Paulo Guedes na encruzilhada entre o curto e o longo prazo

Por Bruno Carazza

Publicado originalmente no jornal Valor Econômico em 08/07/2019.

 

Quando se corre uma maratona, no começo há a expectativa da largada, a energia contagiante dos demais corredores e o apoio do público. À medida em que se acumulam os quilômetros, os competidores se distanciam, os torcedores escasseiam, a paisagem perde o encanto quando o cansaço começa a castigar. Em determinado momento, você se sente só. É a solidão do corredor de longa distância, como no conto de Alan Sillitoe (e na música do Iron Maiden).

Ao ser escolhido por Bolsonaro para ser seu superministro, Paulo Guedes propôs um programa de longo prazo para a economia brasileira. Numa de suas primeiras entrevistas, no “Central das Eleições” da Globonews (24/08/2018), ele já anunciava os nortes de sua administração: reforma da previdência robusta para gerar potência fiscal para migrar para o regime de capitalização, privatizações, “mais Brasil, menos Brasília” e um pacote de medidas pró-competitividade, com simplificação e redução de impostos, desburocratização e abertura comercial.

Desde a largada da corrida eleitoral, a torcida por Guedes tem sido grande. Na última quinta-feira (04/07) o ministro foi aplaudido de pé por milhares de participantes num evento da XP Investimentos em São Paulo. Embalado pela aprovação do texto-base da reforma da previdência na Comissão Especial, iniciou e finalizou sua fala fazendo o “V da vitória” com as duas mãos, ao som de uma música triunfal.

Se considerarmos o mandato presidencial como se fosse uma maratona, estes primeiros seis meses correspondem, aproximadamente, à marca dos 5km. Para chegar com ritmo forte até aqui, Guedes contou com um empurrão da equipe econômica de Temer, que alinhavou o acordo comercial do Mercosul com a União Europeia, deixou um pacote de concessões na prateleira e construiu consensos no Congresso e na sociedade em geral sobre a urgência de se reformar a previdência.

Ministro Paulo Guedes em evento do Ministério da Economia em 13/02/2019. Foto: Fotos: Hoana Gonçalves/ME.

 

Por outro lado, o otimismo em relação ao futuro não significa que tudo foi um passeio até agora. Na sua relação com o Congresso, o fardo da capitalização se mostrou pesado demais e teve que ser deixado pelo caminho. Além disso, o terreno para lidar com as contas públicas mostrou-se muito mais acidentado do que se previa – aliás, o ministro abandonou também a promessa de zerar o déficit primário no primeiro ano de mandato.

Mas indiferente aos percalços enfrentados até aqui, o ministro permanece confiante de que alcançará a linha de chegada antes do tempo, batendo o recorde de transformar o Brasil numa economia liberal. No discurso de semana passada, Guedes anunciou os próximos passos após a aprovação da PEC da previdência: a reforma tributária na Câmara e uma completa reformulação do pacto federativo, com desvinculação e descentralização de recursos para Estados e municípios, no Senado.

O grande desafio de Guedes para não “quebrar” no meio do percurso está em lidar com a relatividade entre os tempos político e econômico. Para ter resultados sustentáveis, são necessários esforço e paciência para implementar reformas complexas e de difícil negociação – “no pain, no gain”, como dizem os treinadores. Para o político, contudo, importa o imediatismo dos resultados, e para mantê-los em alta há sempre a tentação de recorrer a anabolizantes e outros dopings.

Thomas Traumann, em seu livro “O Pior Emprego do Mundo”, ilustra bem esse dilema entre ministros da Economia, sempre às voltas com indicadores fiscais, de emprego, balança comercial e produção industrial, e presidentes da República, para quem só interessa uma medida: seu nível de popularidade.

Enquanto Guedes mostra-se comprometido com a meta dos 42km, Bolsonaro tem horizontes mais imediatos. E com as pesquisas indicando que sua aprovação é mais baixa e ainda vem caindo entre os segmentos mais pobres – e numerosos – da população (ver gráfico), não vai demorar para que o todo-poderoso comandante da economia seja cobrado para aumentar a velocidade e, assim, começar a entregar crescimento e recuperação do emprego a tempo das eleições no ano que vem.

Para complicar a situação, nesse mesmo trecho do trajeto Paulo Guedes terá que superar uma série de obstáculos. Para realmente transformar o Brasil “no paraíso dos empreendedores e no inferno dos rentistas”, como disse em seu discurso, Guedes precisará impor perdas a muitos que hoje o aplaudem, inclusive em boa parte do público que estava lá no Transamérica Expo Center na semana passada. Afinal de contas, abertura comercial, reforma tributária e redução de subsídios, entre outras medidas liberalizantes, não são indolores – há ganhadores e principalmente perdedores nesse caminho.

Como todo maratonista, Paulo Guedes em breve começará a sofrer com o cansaço, as dores do esforço sobre-humano e a falta de apoio. Haverá momentos em que pensará em desistir, talvez até se arrependa de desejado encarar uma prova tão difícil e de tão longa duração. Certamente se questionará se não teria sido melhor continuar praticando outros esportes bem mais agradáveis (no mercado financeiro).

Há seis meses não foram poucos (e eu devo admitir que estava entre eles) que duvidavam que Paulo Guedes iria chegar até aqui, em função do seu temperamento e do histórico corporativista e estatista de Jair Bolsonaro. Resta saber se terá foco, fôlego e determinação para manter o ritmo da passada e resistir à solidão da longa distância.