Antes de discutir cotas, porém, precisamos nivelar o jogo para todos

Publicado originalmente no jornal Valor Econômico em 11/03/2019

 

Nas eleições de 2018, o Partido Progressista (PP) baixou uma resolução disciplinando a distribuição do dinheiro recebido do Fundo de Campanha. Entre as diversas regras – algumas bem interessantes, como a que concedia um bônus para premiar a fidelidade partidária –, uma aberração: candidatos homens deveriam fornecer nome e dados bancários de mulheres para o partido conseguir cumprir a cota feminina de 30% determinada pelo TSE.

A prevalência de uma lógica estritamente masculina na política, explícita nessa regra interna do PP, parece ser dominante entre os partidos brasileiros, como atesta o escândalo do laranjal do PSL. Não é à toa que o Brasil seja um dos países com maior desigualdade de gênero na política.

De acordo com a Inter Parliamentary Union, nós ocupamos a 133ª posição no ranking mundial de participação feminina no Parlamento. É verdade que estamos melhorando: o percentual de mulheres na Câmara dos Deputados subiu de 10,1% para 15% de mulheres. Na comparação internacional, porém, temos o pior indicador das Américas.

Nas Assembleias Legislativas a situação não é diferente: apenas 15,5% das vagas foram ocupadas por mulheres. O Amapá, com 33,3% de deputadas estaduais, é o único Estado brasileiro que supera o patamar de 30%, considerado o mínimo razoável pelos especialistas em igualdade de gêneros na política.

No âmbito das Câmaras Municipais, apenas 24 das 5.570 cidades brasileiras elegeram mais mulheres do que homens em 2016, com destaque para Senador La Rocque (MA) e Uruçuí (PI), que têm 7 vereadoras num total de 11 vagas cada uma. Infelizmente, são uma gota d’água num oceano misógino. Em 1.293 municípios (quase ¼ do total), não há nenhuma mulher no legislativo – inclusive em centros importantes, como Cuiabá (MT), Cascavel (SC) e Diadema (SP).

Lançamento da Agenda Legislativa do Grupo Mulheres do Brasil/DF com a Bancada Feminina do Congresso Nacional. Dep. Elcione Barbalho (MDB – PA). Foto: Cleia Viana/Câmara dos Deputados

A participação feminina no Executivo é ainda pior: pouco mais de 11% dos municípios são comandados por prefeitas e, nos Estados, temos apenas uma governadora (Fátima Bezerra, do Rio Grande do Norte). No Executivo Federal, o presidente Bolsonaro fez gracejo ao afirmar que tem um ministério equilibrado porque Damares Alves (Família) e Tereza Cristina (Agricultura) valem por 10 e, assim, se equivalem aos 20 ministros homens – uma declaração patética em pleno Dia Internacional da Mulher.

Como a maioria dos outros países, desde 1997 o Brasil vem procurando reduzir o desnível na participação feminina nos cargos eletivos. A última das medidas foi determinar que 30% do dinheiro público recebido pelos partidos para financiar campanhas fosse destinado a candidatas.

Uma das explicações para essa legislação não ter alcançado o resultado esperado está no fato de que em geral todos os partidos destinaram o grosso do dinheiro para esposas, filhas e netas de políticos tradicionais. No gráfico abaixo podemos perceber o quão elevado é o percentual de deputadas e senadoras que entraram na política por meio de avós, pais e maridos políticos. Mesmo que algumas tenham alçado voo próprio, é inegável que o parentesco foi decisivo para chegarem lá – afinal, quanto mais recursos, maiores as chances de serem eleitas.

Num sistema em que presidentes de partidos consideram que homens são mais vocacionados para a política do que as mulheres, como declarou recentemente Luciano Bivar (PSL), mulheres sem relações de parentesco com políticos precisam driblar o preconceito e a falta de dinheiro para se elegerem.

Algumas contam com apoio de igrejas evangélicas, enquanto outras se fizeram conhecidas pela militância – seja à direita, a partir das manifestações de 2013 e a favor do impeachment de Dilma Rousseff, outras à esquerda, nos movimentos estudantis e sindicais. Para muitas, o uso eficiente de redes sociais foi a forma encontrada para contornar o problema e angariar votos.

Para solucionar o problema do desequilíbrio de poder na política brasileira, precisamos dar um passo essencial antes de tentar soluções como a imposição de cotas de assentos no Parlamento, como acaba de fazer a Argentina. Um sistema eleitoral que exige que candidatos gastem muito dinheiro para serem eleitos é a maior barreira para o aprofundamento da democracia no Brasil. Essa lógica penaliza não apenas as mulheres, mas qualquer cidadão de boa vontade que tenha interesse em contribuir para a coletividade e que não seja rico, não tenha conexões com políticos poderosos ou empresários endinheirados ou não seja apoiado por Igrejas ou organizações criminosas.

Sem resolver esse problema estrutural do sistema político brasileiro – que inclui também a concentração de dinheiro e poder na mão de caciques políticos regionais – a tão esperada renovação da política brasileira não virá. No contexto atual, de pouco adiantará reservar 50% das vagas do Legislativo para mulheres se o velho patriarcado continuar a dar as cartas por meio de suas esposas, filhas e netas.