Em 2022, empresariado poderia propor em vez de pedir

Por Bruno Carazza. Publicado originalmente no jornal Valor Econômico em 11/10/2021.

 

Não demorou muito. Poucos dias após o governo ter enviado ao Congresso a segunda etapa do que chama de Reforma Tributária, o presidente da Fiesp, Paulo Skaf, circundado pessoal e virtualmente por representantes de 25 entidades representativas de diversas entidades empresariais, condenou: “O momento é inoportuno; deveríamos discutir o corte e a redução de gastos, de desperdícios. Por isso, a prioridade deve ser a Reforma Administrativa”.

No último dia 30 de setembro, a Câmara Americana de Comércio (Amcham) para o Brasil, lançou um manifesto clamando por um “sistema tributário mais eficiente e justo”. Na defesa de uma reforma ampla, a entidade enumera quais princípios deveriam ser perseguidos: neutralidade, transparência, equidade e simplicidade. Até aí tudo bem, pois são objetivos consagrados pela teoria clássica de tributação.

Não por acaso, o documento da Amcham deixou de mencionar um quinto elemento: a progressividade, segundo a qual os impostos devem ser calibrados de acordo com a capacidade econômica do contribuinte, tal qual previsto no art. 145, parágrafo primeiro, da nossa Constituição.

A revolta das lideranças da Fiesp e da Amcham contra a proposta do Ministério da Economia tem nome e sobrenome: tributação dos dividendos e extinção dos juros sobre capital próprio. Diante da perspectiva de ter seus ganhos tributados pelo Leão, tal qual acontece na maioria absoluta dos países, o empresariado brasileiro se mobilizou para impedir a aprovação do PL nº 2.337/2021 no Senado Federal – e para isso chegaram até mesmo a ressuscitar a PEC nº 110/2019, que unifica os tributos sobre o consumo, mas não mexe na forma de cobrança do imposto de renda.

Extinguir o emaranhado de regras presentes no IPI, PIS/Cofins, ICMS e ISS em nome de um único Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) traria neutralidade, transparência, equidade e simplicidade, tal qual defendem as mais de 4.000 companhias brasileiras e multinacionais representadas pela Amcham Brasil. Mas isso teria uma consequência: a maioria das empresas brasileiras passariam a pagar uma mesma alíquota sobre o valor adicionado na cadeia produtiva. Aí foi a vez do setor de serviços dar o grito.

Mesmo com a perspectiva de o IBS simplificar enormemente as transações econômicas no Brasil, os empresários do comércio e serviços em geral alegaram que a sua adoção aumentaria a carga tributária – e pressionaram Bolsonaro, Arthur Lira e Rodrigo Pacheco a engavetarem o projeto.

Com cada confederação empresarial olhando para o próprio umbigo, a chance de se aprovar uma reforma tributária digna dos imensos problemas nacionais se reduz a cada governo. Em seu lugar, proliferam propostas na linha do “farinha pouca, meu pirão primeiro”, como a renovação por mais quinze anos de benefícios do ICMS concedidos na farra da guerra fiscal ou a extensão, até 2026, dos privilégios da desoneração da folha de pagamentos, para ficar em apenas dois assuntos atualmente discutidos no Congresso Nacional.

Jair Bolsonaro em encontro com Paulo Skaf, presidente da FIESP e empresários. Foto: Marcos Corrêa/PR

 

Essa lógica vai além da temática tributária. Na semana passada a Confederação Nacional da Indústria (CNI) publicou um estudo sobre a “Reorganização das Cadeias Globais de Valor”, e nas suas conclusões clama por novas ações governamentais de promoção comercial, estímulo à inovação e financiamento às exportações, além de políticas industriais que ataquem o famigerado Custo Brasil. Certamente para não desagradar parte de suas associadas, não há no estudo nenhuma menção à necessidade de se promover uma maior abertura comercial, que poderia garantir acesso a maquinário e tecnologias a preços muito mais baixos, facilitando a inserção internacional das empresas brasileiras.

Durante décadas as lideranças empresariais acostumaram-se a pressionar o governo, o Congresso e o Judiciário em busca de compensações para nossos crônicos problemas estruturais: carga tributária complexa e elevada, infraestrutura deficiente, regulação sufocante, falta de segurança jurídica, entre outros.

Acontece que, a cada regime tributário especial, a cada política industrial de estímulo, a cada ex-tarifário criado ou crédito subsidiado garantido, alivia-se a pressão sobre um setor, mas se agrava o caos fiscal, tributário, comercial ou regulatório sobre todos.

Há pouco mais de 60 anos, John Kennedy elegeu-se presidente dos Estados Unidos derrotando Richard Nixon pela margem mais estreita de votos até hoje registrada: míseros 112.827 votos (ou 0,17% do total). Diante de um país dividido internamente e vivendo a ameaça externa dos soviéticos no auge da Guerra Fria, Kennedy chamou os americanos à ação no seu discurso de posse, celebrizado na frase: “Não pergunte o que os Estados Unidos podem fazer por você, mas o que você pode fazer pelos Estados Unidos”.

Daqui a um ano teremos eleições presidenciais e cada setor econômico já se organiza para receber os presidenciáveis em reuniões e jantares para apresentar suas queixas e reivindicações de sempre.

Poderíamos fazer diferente em 2022. Em vez de questionar o que os candidatos poderiam fazer para suas empresas, nossa elite econômica deveria oferecer soluções para os problemas que elas tanto reclamam.

Confederações e federações da indústria, da agricultura, do comércio, dos bancos e tantas outras poderiam, em vez de esperar uma reforma tributária perfeita vinda de cima para baixo, comprometerem-se a criar um Imposto sobre Valor Adicionado com alíquota uniforme daqui a oito, dez anos, com um cronograma de implementação gradual por setores.

Ou, em vez de defenderem a geração de superávits fiscais para estabilizar a dívida e a taxa de câmbio, deveriam apresentar um plano de desmame dos diversos benefícios tributários que sugam em torno de 4% do PIB a cada ano. Outra alternativa: já que o ESG está na moda, assumirem limites setoriais de emissões para fomentar o mercado de créditos de carbono.

Passada a moda de cobrarmos renovação na política, é hora de exigirmos a modernização de nossas lideranças empresariais.