No seu discurso de abertura do ano legislativo, o Presidente do Senado, José Sarney, criticou o abuso na edição de medidas provisórias pelo Presidente da República, por esvaziarem as funções legislativas do Congresso Nacional e atrapalharem os trabalhos parlamentares.

Segundo a Agência Senado, “o presidente do Senado também disse repetir pela ‘enésima vez’ a necessidade de restabelecer a plenitude das funções do Parlamento, ‘fugindo da armadilha do rito de tramitação das medidas provisórias’, que, como observou, perturba o funcionamento das instituições, sobretudo das Casas legislativas. (http://www.senado.gov.br/agencia/verNoticia.aspx?codNoticia=98957&codAplicativo=2).

Concordamos com o Senador no diagnóstico do problema; no entanto, a visão do Presidente do Senado é parcial, abordando apenas uma de suas faces.

Criadas na Constituição de 1988 para substituir os autoritários decretos-lei do regime militar, as medidas provisórias foram imaginadas como válvulas de escape, a serem utilizadas com moderação pelo Presidente da República, para transformar rapidamente em norma matérias que, por seu caráter relevante e urgente, deveriam dispensar o prévio exame legislativo – que por natureza é moroso, pois permite o pleno debate democrático.

No entanto, as medidas provisórias acabaram tornando-se um expediente corriqueiro utilizado com frequência por todos os Presidentes da República, graças à banalização dos indeterminados conceitos jurídicos de “urgência” e “relevância” estabelecidos no caput do art. 62 da Constituição Federal.

O resultado desse processo é que, desde a promulgação da Constituição de 1988 já foram editadas 1.076 medidas provisórias, o que representa uma média de 4,2 MPs por mês!

Esses números por si já são indicativos de abusos por parte do Poder Executivo, pois é difícil imaginar que, praticamente uma vez por semana, surjam situações relevantes e urgentes que exijam a edição de uma norma sem o prévio controle legislativo.

Também é interessante notar que a opinião do José Sarney Senador representa uma evolução de pensamento em relação ao José Sarney Presidente da República. Afinal de contas, o governo de José Sarney detém até hoje o título de campeão no quesito média mensal de edição de medidas provisórias desde a CF/1988, como pode ser visto no quadro abaixo.