incomum, usou essa qualidade mais para acalmar o mercado do que para fazer corpo-a-corpo no Congresso. Joaquim Levy (2015) tentou fazer ligação direta com os parlamentares para aprovar uma agenda que não era apoiada pelo partido que o nomeou e se deu mal.

Guedes tem um superministério para administrar e uma ambiciosa agenda liberal a ser implementada. Colocar alguém que tem a missão de dizer “não” para negociar no Congresso será abrir mão de um dos poucos ativos que ainda restam ao governo.