Governos e empresas sabem que o crime compensa

Publicado originalmente no jornal Valor Econômico em 28/01/2019

 

Bolsonaro é um homem de poucas palavras. Não é à toa que o Twitter é o seu principal canal de comunicação. Tendo a honra de abrir a edição 2019 do Fórum Econômico Mundial, em Davos, o novo presidente brasileiro julgou por bem transmitir sua mensagem em apenas 6 minutos e 40 segundos. Entre o “Boa tarde a todos” e o “muito obrigado”, foram exatas 720 palavras, ou 4.554 caracteres com espaços (esta coluna tem 5.600 toques).

Pior do que abrir mão da rara oportunidade de estar frente a frente com a elite política e empresarial mundial é ver a dura realidade brasileira desmentir suas palavras em pouco tempo.

“Somos o país que mais preserva o meio ambiente. Nenhum outro país do mundo tem tantas florestas como nós. (…) Os setores que nos criticam têm, na verdade, muito o que aprender conosco”, disse o presidente em Davos. Nem bem aterrissou na Base Aérea de Brasília na manhã de sexta, o presidente já anunciava no Twitter, às 15:20h, providências para socorrer as vítimas do rompimento de mais uma barragem da Vale, desta vez em Brumadinho/MG.

(Brumadinho – MG, 26/01/2019) O Presidente da República, Jair Bolsonaro, durante sobrevoo da região atingida pelo rompimento da barragem Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho/MG. Foto: Isac Nóbrega/PR

Em Davos, Bolsonaro confundiu fluxo com estoque. O fato de termos sido agraciados com uma vasta extensão de florestas em nosso território não significa que preservamos o meio ambiente. No Estado que tem na mineração a base de sua economia (a ponto de ter sido batizado de Minas Gerais), o Brasil demonstra novamente que não tem nada a ensinar ao mundo sobre conservação.

As dificuldades em criar um arcabouço institucional eficiente para a exploração sensata do meio ambiente é um típico exemplo da lógica da ação coletiva, tese elaborada por Mancur Olson (1932-1998). O desenvolvimento sustentável beneficia a todos, inclusive as próximas gerações. No entanto, empresas extrativistas em geral têm objetivos de maximização de lucros no curto prazo – jogam, portanto, contra o interesse coletivo.

No balanço entre o que se tem a ganhar e a perder, empresas têm muito mais condições de influenciar o jogo político em seu favor do que a sociedade em geral. Aliás, a campanha de perseguição das ONGs durante as eleições, com o perdão do trocadilho, mina o pouco de mobilização que existe na área ambiental.

Na campanha eleitoral de 2014, o setor de mineração foi responsável por 3,1% do total de doações feitas a partidos e candidatos. Trata-se de um percentual muito superior ao que faria supor a sua participação de 1,2% no PIB brasileiro. Investir no estreitamento de laços com governantes e parlamentares é típica prática de rent seeking, estratégia de auferir lucros maiores por meio da aprovação de legislação favorável ou pelo bloqueio de medidas potencialmente contrárias a seus interesses.

No que diz respeito à (falta de) fiscalização, a escola de Chicago, em alta no atual governo, também tem muito a nos ensinar. Os estudos de George Stigler, Richard Posner e Sam Peltzman indicavam, ainda na década de 1970, que autoridades e servidores públicos não são agentes passivos diante da pressão de grupos de interesses. Regulação e fiscalização frouxas podem ser uma fonte de benesses pessoais que vão de pequenos favores (como um bom vinho no Natal) a pesadas propinas. A ineficácia da política de proteção ambiental, portanto, muitas vezes é o resultado de um jogo em que empresas e representantes do Estado negociam a melhoria do seu bem-estar sob uma ótica privada, relegando o interesse público para os belos (ou curtos) discursos oficiais.

“Temos a maior biodiversidade do mundo e nossas riquezas minerais são abundantes. Queremos parceiros com tecnologia para que esse casamento se traduza em progresso e desenvolvimento para todos. Nossas ações, tenham certeza, os atrairão para grandes negócios, não só para o bem do Brasil, mas também para o de todo o mundo”. Diante dos CEOs das maiores companhias globais, Bolsonaro atuou como corretor de nossas vantagens comparativas, mercantilizando nosso meio ambiente.

Os crimes ambientais praticados pela Vale em Mariana e em Brumadinho são a prova de que “sustentabilidade” é apenas uma palavra bonita nas estratégias de marketing e responsabilidade social. Aliás, é bom não esquecer que os vazamentos de rejeitos de mineração ocorridos há pouco tempo em Santo Antônio do Grama/MG e em Barcarena/PA foram provocados, respectivamente, pela Anglo American e pela norueguesa Hydro Norsk. O fato de que empresas estrangeiras, com alto padrão de responsabilidade ambiental em suas matrizes, provocam danos ambientais por aqui é mais uma evidência para a tese de, Acemoglu & Robinson, dupla de pesquisadores que apregoam que empresas respondem aos incentivos colocados pelas instituições dos países em que atuam.

Para ser sustentável, a exploração de nossos dotes naturais precisa de um arcabouço institucional que combine legislação, fiscalização e, principalmente, punições eficientes. O desmoronamento das barragens em Brumadinho é prova de que a conciliação realizada pelos governos federal e de Minas Gerais (sob Dilma e Pimentel), órgãos de controle e a Samarco/Vale não foi suficiente para penalizar a empresa a ponto de fazê-la aprender a lição.

A leniência dos três Poderes brasileiros com a questão ambiental pode ser medida em números. Entre o “acidente” de Mariana em 05/11/2015 e a quinta-feira anterior ao desastre de Brumadinho, as ações da Vale (VALE3) se valorizaram 258,3% – muito acima do desempenho do Ibovespa, que rendeu 108,2% no mesmo período. Para termos uma comparação, as ações da British Petroleum ainda se encontram 22% abaixo do registrado na véspera do anúncio do vazamento de petróleo provocado no Golfo do México em abril de 2010.

No Brasil, definitivamente, o crime compensa.