União e Estados chegam a acordo sobre a compensação pela Lei Kandir

Por Bruno Carazza

 

O STF homologou ontem (20/05) um acordo entre a União e os Estados que, após décadas de briga, coloca um ponto final (será?) na briga a respeito da Lei Kandir.

A famosa Lei Kandir refere-se à Lei Complementar 87/1996. Ela tem esse nome em homenagem ao ex-deputado Antonio Kandir, autor da proposta e posteriormente ministro do Planejamento de Fernando Henrique Cardoso.

O objetivo da lei era tornar as exportações brasileiras mais competitivas no exterior. Dado o caráter cumulativo do nosso sistema tributário, nós acabávamos exportando impostos junto com nossos produtos – o que os tornava mais caros.

A LC 87/96, então, desonerou nossas exportações do ICMS. O problema é que o ICMS é um tributo estadual, também repassado aos municípios, e os demais entes da Federação não gostaram nem um pouco de ver a União fazendo graça com os exportadores usando o chapéu alheio.

A Lei Kandir estabelecia que outra lei regulamentaria a compensação aos Estados e municípios pela perda de arrecadação do ICMS. Como essa lei nunca foi aprovada, a União pagava o valor que considerava devido, mas os E&M nunca concordaram com o montante.

A briga foi parar no STF e se arrastou por décadas. No final de 2016 o Supremo deu o prazo de 12 meses para o Congresso finalmente editar a lei estabelecendo as regras da compensação. Nada foi feito.

Depois de várias prorrogações do prazo, o relator Gilmar Mendes concordou com uma proposta para se criar uma comissão composta por representantes de ambas as partes para se buscar uma solução consensual.

Sessão plenária do STF realizada por videoconferência. Foto: Fellipe Sampaio/SCO/STF.

Esse acordo foi homologado ontem pelo Plenário do STF e por meio dele União, Estados e DF concordam em encerrar a disputa relativa à Lei Kandir nos seguintes termos:

  1. A União se compromete a pagar aos Estados e ao DF R$ 58 bilhões a título de compensação pelas perdas com a Lei Kandir. O pagamento será realizado entre 2020 e 2037, com percentuais fixos de distribuição do dinheiro para cada ente subnacional.

  2. Buscando criar um incentivo para que os Estados pressionem seus deputados e senadores a aprovarem a PEC do Pacto Federativo, a União concorda em pagar um extra de R$ 3,6 bilhões nos 3 anos seguintes à promulgação da PEC 188/2019.

  3. A União também concorda em transferir para Estados e DF mais R$ 4 bilhões em caso de sucesso do leilão dos campos de Atapu e Sépia do pré-sal.

  4. Estados e DF, em contrapartida, concordam em encerrar qualquer ação destinada a cobrar valores vencidos e vincendos relativos à Lei Kandir.

Outra boa medida do acordo foi colocar expressamente que não haverá o pagamento de honorários advocatícios pelo encerramento das disputas. Se não fosse assim, procuradores da AGE, da AGU e da PGFN, além de bancas privadas que atuaram em defesa dos Estados, iriam virar sócios numa bolada de R$ 65,6 bilhões. [Aliás, precisamos conversar seriamente sobre o fim dos honorários de sucumbência na advocacia pública].

O acordo homologado no STF representará uma grande ajuda para as finanças de Estados e municípios, que já estavam em posição calamitosa antes da pandemia – e a situação fiscal vai piorar muito com a queda de arrecadação nos meses e anos que se seguirão à crise da covid-19.

Infelizmente, a maior parte desse dinheiro certamente será consumido com despesas de pessoal e previdenciárias, uma vez que foram poucos os Estados e municípios que aprovaram reformas previdenciária e administrativa mais profundas. E é por isso que foi muito pertinente a proposta da União de condicionar uma parcela extra à aprovação da PEC do Pacto Federativo, que traz consigo instrumentos para contenção de gastos com pessoal e benefícios fiscais.

O grande desafio agora é saber se o Congresso vai se mexer para tramitar a PEC 188/2019 em meio a tantos pleitos de socorro em razão do coronavírus.

Para saber mais detalhes, a íntegra do relatório e do voto do ministro Gilmar Mendes sobre o acordo da União, Estados e DF para encerrar as disputas sobre a Lei Kandir pode ser obtida aqui: stf.jus.br/arquivo/cms/no