Gilberto Kassab sinaliza a direção dos ventos na política

Por Bruno Carazza. Publicado originalmente no jornal Valor Econômico em 07/06/2021.

 

A corrida eleitoral de 2022 foi chacoalhada com a decisão do Supremo Tribunal Federal de tornar Lula elegível. Desde então, os partidos que buscavam a construção de uma alternativa viável ao candidato do PT e a Bolsonaro parecem ter ficado desnorteados; mais do que isso, imobilizados. Um político, contudo, parece estar manobrando freneticamente nos bastidores: Gilberto Kassab.

“Olhe, não será de direita, não será de esquerda e nem de centro”. A frase, dita pelo então prefeito de São Paulo a um repórter da rádio Estadão, ficou impregnada no DNA de criação do Partido Social Democrático (PSD), que completa em agosto dez anos de existência.

A escolha do nome do partido não foi gratuita. PSD era a sigla que elegeu, em 1955, o presidente Juscelino Kubitschek, até hoje uma referência no desenvolvimentismo brasileiro. Além disso, era a legenda que, no interregno democrático entre as ditaduras de Vargas (1937/1945) e militar (1964/1985), congregou as principais oligarquias regionais da política de então.

(Houve, é verdade, um segundo PSD, que durou de 1987 a 2003 e teve, entre seus quadros mais famosos, Ronaldo Caiado como candidato a presidente em 1989 e o general Newton Cruz, que tentou ser governador do Rio de Janeiro em 1994.)

A sigla de Kassab ainda está longe de ter a representatividade nacional de seus maiores rivais. Com 411 mil filiados, o PSD é apenas o 15º no ranking nacional segundo esse critério, bem atrás dos líderes MDB (2,1 milhões) e PT (1,6 milhões). Apesar disso, o partido se converteu numa eficiente máquina de votos, possuindo hoje a segunda maior bancada do Senado (11 senadores) e a quinta na Câmara (35 deputados).

Enquanto legendas tradicionais como MDB, PSDB e PT viram seu número de prefeituras minguar de 2012 a 2020, o PSD integra, junto com PP e DEM, o pelotão de partidos que mais expande seus domínios Brasil afora. Em sua primeira eleição (2012) o PSD fez 498 municípios, saltando para 538 em 2016 e alcançando 654 cidades em 2020. Nesse quesito, é a terceira força do país hoje em dia, atrás do MDB (com 784 municípios) e PP (685). No Nordeste, por exemplo, é o segundo partido com mais prefeitos, logo atrás do PP de Arthur Lira e Ciro Nogueira.

Em termos de alianças nacionais, o PSD sempre buscou participar de grandes alianças. Esteve com Dilma em 2014, junto com PT, MDB, PP, PR, PDT, PRB, PROS e PC do B. No gabinete daquele que seria o breve segundo mandato da petista, Kassab foi nomeado ministro das Cidades, permanecendo no posto até a presidente ser afastada do cargo.

No impeachment, o PSD posicionou-se em peso pela abertura do processo contra a então presidente (29 votos a favor e apenas 8 contra). Como prêmio, Kassab foi escolhido por Temer como seu ministro da Ciência, Tecnologia e Comunicações – alcançando, assim, o feito raro de ter sido ministro durante todo o conturbado período de 2015 a 2018.

Nas últimas eleições presidenciais, o PSD apoiou Alckmin, novamente integrando uma ampla coligação: PSDB, PP, PTB, SD, PRB, DEM, PPS e PR. Dessa vez, porém, a estratégia não deu certo, o que não quer dizer que o partido ficou longe do poder durante o governo Bolsonaro. Assim que o presidente sentiu a necessidade de recorrer ao Centrão para garantir seu mandato, lá estava o PSD para embarcar no governo, emplacando Fábio Faria (PSD-RN) no Ministério das Comunicações.

Na semana passada, Kassab foi uma das primeiras vozes a criticar a decisão do Exército de não punir o ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, pela participação em uma manifestação pró-Bolsonaro. Foi apenas mais uma de uma série de declarações que ele vem espalhando na imprensa contra o atual governo recentemente. Com o genro de Silvio Santos de saída do partido, o PSD parece já ter escolhido o lado em que não estará em 2022.

O PSD chega para as eleições do ano que vem posicionado com dois governadores – Ratinho Júnior (PR) e Belivaldo Chagas (SE) – e três prefeitos de capitais: Alexandre Kalil (Belo Horizonte/MG), Marquinhos Trad (Campo Grande/MS) e a nova contratação do partido, Eduardo Paes (Rio de Janeiro/RJ).

A migração do prefeito carioca é mais uma ação de Kassab buscando aglutinar em torno de si políticos da centro-direita. Segundo notícias publicadas pela imprensa nas últimas semanas, o PSD em breve será reforçado com a entrada de Rodrigo Maia (DEM) e de Geraldo Alckmin (PSDB) – e outros podem vir por aí.

Com o caixa cheio, a sigla pode arrebanhar muitos novos apoios até o fim da janela de mudança partidária em abril do ano que vem. Se forem mantidos os atuais valores do fundo partidário e do fundão eleitoral, o PSD terá em torno de R$ 250 milhões para distribuir entre seus candidatos até as próximas eleições – montante equivalente ao do MDB e PP, e só abaixo de PSL (R$ 410 milhões) e PT (R$ 390 milhões).

Numa entrevista concedida à Rádio Gaúcha poucos dias antes de anunciar sua filiação ao PSD, Eduardo Paes disse que o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), é hoje o quadro político mais qualificado do país, e que faria campanha para ele caso saísse candidato a presidente. Ora, o prefeito carioca, que já passou por DEM, PSDB e MDB, pode ser tudo, menos ingênuo – e um elogio tão enfático só pode ser interpretado como o partido de Kassab fazendo corte ao promissor tucano gaúcho.

Ainda é cedo para cravar se os movimentos do ex-prefeito paulistano podem dar resultar numa terceira via competitiva em 2022. Mas ao aglutinar sob o guarda-chuva do PSD um espectro de políticos de centro-direita insatisfeitos com a gestão de Bolsonaro, Kassab credencia seu partido para, pelo menos, ser o grande fiel da balança num eventual terceiro mandato de Lula – ocupando um papel que no passado foi exercido pelo MDB.

Na última década, nenhum outro político soube interpretar melhor os ventos da política brasileira. Mesmo quando a sua bússola se mostrou avariada em 2018, ele rapidamente corrigiu a rota e encontrou os atalhos que o levaram a fazer parte do governo.