Na busca por saídas para as crises econômica, política e institucional que assolam o país, o presidente do Senado, Renan Calheiros, levou ao conhecimento dos ministros do Planejamento e da Fazenda um conjunto de propostas batizado de “Agenda Brasil”. Trata-se um novo “tripé” para a economia brasileira, com medidas em três frentes: melhoria do ambiente de negócios, equilíbrio fiscal e proteção social.

Analisando o conjunto de medidas propostas (veja aqui), percebe-se a forte concentração de medidas voltadas para o setor de infraestrutura. Há medidas para aumentar a segurança jurídica das parcerias público-privadas, reforma das leis de concessões e de licitações, procedimentos mais rápidos para licenciamentos ambientais, além de mudanças orçamentárias que em última instância beneficiarão o setor, como a questão dos restos a pagar e a proposta de maior “flexibilização” orçamentária.

Num momento em que a Operação Lava Jato coloca na berlinda a relação entre empreiteiras, governo, partidos e políticos, a Agenda Brasil de Renan Calheiros tenta despertar a paralisia do setor de infraestrutura com aprimoramentos jurídicos destinados a aumentar suas garantias.

Mas o propósito deste texto não é discutir o mérito das propostas de Renan Calheiros. Vou utilizar esse mote para iniciar uma série de análises sobre um novo ponto da minha tese: a relação entre as contribuições de campanha e o comportamento dos parlamentares.

Nas últimas postagens, eu procurei demonstrar como o volume das contribuições privadas vem crescendo a cada eleição, e como isso parece influenciar o resultado das disputas para todos os cargos. A partir de agora eu vou dar um passo além: tentar apresentar evidências de como essas “doações” influenciam o comportamento dos parlamentares.

Um dos aspectos que eu pretendo explorar são as chamadas “bancadas” de parlamentares. Ruralista, da bala, da bola, dos evangélicos, da educação – as bancadas são associações de deputados e senadores provenientes de vários partidos que defendem determinados interesses ou temas. No nosso presidencialismo amorfo, as bancadas têm assumido um papel muito importante nos últimos anos e são determinantes em votações de temas de grande repercussão. Imagine, por exemplo, como se movimentaram as bancadas ruralista e ambientalista durante as votações do novo Código Florestal, para ter uma ideia do peso desses grupos na tramitação dos projetos.

Quando formalizadas, com ata de fundação e regimento interno, as bancadas assumem o nome de “Frentes Parlamentares” e são reguladas por Ato da Mesa da Câmara dos Deputados. Na atual legislatura (2015-2018), existem 149 frentes parlamentares registradas, sobre os mais variados assuntos – do rodeio ao combate à corrupção, do apoio ao potássio brasileiro à defesa da vida e da família. A relação completa dessas frentes, com seus componentes, ata de fundação e estatuto podem ser encontrados aqui.

Mas voltemos à Agenda do Renan Calheiros e de sua defesa à infraestrutura brasileira. É sabido que as empresas do setor de construção civil e infraestrutura (empreiteiras e seus fornecedores, concessionárias de serviços públicos, etc.) são grandes doadores de campanha. Para se ter uma ideia, os atuais deputados, eleitos em 2014, receberam ao todo R$ 150,4 milhões de reais dessas empresas para financiarem os gastos de suas campanhas. Isso representa 19,5% do total de recursos recebidos por esses parlamentares. Ou seja, praticamente 1/5 de todas as doações de campanha – incluindo doações recebidas de empresas de outros setores, dos partidos políticos, de pessoas físicas e de recursos próprios investidos nas campanhas – provem de empresas do setor de infra-estrutura e construção civil.

O senso comum indica que, diante do volume de recursos recebidos de empreiteiras e afins e da relevância que eles tiveram no financiamento de suas campanhas, é de se esperar que esses parlamentares tendam a apoiar os interesses de seus financiadores.

Uma das pistas para verificar essa influência é analisar a filiação às frentes parlamentares que apoiam o setor de construção civil e infraestrutura. Minha hipótese é que as frentes atuam como uma sinalização do parlamentar para o seu doador de que está comprometido a defender os interesses daquele setor no Congresso.

Atualmente existem cinco frentes relacionadas ao setor de infraestrutura e construção civil no Congresso: a Frente Parlamentar Mista da Infraestrutura Nacional, a Frente Parlamentar de Apoio à Indústria da Construção Civil e do Mercado Imobiliário, a Frente Parlamentar Mista de Apoio ao Mercado Imobiliário, a Frente Parlamentar da Habitação e Desenvolvimento Urbano do Congresso Nacional e a Frente Parlamentar Mista em Defesa da Indústria Marítima Brasileira.

Cruzando dados de doações de campanha recebidas pelos integrantes dessas frentes de parlamentares, cheguei a conclusões interessantes. A primeira é que o setor de construção civil e infraestrutura é bastante efetivo em suas doações: dos 546 parlamentares (além dos 513 eleitos em 2014, eu computei também os 33 suplentes que tomaram posse em razão de licença dos titulares), 83,7% receberam doações do setor. Ou seja, apenas 89 membros da Câmara dos Deputados não receberam doações oficiais de empresas desse setor nas últimas eleições.

Analisando os integrantes das frentes parlamentares de apoio ao setor de construção e infraestrutura, verifica-se a seguinte distribuição do número de deputados por faixa de doações recebidas de empresas do setor:

Infra 1

Uma pergunta que é preciso fazer, no entanto, é o quão representativas são essas frentes parlamentares tendo em vista o total dos deputados na atual legislatura? Para verificar se as frentes retratam a composição de toda a Câmara no que diz respeito às doações de campanha recebidas do setor de infraestrutura e construção civil, elaborei a seguinte tabela:

Infra 2

Analisando a tabela acima, verificamos que as frentes parlamentares têm a mesma distribuição de deputados segundo as faixas de doações recebidas de empreiteiras e afins, porém com uma diferença sensível em relação ao número de membros. Em especial, causaram-me estranheza os seguintes fatos:

  • 68 deputados integrantes das frentes parlamentares de apoio ao setor de infraestrutura e construção civil não declararam ter recebido um centavo sequer de empresas desse setor.
  • Existe um número expressivo de deputados (116, para ser mais preciso), que mesmo tendo recebido doações de empresas desse setor, não se tornaram membros das frentes parlamentares ligadas à infraestrutura e à construção civil.
  • Chama ainda mais atenção o fato de que 11 deputados receberam doações extremamente vultosas de empresas do setor (mais de R$ 1 milhão cada um), porém, sem se vincular formalmente a essa bancada.

Na próxima postagem, pretendo esclarecer esses mistérios relativos à adesão formal dos deputados às bancadas parlamentares de apoio ao setor de seus doadores de campanha. Sugestões são muito bem vindas!



 

 


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