Remy Danton (Mahershala Ali) é um personagem da série House of Cards, produzida e exibida pela Netflix. Advogado, ele trabalhou 8 anos como secretário de imprensa do Deputado Francis Underwood (Kevin Spacey), o personagem principal da série.
Depois de conhecer todos os meandros da política no Capitólio, Remy foi contratado a peso de ouro para atuar como lobista para uma empresa de gás natural. Na segunda temporada da série, ele passa a prestar serviços para um magnata da indústria nuclear e, finalmente, volta a trabalhar com Underwood na Terceira Temporada, dessa vez como Chefe de Gabinete, num posto mais alto no governo americano (não vou falar qual para não estragar a surpresa de quem ainda não assistiu a série).
No desempenho de seu trabalho como lobista, Remy Danton utiliza todo o seu conhecimento sobre o funcionamento do Congresso americano, suas conexões com parlamentares (explorando seus pontos fracos) e seu conhecimento técnico sobre as matérias em discussão para influenciar projetos legislativos, políticas públicas e decisões governamentais em favor de seus clientes.
O trabalho de Remy Danton, como de todo lobista, é valorizado porque as leis criam direitos e geram obrigações para seus destinatários. A possibilidade de ter seu bem-estar afetado por uma norma é o que desperta tanto o interesse de grupos sociais, de empresas a entidades de defesa dos consumidores, de ambientalistas a servidores públicos, nos trabalhos dos governantes.
O objetivo da minha pesquisa de tese de doutorado é analisar como o ambiente institucional brasileiro (as regras do jogo político jogado no Congresso Nacional e no Poder Executivo) favorece a aprovação de normas que privilegiem determinados grupos em detrimento de toda a coletividade.
A ideia central é que nosso sistema político favorece sobremaneira que grupos bem organizados e com alto poder aquisitivo consigam extrair benefícios governamentais (como reduções e isenções tributárias, crédito subsidiado, anistias e outras benesses) à custa do restante da sociedade, que não tem condições de se mobilizar contra essas regalias concedidas com recursos públicos.
Para demonstrar como isso funciona, começarei a dar um panorama do meu universo de pesquisa.
De 1995 até o final de 2014 (ou seja, durante os governos de FHC I e II, Lula I e II e Dilma I) foram aprovadas no Brasil 4.107 leis ordinárias federais. Ou seja, em 20 anos, foram em média 207 leis por ano – mais ou menos uma lei federal nova a cada 2 dias.
Com o objetivo de compreender a atuação desses grupos de interesse, o primeiro passo foi verificar de onde partiram os projetos de lei que resultaram nessas leis. De acordo com dados coletados no Sicon – Sistema de Informações do Congresso Nacional (http://legis.senado.gov.br/sicon), as leis aprovadas no período foram propostas majoritariamente pelo Poder Executivo (68%), seguidos por Deputados e Senadores (27%) e do Poder Judiciário e Ministério Público (5%).
Analisando com mais vagar os dados, decidi classificar cada uma das normas aprovadas em 5 categorias, de acordo com seu objeto: (i) tributos e benefícios fiscais (o ponto central da tese), (ii) orçamento público, (iii) estrutura administrativa, criação de cargos e remuneração de carreiras, (iv) leis meramente simbólicas e (v) outras).
A tabela abaixo demonstra quantas leis partiram de projetos dos Poderes da República para cada uma dessas categorias:
A partir da leitura dessa tabela, podemos identificar que o Poder Executivo tem uma predominância em todas as categorias, com exceção das leis simbólicas, para as quais os Deputados e Senadores têm uma especial predileção.
Descartando-se as leis simbólicas, os parlamentares têm um protagonismo em propor e aprovar leis que tratam de outros assuntos – ou seja, que não se referem a tributos, benefícios fiscais ou orçamento. Já o Poder Judiciário e o Ministério Público concentraram-se em projetos relacionados a sua própria estrutura e carreiras.
É importante chamar a atenção para o fato de que esse resultado inusitado – o de que o Presidente da República é o autor da maioria das leis aprovadas no país – decorre de nossa Constituição Federal, que herdando uma tradição do período militar, concentrou muito poder nas mãos do Poder Executivo.
Exemplos desses superpoderes do Presidente da República no processo legislativo estão na exclusivamente na propositura de normas orçamentárias (é por isso que não temos leis orçamentárias de autoria de deputados ou senadores) ou da faculdade de editar medidas provisórias sobre um amplo leque de assuntos, desde que sejam relevantes e urgentes – e, para o governo, quase tudo é relevante e urgente.
E o que isso tem a ver com o objetivo da tese e o Remy Danton de House of Cards?
Os números apresentados acima indicam que, para ser bem sucedido, um grupo de interesse tem que agir tanto junto ao Poder Executivo (pelo seu poder de propor projetos de lei e ditar a pauta do Congresso) quanto ao Poder Legislativo (pelo seu poder de emendar as propostas do Executivo e de colocar os projetos em votação).
Portanto, esse sistema torna muito complicado e custoso sensibilizar tantos agentes (técnicos do governo, Ministros, Presidente da República, Deputados e Senadores) sobre a importância da aprovação de um projeto de interesse de um grupo (seja um setor industrial ou ONGs ambientalistas).
Em outras palavras, os serviços de um Remy Danton no Brasil seriam bem caros, e grupos mais estruturados e possuidores de grande capital têm melhores condições de bancá-los e, assim, mais chance de sucesso em suas pretensões.

 

Como essas análises são reflexões ainda preliminares sobre achados da pesquisa de tese (veja as explicações em http://leisenumeros.blogspot.com.br/2015/03/rumo-tese-de-doutorado.html), seus comentários, críticas e sugestões são muito bem vindos, pois certamente vão contribuir para melhorar a qualidade da pesquisa.


 


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