Aprovação do Cadastro Positivo levou 3 décadas

Por Bruno Carazza.

Publicado originalmente no jornal Valor Econômico em 15/04/2019

 

Quando Antonio Palocci era ministro da Fazenda, suas apresentações continham um slide que apelidamos de “a casa da política econômica”. No alicerce estava a estabilização inflacionária, obtida com o Plano Real. Na sequência vinham os três pilares que a colocavam de pé: superávit fiscal, câmbio flutuante e metas de inflação – o tripé erigido por Pedro Malan e Armínio Fraga. Na visão de Palocci, sua missão conservar o que seus antecessores haviam construído e implantar uma agenda microeconômica para dar acabamento e funcionalidade à obra.

Ao longo desses 16 anos, os pilares da casa quase ruíram por falta de manutenção. Com a paralização das reformas, o imóvel permaneceu como a maioria das residências brasileiras: sem reboco, com piso de cimento e o telhado cheio de goteiras.

Na semana passada, o presidente Jair Bolsonaro sancionou a Lei Complementar nº 166, que torna automática a inclusão de informações de adimplemento nos cadastros de crédito. Apelidada de “lei do cadastro positivo”, esse projeto estava na pauta da agenda microeconômica de Palocci. A saga até a sua aprovação é um retrato do pouco comprometimento dado às medidas que poderiam impulsionar a produtividade e o crescimento econômico no Brasil.

Cadastro positivo é sancionado. Crédito: Aline Alves Leal/PR.

Os cadastros de crédito (como Serasa, SPC e afins) existem no Brasil desde a década de 1950. Seu objetivo inicial era proteger os comerciantes dos maus pagadores. Para coibir problemas decorrentes da inclusão indevida nessas “listas negras”, o Código de Defesa do Consumidor incluiu um dispositivo para regular o acesso e a correção das informações incluídas nos bancos de dados creditícios.

Acontece que, ao se basearem apenas nas informações negativas, esses cadastros não ofereciam uma visão completa do comportamento creditício dos consumidores – afinal, a regra é adimplência, e não a inadimplência. Tendo essa visão em mente, um grupo de técnicos de diversos órgãos (Secretaria de Política Econômica, Secretaria de Direito Econômico, Banco Central e Casa Civil) passou a discutir uma regulação para aproximar o Brasil das melhores práticas internacionais. Isso foi em 2003.

Como pode ser visto na linha de tempo abaixo, percorreu-se um longo caminho até a sanção presidencial ocorrida na semana passada. A maturação do projeto no âmbito do governo foi demorada, envolvendo discussões com órgãos afins (como o Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor e Procons) e a realização de audiências públicas. Em seguida, a proposta tramitou lentamente no Congresso, o que forçou o governo a buscar um atalho com a edição de uma medida provisória, que efetivamente implantou o cadastro positivo no Brasil.

Acontece que a solução encontrada à época – de apenas conceder ao consumidor o direito de autorizar o envio das suas informações positivas aos bancos de dados de proteção ao crédito – não surtiu o efeito desejado. Por falta de conhecimento, desconfiança ou comodismo, poucos aderiram à novidade. Para sanar esse problema, um novo projeto foi proposto em 2017, invertendo a lógica: a partir de agora, a adesão ao cadastro positivo é automática; aqueles que desejarem ficar de fora é que devem manifestar a exclusão de suas informações dos bancos de dados.

Os quase 30 anos percorridos entre a regulação dos bancos de dados com informações negativas e o cadastro positivo automático revelam como é difícil conduzir uma agenda de reformas microeconômicas.

No caminho, diversas forças se mobilizam contra o avanço de proposições destinadas a impulsionar a produtividade na economia brasileira. Preconceitos e dogmas frequentemente jogam contra. No caso do cadastro positivo, movimentos de defesa do consumidor desconfiam que a medida foi criada para beneficiar os bancos, recusando-se a reconhecer seu potencial de estimular a concorrência das instituições financeiras pelos melhores clientes. Há ainda o lobby contrário de grupos que podem ter suas rendas afetadas pela nova legislação. Associações de “donos” de cartórios viram no cadastro positivo uma ameaça para o sistema de protesto de títulos e dificultaram a aprovação da nova lei no Congresso.

Por fim, no Brasil padecemos de uma espécie de “síndrome da bala de prata”. Acreditamos que a aprovação de uma determinada lei terá o poder mágico de mudar a realidade instantaneamente. A sensação de missão cumprida não pode levar ao imobilismo. Precisamos reconhecer que o cadastro positivo não levará à queda da taxa de juros se não vier acompanhado de outras medidas para estimular a concorrência e tornar a regulação bancária mais eficiente.

A casa da política econômica nunca pode se dar por encerrada. É pau, é pedra, mas não é o fim do caminho. A agenda microeconômica em prol do aumento da produtividade deve estar em permanente construção.


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