Texto e gráficos de Bruno Carazza dos Santos

Nas últimas eleições municipais um fenômeno estranho ocorreu: muitos candidatos que se autoproclamavam membros de Igrejas em eleições passadas deixaram de fazê-lo. E isso diz muito sobre quem poderá governar o Brasil nos próximos anos.

“That’s me in the corner
That’s me in the spotlight
Losing my religion
Trying to keep up with you
And I don’t know if I can do it”

(Berry, Wakefield, Stipe, Mills, Buck and Baskaran)

Marcelo Crivella é evangélico. Marcelo Crivella é sobrinho de Edir Macedo. Marcelo Crivella é bispo (licenciado) da Igreja Universal do Reino de Deus. Marcelo Crivella já vendeu mais de 5 milhões de discos como cantor gospel.

Embora a imprensa frequentemente se refira a ele como “Bispo Crivella”, o novo prefeito do Rio de Janeiro nunca se apresentou como tal nas urnas eletrônicas: no início ele era “Marcelo Crivella”; mais recentemente, só “Crivella”. Nos registros do TSE, ele tampouco se identifica como “sacerdote ou membro de seita ou ordem religiosa” – ocupação que mais se encaixaria no seu perfil. Para fins eleitorais, Marcelo Crivella desde cedo foi “engenheiro”; nos últimos pleitos, no entanto, apresentou-se como “senador”.

Essa peculiaridade do líder evangélico que conseguiu o feito inédito de assumir a prefeitura da segunda maior cidade do país me chamou a atenção: como um candidato se “bispo” para seus fiéis (é só verificar algumas capas de seus discos gospel), mas não para seus eleitores? Haveria uma estratégia deliberada de alguns políticos religiosos de deixar de lado sua denominação perante seu rebanho para, assim, ampliar seu eleitorado? Em caso positivo, essa seria uma estratégia deliberada de determinados partidos, ou um comportamento mais ou menos geral entre os candidatos religiosos?

Para testar essa hipótese, coletei os dados de todos os candidatos que disputaram as eleições municipais de 2016 e verifiquei aqueles que se autoproclamaram religiosos em algum outro pleito desde 2000. Nesse conjunto de candidatos “veteranos”, inclui tanto aqueles que adotaram os títulos de “pastor(a)”, “irmão(ã)”, “bispo(a)”, “padre”, “missionário(a)” ou “presbítero(a)” em seus nomes de urna, quanto aqueles que se identificaram como sacerdotes nos registros do TSE.

Os resultados obtidos comprovam que Marcelo Crivella não estava só. O gráfico abaixo indica que, entre os 3.233 candidatos a vereador e prefeito que, antes de 2016, já haviam disputado uma eleição identificando-se como religioso, quase um terço abandonou a denominação de líder religioso. Esses 990 candidatos disputaram as eleições de 2016 sem recorrer aos nomes de bispo, pastor, irmão e semelhante – ao contrário do que fizeram em eleições passadas. O que teria acontecido?

alteracao-de-nomes

Para tentar explicar o fenômeno e verificar se há uma estratégia partidária por trás desse comportamento, apresento a seguir a distribuição partidária atual desse universo de candidatos que já se proclamaram religiosos em alguma eleição entre 2000 e 2016.

partidos

 

O gráfico acima indica que, nas eleições do último dia 02 de outubro, dois partidos se destacaram com a presença de muitos religiosos: o Partido Social Cristão (PSC) – chefiado pelo Pastor Everaldo, quinto colocado na última eleição presidencial – e o Partido Republicano Brasileiro (PRB), do (Bispo) Marcelo Crivella. Esses partidos tiveram, em 2016, uma presença de candidatos que já se identificaram religiosos muito superior a partidos com maiores tradição na política e capilaridade no território brasileiro, como PMDB, PSDB e PT. Esse resultado não causa surpresa, afinal tanto o PSC quanto o PRB têm relações umbilicais com Igrejas neo e pentecostais – o PRB com a Igreja Universal do Reino de Deus, e o PSC com a Assembleia de Deus e a Sara Nossa Terra.

A minha percepção de que há uma estratégia geral de apresentar-se ao eleitor sem uma identificação direta com as Igrejas ficou mais clara depois que analisei, caso a caso, o padrão de mudança ou permanência dos nomes de urnas desses candidatos religiosos em 2016 em relação às eleições anteriores. Após verificar se houve manutenção ou retirada da designação religiosa, agrupei os resultados por partido e percebi que são justamente esses dois partidos religiosos que apresentam o maior número de candidatos que abandonaram o título de pastor, bispo, missionário e presbítero nas últimas eleições.

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Minha explicação para o que está acontecendo – carente de pesquisas mais aprofundadas – é que os dois principais partidos religiosos do Brasil têm buscado conquistar eleitores não evangélicos que compartilham de seus valores conservadores (a defesa da família, da ordem e da segurança), mas sem explicitar o vínculo de seus políticos com as Igrejas que representam. Aliás, é importante notar que tanto o PRB quanto o PSC não explicitam suas ligações (ideológicas? financeiras?) com as citadas igrejas evangélicas.

Ao deixar de chamar seus candidatos de “Pastor Fulano” ou “Bispo Beltrano”, esses partidos procuram romper a resistência do eleitor pouco politizado, que se identifica com uma pauta de direita, mas que tem reservas ao envolvimento dos evangélicos na política brasileira. Isso, para mim, explica bastante do sucesso de Crivella no Rio de Janeiro.

Pensando no futuro, imagino que será cada vez mais difícil discernir a pauta política das Igrejas das plataformas dos partidos que elas apoiam no Brasil. Ambos irão explorar crenças do eleitor comum, atualmente impregnadas de valores conservadores no mundo todo  – vide Brexit e Trump.

Religioso ou não, o eleitorado brasileiro poderá ser atraído por esse discurso, que se dilui e difunde à medida em que a fronteira entre política e religião vai ficando menos nítida. É só lembrar que o PSC acabou de filiar Jair Bolsonaro e planeja lançá-lo candidato a Presidente da República em 2018. De acordo com um perfil da Revista Piauí, Bolsonaro é católico, mas foi batizado nas águas do Rio Jordão pelo Pastor Everaldo. Eu acho que é melhor rezar.

Vou parar por aqui, pois como diria a música do REM, “oh no I’ve said too much / I haven’t said enough”…

 

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