Foi publicada anteontem, 05/08/2009, a Lei nº 12.011. A lei cria 230 varas da Justiça Federal. A intenção do Poder Judiciário é incentivar a interiorização da Justiça Federal no país e ampliar o atendimento dos Juizados Especiais Federais.

Vamos às explicações. A prestação da justiça pelo Poder Judiciário brasileiro é “dividida” administrativamente em especialidades, de acordo com alguns critérios. O ramo do Direito é um deles. Por isso temos, por exemplo, a Justiça do Trabalho, a Justiça Eleitoral e a Justiça Militar – essa mais relacionada a um critério pessoal (militares). Para as causas consideradas “comuns”, por não se enquadrarem na competência específica das Justiças especializadas, temos a chamada Justiça Comum. Mas essa Justiça “comum” também tem uma diferenciação: a Justiça Federal e a Justiça dos Estados.

A Justiça Federal se destaca na organização do Poder Judiciário por julgar as causas envolvendo a União, suas autarquias e empresas públicas. Existem outras atribuições (explicitadas no art. 109 da Constituição Federal, que você pode consultar aqui), mas essa é a mais marcante. Sendo assim, sempre que a União for autora ou ré, ou mesmo terceira interessada em uma ação, quem a julgará será um juiz federal.

Na estrutura da Justiça Federal, a Lei nº 10.259/2001 (clique aqui) criou os Juizados Especiais Federais, destinados a julgar causas cíveis cujo valor seja inferior a 60 salários mínimos (R$ 27.900,00 hoje) e ações criminais de menor potencial ofensivo que sejam de competência da Justiça Federal. Esses processos têm um rito mais simplificado, buscando conferir maior celeridade e efetividade à prestação da Justiça.

Para se ter uma ideia da importância da Justiça Federal, no ano de 2008 foram protocoladas em primeira instância 1.827.561 novas ações, incluindo os Juizados Especiais. Isso representa 8,5% de todas as novas ações iniciadas em 2008 nas Justiças Estadual, do Trabalho e Federal (que são as mais representativas. Esses dados foram extraídos do excelente trabalho feito pelo Conselho Nacional de Justiça, nos seus relatórios anuais denominados Justiça em Números (que podem ser consultados aqui).

Mas o que representa a nova lei para melhorar a celeridade e a efetividade do Poder Judiciário? Em termos de número de varas, as 230 a serem criadas nos próximos 5 anos representam uma expansão de 31% sobre as já existentes (incluindo os Juizados Especiais). De acordo com dados do Conselho da Justiça Federal (confira aqui), em 31/12/2008 havia no país 727 juízes titulares (com 16 cargos vagos) e 616 substitutos (sendo 127 vagos). A nova lei incorpora a esse contingente mais 230 titulares e 230 substitutos. Trata-se de um número bastante significativo.

Um juiz federal no Brasil, atuando em primeira instância, era responsável, no final de 2008, por 1.410 processos pendentes em média. Nos Juizados Especiais, por lidarem com causas mais simples, a média era de 4.079 processos pendentes por magistrado. São números alarmantes. No ano passado, cada juiz emitiu em média 475 sentenças, enquanto nos Juizados Especiais foram solucionados em média 4.805 casos por juiz. O problema é que, em 2008, entraram em média 574 novos processos para cada juiz de primeira instância e 5.042 para cada juiz nos Juizados Especiais. Ou seja, na situação atual é praticamente impossível zerar o estoque.

A nova lei é a segunda expansão na Justiça Federal em seis anos. Antes dela, a Lei nº 10.772/2003 (veja aqui) já havia criado 183 novas varas, a maioria nas principais cidades do interior do país. Mas, diferentemente da anterior, essa apresenta algumas interessantes novidades.

A primeira delas é não definir, a priori, as localidades que receberão as novas varas federais. Tal tarefa ficará a cargo do Conselho da Justiça Federal (http://www.jf.jus.br/cjf). O CJF é um órgão de supervisão administrativa e orçamentária da Justiça Federal, criado pela Lei nº 11.798/2008 (consulte aqui) . Teoricamente, é o órgão que mais conhecimento detém sobre as necessidades da Justiça Federal. Logo, a ideia de conferir a ele a missão de definir onde estão as carências a serem supridas pelas novas varas parece interessante.

Outra novidade da nova lei é que a escolha da localização das novas varas deve atender a critérios objetivos, como “a demanda processual, (…) a densidade populacional, o índice de crescimento demográfico, o Produto Interno Bruto, a distância de localidades onde haja vara federal e as áreas de fronteiras consideradas estratégicas”. Com base nesses indicadores, a escolha das localidades poderá ser mais adequada à reais necessidades da população jurisdicionada.

Por fim, a instalação das varas se dará de maneira gradual, à taxa de 46 novas varas a cada ano, começando em 2010 e terminando em 2014. Dessa forma, permite-se que a expansão se dê de forma ordenada, conferindo tempo para os ajustes administrativos, inclusive a realização dos concursos públicos.

Mas qual será o impacto financeiro da instalação das 230 varas federais? Embora não tenha sido possível encontrar essa informação nos dados sobre a tramitação do projeto de lei nos sites da Câmara e do Senado, é possível fazer uma estimativa.

Os rendimentos dos magistrados, servidores e cargos comissionados da Justiça Federal encontram-se disponíveis no site do Conselho da Justiça Federal (consulte aqui). Multiplicando pelos cargos criados, chegamos à conclusão de que, quando instaladas todas as 230 varas federais, a despesa crescerá em quase R$ 600 milhões por ano, apenas com os servidores (não estão computados os investimentos necessários para sua instalação e os gastos do custeio). Cada vara custará aos contribuintes brasileiros quase R$ 200 mil por mês, ou mais de R$ 2,5 milhões por ano. Certamente um valor bastante considerável.

O que podemos concluir dessa análise é que a Lei nº 12.011, publicada anteontem, procura oferecer um tipo de solução para os problemas de lentidão e ineficiência do Poder Judiciário brasileiro. Ela busca saída por meio da expansão do número de magistrados e do corpo técnico que os auxilia (mais de 8.000 novos cargos). Isso tem um impacto financeiro elevado para os cofres públicos.

Resta avançar mais firmemente nas reformas gerenciais (a Justiça eletrônica promete revolucionar o sistema brasileiro) e na reforma da legislação processual. Apesar de mais trabalhosas, prometem resultados mais duradouros e baratos no longo prazo.

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Ainda a respeito da postagem sobre a Lei nº 12.001/2009, que expandiu a estrutura da Justiça Federal, faltou mencionar que um dos principais fatores responsáveis pelo crescimento do aumento dos novos casos na Justiça Federal é a própria desordem normativa provocada pela União.

Grande parte da litigância contra a União deve-se a planos econômicos mal formulados, ao caótico emaranhado da legislação tributária, a regras efêmeras sobre pessoal, etc.

No caso da Justiça Federal, podemos aplicar a famosa lei de Say, um clássico dos primórdios da teoria econômica: a oferta do Estado (de absurdos legislativos) cria a sua própria demanda (de ações judiciais futuras).

Esse é mais um campo de melhoria das agruras do sistema judicial brasileiro. Mas é um dos mais difíceis de ser alcançado no médio prazo.